Economia

Além das boas intenções

Entidades do mercado movimentam-se para dar credibilidade e transparência aos investimentos ESG

Padrão. Murcia, da Fipecafi, integra o comitê empenhado em definir parâmetros para determinar os compromissos das empresas - Imagem: Miguel Schincariol/AFP e Fipecafi
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A sigla ESG é o termo da moda no mundo corporativo. Significa, em inglês, os compromissos das empresas com o meio ambiente, responsabilidade social e governança. Todo mundo se diz ou deseja se tornar ESG, mas faltam parâmetros para definir quem de fato abraçou a causa e quem só está preocupado em surfar na onda. Em geral, o mercado utiliza como critério a resposta a questionários ou a autodeclaração, como faz, por exemplo, por meio da companhia de análises financeiras internacional Morningstar, que lista 135 fundos cujos “prospectos ou outros documentos e relatórios declaram foco em sustentabilidade, impacto ou fatores ambientais, sociais e de governança” entre os 5.019 que acompanha regularmente, enquanto a Comissão de Valores Mobiliários identifica 153 em seu site, sem explicitar o critério dessa classificação.

São números ínfimos diante do universo de 27.507 fundos de todos os tipos e tamanhos registrados pela Anbima, com patrimônio líquido de 7,2 trilhões de ­reais, quase o tamanho do Produto Interno Bruto do Brasil (8,7 trilhões de reais em 2021), mas a expectativa é de que venham a crescer com o amadurecimento da padronização e normatização dos critérios de divulgação de fatores ESG pelos fundos, assim como pelas empresas em que estes investem. “Mapear os instrumentos com a denominação ASG ou ESG não é tarefa fácil, pois os dados muitas vezes não estão consolidados e claramente disponíveis, ainda não se tem uma taxonomia (classificação) que transmita com clareza aos investidores quais são os ativos classificados como investimentos sustentáveis”, afirma Gabriel Emir Moreira e Silva, superintendente da área de Projetos da Fundação Instituto de Pesquisas Contáveis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). A pedido de CartaCapital, a fundação fez um levantamento de fontes de financiamento. “Enquanto não se tem procedimentos que validem de maneira independente se uma empresa ou um projeto é ESG, tem-se adotado o critério de autodeclaração via questionários respondidos pelos diversos agentes econômicos que recebem esses recursos.”

O CBPS, comitê integrado por várias instituições, pretende criar regras para medir se uma companhia é ou não sustentável

Pelas regras da Anbima, para usar o sufixo IS, os fundos devem comprovar que as carteiras estão alinhadas ao propósito e que nenhum investimento pode comprometê-lo. Além disso, a gestora deve cumprir uma série de exigências, como a definição e a divulgação dos dados e da estratégia, incluindo a metodologia. Deve ainda informar as ferramentas e o engajamento realizado pelo fundo, indicar potenciais limitações e apontar as ações de aferição e de monitoramento dos objetivos. No caso dos produtos que integram os fatores ESG, o compromisso de considerar essas questões no processo de gestão deve constar em documentação formal do fundo e evidenciado na metodologia. Nela estarão detalhados os filtros, indicadores e outras métricas utilizadas nos ativos. A gestora também deve atender a requisitos com relação ao compromisso, à governança e à transparência.

A gerente de Representação da Anbima, Juliana Agostino, esclareceu, em nota, que, “dada a diversidade de estratégias que podem ser utilizadas para cumprir o objetivo e o estágio ainda inicial de formação de conceitos, inclusive em nível internacional, as regras foram baseadas em critérios principiológicos, ou seja, menos prescritivos, evitando a cobrança de percentuais e determinação de abordagens específicas”.

