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O PAC e as críticas

“Sábios” tentam descaracterizar a ação das forças conservadoras

O PAC e as críticas
O PAC e as críticas
Lula lança no Rio de Janeiro o novo Programa de Aceleração do Crescimento – Imagem: Ricardo Stuckert/PR
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O anúncio do PAC na sexta-feira 11 de agosto – data que celebra a criação dos cursos jurídicos no Brasil – deflagrou um desfile de críticas. Críticas sempre apimentadas com a sabedoria dos “especialistas” que exibem seus saberes nas fileiras da mídia de negócios.

Entre tantos lá estava o simpático palmeirense Samuel Pessôa. Nas páginas da Folha de S.Paulo, Samuel desatou uma interessante narrativa. (Peço desculpas pela expressão narrativa, porquanto, na opinião de muitos sábios da Crematística, ela ofende gravemente os princípios de rigor e exatidão exigidos aos praticantes da Ciência Triste.)

Conta Samuel: “Voltava de Brasília. Era o primeiro semestre de 2016. Senta-se ao meu lado um deputado federal do PT. Já nos conhecíamos. Pessoa correta e genuinamente preocupada com o País.

Adoro ouvir e entrevistar as pessoas. Queria saber do deputado qual era a interpretação dele da nossa grande crise. No biênio 2015-2016, o PIB caiu 6,7%; e 8,2% para o PIB per capita.

O deputado me explica que as coisas não iam tão mal em 2014. O problema foi que Aécio Neves não aceitou o resultado da eleição e produziu a maior crise. A crise era política, não econômica. A crise econômica era consequência da crise política”.

Fonte: Contas Nacionais Trimestrais

Peço licença para divergir da narrativa de Samuel.

O deputado do PT personalizou em Aécio Neves um processo político-social desencadeado pelas forças conservadoras – aí incluídos os economistas do ­mainstream – desde a eleição de Lula em 2002. As pressões se acentuaram no segundo mandato, quando os sabichões contestaram as medidas patrocinadas pelo ministro Guido Mantega para enfrentar – exitosamente, diga-se – os efeitos da crise do subprime. O ano de 2009 é apontado pelos “analistas de mercado” como a inauguração da suposta “nova matriz macroeconômica”, que teria elevado os gastos e conduzido (sete anos depois) à recessão e desequilíbrio fiscal. Curiosamente, a partir de 2009 as despesas primárias do governo central caem em, aproximadamente, 0,5% do PIB. Já de 2014 a 2015, essas despesas sofrem elevação de quase 1% do PIB. Um exemplo claro das relações entre os movimentos do PIB e seus efeitos sobre as receitas e as despesas fiscais.

Ao negligenciar o crescimento de 7,6% da economia brasileira em 2010 e a queda de 3,8% do PIB em 2015 e 3,3% em 2016, a lógica dos autoproclamados especialistas em contas públicas se enrosca na contração das despesas primárias do governo central a partir de 2009 e na expansão no ano de 2015-2016, em relação ao PIB. É a singular dialética do “subiu, mas caiu” ou do “caiu, mas subiu”.

As opiniões mais “contundentes” trabalham com modelos inadequados que desconsideram a recorrente instabilidade das economias monetário-financeiras capitalistas. Expostas aos percalços das flutuações de crédito, preços de ativos e de commodities, sobretudo as economias emergentes estão permanentemente submetidas a choques fiscais positivos e negativos que acompanham inexoravelmente as fases de crescimento e desaceleração.

No crepúsculo de 2014, os formadores de opinião midiático-financeira instilaram a pré-verdade econômica nos ares de Pindorama. O consenso da “Turma da Caixinha” propalava o desastre: a economia cresceu apenas 0,5% e apresentou um déficit primário de 0,6% do PIB em 2014.

A vitória de Dilma nas eleições aumentou a gritaria: desastre!! desastre!! Tanto clamaram pelo desastre que a política econômica da Turma da Caixinha foi executada com esmero pelo ministro ­Levy. Dois anos depois, os incautos e crédulos descobriram que a Caixinha da Turma era a de Pandora.

Aberta a Caixinha, os monstros ficaram à solta: o choque de tarifas voou lado a lado com o choque de taxa de juros de mãos dadas com a forte desvalorização cambial. Para não deixar barato, os preços desaforados convidaram os cortes em investimentos públicos para mais um Baile da Ilha Fiscal.

A interação entre o choque de tarifas, a subida da taxa de juros, a desvalorização do real e o corte dos investimentos públicos determinaram a elevação da inflação em simultâneo à contração do nível de atividade e daí à restrição do crédito. O encolhimento do circuito de formação da renda levou, inexoravelmente, à derrocada da arrecadação pública.

As fábricas se encharcam de capa­cidade ociosa. Endividadas em reais e em moeda estrangeira, as empresas são constrangidas a ajustar seus balanços diante das perspectivas de queda da demanda e do salto do serviço da dívida. Para cada uma delas é racional dispensar trabalhadores, funcionários, assim como, diante da sobra de capacidade, procrastinar investimentos que geram demanda e empregos em outras empresas. Para cada banco individualmente era recomendável subir o custo do crédito e racionar a oferta de novos empréstimos.

Os consumidores, bem, os consu­midores reduzem os gastos. Uns estão desempregados e outros com medo do desemprego. Assim, o comércio capota, não vende e reduz as encomendas aos fornecedores que acumulam estoques e cortam ainda mais a produção. As demissões disparam. A arrecadação míngua, sugada pelo redemoinho da atividade econômica em declínio. Isso enquanto a dívida pública cresce sob o impacto dos juros reais e engorda ainda mais os cabedais do rentismo caboclo.

O mergulho depressivo iniciado entre o crepúsculo de 2014 e a aurora de 2015 pode ser apresentado como um exemplo do fenômeno que as teorias da complexidade chamam de “realimentação positiva” ou, no popular, “quanto mais cai, mais afunda”.

A mídia brasileira espargiu a convicção da rápida recaptura dos monstros liberados pela Turma da Caixinha. Um amigo empresário encalacrado em sucessivas negociações com os bancos sugeriu, entre rilhar de dentes, que não devemos desperdiçar a mitologia grega com episódios funestos. Disparou: essa turma é do Zé do Caixão. •

Publicado na edição n° 1273 de CartaCapital, em 23 de agosto de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O PAC e as críticas’

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