Economia

O que o ‘mercado’ espera do brutal ajuste fiscal prometido por Milei na Argentina

Endosso à política ‘ultralibertária’ e receio com a convulsão social pós-arrocho dividem as casas de crédito no mundo todo

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei. Foto: Luis Robayo/AFP
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Castigado por uma inflação galopante e um nível de pobre alarmante, a Argentina, ironicamente, levou à presidência um candidato defensor de um ajuste fiscal brutal, de fazer inveja até ao Fundo Monetário Internacional.

Em agosto, logo após ser o mais votado nas eleições primárias, o ultradireitista Javier Milei disparou: “O FMI não deveria ter problemas com o programa que apresentamos, porque propomos um ajuste fiscal muito mais profundo do que o que eles propõem“.

De lá pra cá, manteve suas incendiárias propostas de dolarização da economia (apesar de o país sofrer com a falta de dólares), fim do Banco Central, corte aos subsídios (em uma sociedade cada vez mais dependente deles), privatização em larga escala e redução do Estado ao mínimo possível.

O novo presidente argentino encontrará, porém, um cenário adverso no Congresso, onde não terá maioria logo de cara. Não à toa, crescem as dúvidas sobre como, afinal, ele levará a cabo suas promessas, diante de sua aparente incapacidade de dialogar com forças políticas fora da direita.

Embora derrotado na eleição, o peronismo conserva uma capacidade de mobilização sem paralelo na Argentina

O ‘mercado’ se equilibra entre o endosso as promessas “ultralibertárias” de Milei e o receio com a possível convulsão social que o arrocho provocará.

Jaime Reusche, diretor-sênior de crédito da norte-americana Moody’s Investors Service, diz que o plano de Milei até pode, eventualmente, resolver desequlíbrios que paralisam a economia da Argentina, mas pondera: “Se adotadas conforme descrito, [as medidas] causariam um ajuste econômico abrupto e profundo, colapsando a demanda interna e ameaçando a estabilidade financeira”.

Ele mencionou também haver “um Congresso dividido e pressões sociais“.

A JP Morgan, dos Estados Unidos, chamou de “ousada” a agenda de Milei, mas também lançou dúvidas sobre sua viabilidade, ante um Congresso rachado. Para o banco, a presença no gabinete de Milei de figuras do PRO, partido do ex-presidente Mauricio Macri, pode “mitigar as tentativas de reformas mais ousadas”, como a dolarização.

A instituição defende um “realinhamento da taxa de câmbio, consistente com a taxa de câmbio paralelo”, em um país cujo mercado paralelo de moedas, especialmente o dólar, dita as regras de uma parcela da sociedade.

“Esse realimhamento deve ser acompanhado por um ajuste fiscal draconiano para compensar a perda de receitas de senhoriagem e, assim, criar os incentivos necessários para começar a reconstruir as reservas cambiais do banco central.”

Para o britânico Barclays, os resultados da economia dirão se Milei será ou não capaz de conservar o apoio dos setores de renda média. O banco defendeu a importância de alcançar a estabilização econômica com rapidez, a fim de “desenvolver um círculo virtuoso de reformas”.

O ‘ajuste draconiano’ de Milei tem relação direta com o FMI

Em 2018, Macri – agora aliado do ultradireitista – deixou a Argentina de joelhos diante do Fundo ao contrair um empréstimo de 57 bilhões de dólares com o órgão e oferecer a fatura como “legado” ao governo de Alberto Fernández. Desde então, a dívida com a instituição é um item indispensável nas agendas política e econômica.

Na segunda 20, horas após a vitória de Milei, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, publicou uma mensagem protocolar, na qual defendeu um “trabalho em estreita colaboração” com o presidente eleito para de “desenvolver e implementar um plano forte que salvaguarde a estabilidade macroeconômica e fortaleça o crescimento inclusivo para todos os argentinos”.

Enquanto Javier Milei defende o arrocho, um Estado minúsculo e a implosão do Banco Central, há uma população empobrecida e fortemente dependente de subsídios e ações afirmativas do governo. Embora derrotado na eleição, o peronismo conserva uma capacidade de mobilização sem paralelo na Argentina e pode representar um obstáculo de grandes proporções, no Congresso e nas ruas – não à toa, Milei já flerta com a ameaça de repressão a protestos populares, especialmente na cidade de Buenos Aires.

“Se Deus quiser, não, mas podem acabar causando, digamos assim, uma situação delicada na rua. Isso geralmente acontece na Capital Federal. Estamos trabalhando, já conversamos sobre isso, justamente para manter a ordem nas ruas”, disse Milei após a eleição. Para a sorte dele, o próximo chefe de governo da cidade será ninguém mais, ninguém menos que Jorge Macri, primo do ex-presidente.

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