Economia

Por enquanto, é melhor relaxar e gozar

Pode ser que o novo plano da safra agrícola anime os produtores, mas os números indicam um ano difícil

Os embarques do complexo soja caíram cerca de 25% em relação ao mesmo período de 2014
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E aí? Como andam os ânimos dos caríssimos leitores? Sentindo-se ameaçados com o que publicam folhas e telas cotidianas? Almejando contrato exclusivo com a FIFA para transmissão do preparo da galinhada que suas saudosas avós os ensinaram a fazer? Ou, por acaso, têm voz impressionante e requebro insinuante, capazes de bulir com as emoç($$$)ões de Cláudia, Lulu, Brown e Daniel? Vale tentar, ainda que The Voice Brasil ande desafinando no Concerto Mundial.

Mas filhos desta pátria mãe gentil não fogem à luta e, creio, devemos nos esforçar para consertá-la. Experiência temos de montão. É só lembrar de como agimos no passado. Juros altos para controlar a inflação, cortes de empregos e cafezinho, aumento de impostos, redução de salários, constrição no consumo familiar.

Nunca deu certo? Ué, economistas-chefes de instituições financeiras e analistas que palpitam sobre a crise na Globo News preocupam-se com quem? Para o povão, de suas cartolas saem apenas coelhos mancos e com uma orelha só. 

A conjuntura atual, mais uma vez, trará bons proveitos para poucos e cardumes amazônicos de piranhas para a maioria. Sério. Nas crises quem tem grana compra ativos que são umas babas. Não dou nomes. Vai que uma panela voe e atinja meus ralos cabelos brancos.

Na primeira coluna para esta CartaCapital, mais de dois anos atrás, prometi comentar a agropecuária vista assim do alto, como Paulinho da Viola descreveu a Mangueira, e com uma lupa, como Holmes perscrutava impressões digitais.

Hoje subo o morro e procuro o céu no chão.

Na semana passada, em cerimônia no Palácio do Planalto, as amigas Dilma Rousseff e Kátia Abreu, com roteiro escrito por Joaquim Levy, anunciaram a pré-estreia de “Plano Safra, Versão 2015/16”.

A partir de 1º de julho, estarão disponíveis 187,7 bilhões de reais para a agricultura dita empresarial custear, investir e comercializar. Trata-se de bilheteria 20% maior que a da última versão. Sirvam-se, colham bem e rezem para Chicago ficar onde está.

Sim, os juros estarão mais altos, mas ainda bem abaixo do que se cobra de outros setores da economia e dos infortunados que pagam apenas o mínimo do cartão de crédito ou abusam do cheque especial.

Na jogada dos juros há uma boa dose de truque. Nem sempre o total do financiamento é obtido em taxas de crédito rural. No que falta, os bancos mandam ver nas taxas. Considerando que as agências são treinadas em burocratizar a abertura das burras, sugiro simpatia com a gerência de plantão. Como disse Aldir Blanc, simpatia é quase amor.  

Bem, não irei me estender sobre as virtudes do que foi anunciado. Desde as principais lideranças do setor até o professor Delfim Netto em seus artigos, todos se manifestaram positivamente.

O pessimismo disseminado os fazia esperar pior, e pequenas queixas fazem parte do ritual campestre. Como em lançamento de planos até Zélia fica bela, esperarei um ano antes de cantarolar o samba de Ataulfo Alves: “laranja madura, na beira da estrada, tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé”. Por enquanto, melhor relaxar e gozar.

Mas só? Não, também se precaver, o que parece já estar acontecendo.

Despencam as vendas de máquinas agrícolas. Segundo a Anfavea, entre janeiro e maio de 2015, retraíram 25,2% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Nos últimos anos, houve crescimento significativo nas vendas do setor, repetindo o verificado com os veículos automotores. Com ou sem crise, era uma interrupção esperada. Mais: a dimensão do valor investido numa nova e moderna colheitadeira é algumas vezes superior à troca de um Chevette último tipo (1993).

Também os fertilizantes não repetem o volume de 2014. Dolarizados, os principais insumos e as culturas de exportação, maiores consumidoras, espreitam tendências e aliviam compras e vendas antecipadas.

Tanto as importações de fertilizantes como os embarques do complexo soja caíram cerca de 25% em relação ao mesmo período de 2014.

Pode ser que os bons ventos repercutidos no anúncio do Plano animem os grandes produtores. Se espertos fossem, poderiam se proteger ainda mais. Conhecem, mas nem sempre ousam usar, tecnologias de menor custo e igual eficiência do que as dolarizadas e cartelizadas. Daí eu achar difícil a agricultura repetir o desempenho da última safra.

Na próxima semana, será anunciado o Plano para a Agricultura Familiar. A considerar o “empresarial”, por questão de justiça e viés político, não poderá ser pior. A ver.

Sintam a barra

Campesinos, caboclos, sertanejos, ou como prefere a CNA, produtores rurais, abram os olhos. Cresce a concentração na produção de insumos agropecuários.

A norte-americana Monsanto quer comer a suíça Syngenta. Por enquanto, aproveitando a data de hoje, namoram. Se rebento houver, chamar-se-á Líder Mundial. Um conglomerado com receita superior a 30 bilhões dedólares anuais, entre sementes e agroquímicos.  

A oferta “hostil” já saiu dos 45 bilhões de dólares para os 50, e promete chegar em 55. Tudo faz crer que em breve um chalé dos Alpes suíços cairá.

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