Economia
O pessimismo da mídia no agronegócio
Boa parte da inflação reflete aumento das margens de lucro praticado por vários setores, sobretudo os oligopolizados
Embora os assuntos mais afeitos ao agronegócio envolvam economia, política e tecnologia, certos temas dormem em antigas fichas de bibliotecas, que me levam a espaná-las e dar à coluna uma levada de crônica.
Não sei se agrado, mas o agro sempre se queixou da pouca exposição na mídia. O público justificava desinteresse alegando chatice, monotonia. Os do ramo conformavam-se com publicações e emissões de aposto “rural” ou “agrícola”.
O fato vem mudando há pelo menos duas décadas. No planeta, catalisado por impasses entre segurança alimentar, preservação do ambiente vital e comércio exterior; na Federação de Corporações, instigado pela dimensão a que chegaram agropecuária e contradições.
É bom que assim seja. O estágio atual do capitalismo ampliou as preocupações da agropecuária mais até do que nos setores industriais e financeiros, mandatórios na economia mundial e na vida das pessoas.
Foi-se o tempo em que a única resposta que os campesinos (desculpe o termo, senadora Kátia) poderiam dar a seus detratores era: “se não fosse por nós, o que os senhores comeriam?”
Nesta coluna, penso em comentário do leitor, produtor e amigo, Fernando Machado, sobre o descompasso entre preços de comercialização e custos dos fatores na produção agrícola.
Queixas que ouço de muitos atores em diversas culturas. Seria equivocado incluí-las na pecha de “chorões”, por eles recebida de urbanoides. A não ser que o tsunami de pessimismo que cobre o País tenha chegado a eles.
Não me surpreendo, no entanto. Em coluna nesta CartaCapital, lembro ter usado a palavra babau para me referir aonde chegaria a grande agropecuária brasileira caso os preços das commodities caíssem a níveis do século passado e início deste.
Assombro que logo se repetiria nos olhares de William e Patrícia, no Jornal Nacional, da TV Globo, pois sem interferência de excessos de oferta, os alimentos não mais chegariam às mesas brasileiras “abençoados por Deus e bonitos por natureza”.
Pra fora ou pra dentro, são façanhas somente obtidas pelo incremento de produtividade.
E por que tais aumentos de custos não me surpreendem? Vários motivos, nenhum deles a favor da rentabilidade de quem produz no campo.
Podemos começar pelo mais óbvio e comentado, o custo da logística. Fretes de uma frota tardia e incompletamente renovada, modais de transportes inadequados para a dimensão do país, agravada pela rápida expansão da fronteira para plantio, estradas deploráveis.
Enveredar por aí, no entanto, seria chutar o cachorro morto de sempre, o Estado. O jornalista e escritor Nelson Rodrigues veria nisso uma burrice, pois unânime.
Poderá parecer irônico, mas outra causa para o aumento desses custos vem exatamente da ausência do cachorro morto. O viés neoliberal que tomou a globalização promoveu, aqui e alhures, brutal concentração da produção e comercialização de sementes, fertilizantes, agrotóxicos, máquinas e equipamentos.
Em caso de dúvida, vale contar o número de empresas e suas participações nesses mercados. Concentração sem precedentes na história, exacerbada por excelentes centros de inovação tecnológica e massivos aparelhos de divulgação.
Diante de tal prensa, resta pouca defesa ao rural. Corre atrás do rabo para ter produtividade. E mesmo minimizando custo de mão de obra com mecanização, acaba com o rabo preso pelos preços praticados por empresas a um tico de serem oligopólios.
Sim, há também as legislações tributárias, trabalhistas, ambientais, mas aí voltaríamos ao cachorro morto, que de tão chutado, valeria um dia tentar ressuscitá-lo.
Pra terminar, sem passar no sal, mas apimentando o tempero da inflação nos custos agropecuários, incluo fator recente, não exclusivo do segmento, mas percebido em várias empresas: o pessimismo que se espraia das folhas e telas cotidianas para a economia, e daí para as nações corintianas, flamenguistas, até aos minoritários torcedores do Olaria, no Rio, e da Ferroviária de Araraquara, em São Paulo.
Boa parte da inflação reflete aumento das margens de lucro praticado por vários setores, sobretudo os oligopolizados, como proteção diante do desconhecido à frente.
Como os balanços publicados de 2013 e do primeiro trimestre de 2014, período de economia a passo de pangaré, mostram bons resultados, ao mesmo tempo em que cresce a entrada de investimentos diretos, é bem possível que o desconhecido à frente, causa do lamento carpido, esteja relacionado ao resultado da eleição presidencial. Vai que o desconhecido seja mais do que conhecido.
Dito isso, caro Fernando e leitores, se a China não mantiver o apetite, Estados Unidos, Europa e Japão não crescerem um tiquinho a mais ao ano, São Pedro ofertar boa colher pro hemisfério sul e entortá-la no norte, uma nova orientação política não arrasar a produção indiana de açúcar, logo, logo, a potência agropecuária do planeta terá que conversar com o Tesouro Nacional.
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