Economia

Americanas e ex-CEO trocam acusações sobre fraude e responsabilidade de bilionários

Miguel Gutierrez, que comandou a empresa por 20 anos, diz ter virado bode expiatório para proteção de figuras ‘poderosas’

Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas - Reprodução/Americanas Summit 2021
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O ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez disse à CPI responsável por investigar o rombo fiscal na varejista que os três acionistas de referência – os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – tinham pleno conhecimento do que acontecia na contabilidade da empresa.

“Me tornei conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”, escreveu. O conteúdo da carta enviada pelos advogados do empresário à CPI em 31 de agosto foi revelado pelo jornal Valor Econômico. 

Gutierrez, que esteve à frente da companhia por vinte anos, ainda acusou seu sucessor, Sérgio Rial, de mentir em depoimento à comissão quando disse que o trio não sabia das fraudes nas contas da Americanas. Rial anunciou sua demissão em janeiro, nove dias depois de ter assumido o posto dizendo ter descoberto “inconsistências contábeis” da ordem de 20 bilhões de reais.

“Isso nunca foi verdade e certamente não mudou nos nove dias de gestão do Sr. Sergio Rial, nem nos 5 meses anteriormente, nos quais ele trabalhou intensamente como ‘consultor’, para se ambientar aos negócios, à cultura e às informações da companhia”, prosseguiu Gutierrez.

Na carta, o ex-CEO afirma não ter recebido qualquer alerta sobre a situação contábil durante seu período à frente da empresa. Ele diz ter sido informado sobre “um problema financeiro” pelo qual a companhia passava, mas nega que a discussão sobre as eventuais inconsistências fosse de sua competência.

O documento ainda relata uma suposta reunião entre Lemann, Telles e Sicupira em novembro de 2022 na qual, segundo a versão de Gutierrez, se discutiu a situação financeira da Americanas. Nos meses seguintes, o tema também teria voltado à pauta.

De acordo com o ex-CEO, em dezembro Rial teria informado que “os controladores não gostariam de aportar recursos e tampouco aprovariam, naquele momento, uma ampliação de capital”.

Gutierrez afirma também que, “como em todas as suas [do trio de acionistas] companhias, havia uma intensa pressão por resultados positivos, controle rígido de despesas (mediante ‘aperto’ comercial em cima de fornecedores) e incentivo ao ‘fanatismo’ de seus executivos e funcionários pelo trabalho incessante”.

Ele ainda acusa a atual gestão da Americanas de nunca ter lhe procurado para que prestasse esclarecimentos e diz que os problemas financeiros não tiveram uma motivação contábil.

“[A crise] não tinha nenhuma relação com qualquer problema de ordem contábil (que não era de meu conhecimento), senão com problemas decorrentes da fusão da empresa de lojas físicas (Lojas Americanas) com a empresa de vendas digitais (B2W), com a redução do volume de vendas, com o aumento desenfreado do consumo de caixa”, justifica.

No relatório final da CPI das Americanas, o deputado Carlos Chiodini (MDB-SC) afirmou não ter sido possível identificar “de forma precisa” os autores da fraude na varejista. O texto chega a sugerir o envolvimento da antiga diretoria da companhia, mas evita fazer “um juízo de valor seguro”.

A CPI foi criada em maio para investigar as inconsistências da ordem de 20 bilhões de reais detectadas em lançamentos contábeis da Americanas. Gutierrez chegou a ser convocado a depor, mas não compareceu.

A varejista entrou em recuperação judicial após a descoberta do rombo, com dívidas de 43 bilhões de reais com cerca de 16,3 mil credores e apenas 800 milhões de reais em caixa.

Com a palavra, os envolvidos 

A Americanas disse, em nota, que refuta “veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez” e afirmou que “as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas”, cujo diretor-presidente era Gutierrez.

“A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”, pontua a empresa.

Os acionistas da varejista, por sua vez, disseram que as declarações “não trazem qualquer prova de suas alegações nem refutam evidências de sua participação na fraude”.

“Os acionistas de referência sempre atuaram com o máximo de zelo e ética sobre a companhia, observando rigorosamente as normas e a legislação aplicável. Ainda assim, todos os acionistas da Americanas foram enganados por uma fraude ardilosa cujos malfeitores serão responsabilizados pelas autoridades competentes”, acrescentam.

Já Sérgio Rial disse em nota que não comentará o teor da carta escrita pelo seu antecessor. Destacou ainda que “aguarda as providências cabíveis para a responsabilização dos autores da fraude bilionária a partir das delações já homologadas e da continuidade das investigações em curso”.

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