Fonte: Survey. Elaboração própria a partir de dados da pesquisa – 2021. CVM

Agostino relatou as dificuldades de se quantificar no mercado brasileiro o exato volume aplicado em fundos ligados a sustentabilidade, pois as novas regras entraram em vigor há pouco tempo. Segundo a classificação da Anbima de fundos regulados pela Instrução CVM 555, existentes até 2021, a subcategoria da classe ações denominada “Sustentabilidade/Governança” era a única que contemplava investimentos sustentáveis. No fim do ano passado, algumas poucas dezenas de fundos estavam registrados nessa subcategoria e totalizavam um patrimônio líquido de, aproximadamente, 2 bilhões de reais. Agostino ressalva, porém, que pela verificação de nomenclatura, de políticas de investimento e de outras informações disponíveis, é possível identificar um número bem maior de produtos distribuídos nas diversas classes, como renda fixa, multimercados, ações e previdência, alcançando um total de ativos sob gestão ao menos dez vezes maior. Além disso, quando se faz uma análise histórica e levam-se em conta esses mesmos critérios, observa-se um crescimento de, aproximadamente, 50% no número de fundos que se autodeclaram como sustentáveis e de quase 300% nos ativos sob gestão entre 2016 e 2021, assinalou a gerente da Anbima. “Esses dados corroboraram a importância de se definirem critérios para fundos de investimento sustentáveis, a fim de se garantir o crescimento robusto e saudável desses produtos no mercado brasileiro.”

Uma pesquisa com investidores que acessam o site da CVM, divulgada no início de maio, mostrou que os pontos mais abordados pelos participantes da sondagem remetem à padronização e obrigatoriedade da divulgação de informações ESG, a fim de facilitar a análise e a comparabilidade entre as organizações, aumentando a confiabilidade e a transparência das informações divulgadas. Os investidores, em outro ponto, destacaram a importância de o órgão regulador realizar um controle rígido das informações divulgadas. Adicionalmente, os participantes salientaram a importância da verificação externa das informações divulgadas no sentido de dar mais credibilidade e transparência às informações reportadas.

Fatia pequena. Segundo a CVM, apenas 153 fundos, entre mais de 27 mil, declaram foco em sustentabilidade, impacto social e governança – Imagem: CVM

Para o diretor da Fipecafi Projetos, Fernando Murcia, a normatização sobre o tema, acompanhada da regulação por parte de órgãos com poder de exigência (“enforcement”) e punição, contribuirá em ao menos quatro grandes aspectos, a começar pela divulgação obrigatória de riscos potenciais e informações com caráter negativo, pois, hoje, as empresas não têm incentivos econômicos para, voluntariamente, divulgar informações negativas, passíveis de, eventualmente, prejudicar a sua imagem perante a sociedade e/ou o seu valor econômico.

A padronização e a avaliação quantitativa dos efeitos e práticas empresariais permitirão que as políticas de sustentabilidade das empresas possam ser comparadas com pares do mesmo setor, incluindo entidades de outros países, enquanto a revisão e a auditoria das informações, seja por auditores independentes, seja oriundos das agências reguladoras, fornecerão um atestado de credibilidade para as informações sobre sustentabilidade empresarial. Por fim, a regulação servirá de guia para as empresas. “É comum ouvir de alguns administradores que falta um guia que os auxilie na forma de divulgar tais informações aos seus stakeholders. Atualmente, muitas empresas que objetivam ser mais transparentes simplesmente não sabem como fazer”, salienta Murcia.

“Muitas empresas objetivam ser mais transparentes, mas não sabem como fazer”, diz Fernando Murcia, da Fipecafi

É justamente para promover a padronização da divulgação sobre sustentabilidade, no Brasil, que foi criado o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), em moldes similares ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) que traduziu e adaptou as Normas Internacionais de Contabilidade ­(International Financial Reporting Standards – IFRS). Fundado em julho, o CBPS é integrado pela Abrasca (representante das empresas), Apimec (representante dos analistas de investimento), B3 (Bolsa de Valores brasileira), CFC (órgão de classe dos contadores), Ibracon (representante dos auditores independentes) e Fipecafi (representante da Academia).

Adaptação. As regras precisam levar em conta a realidade local, diz Agostino – Imagem: Redes sociais

Murcia, representante da Fipecafi no comitê, lembra que o CBPS não terá poder de exigir, fiscalizar ou punir as empresas que não aplicarem adequadamente suas normas, função dos órgãos reguladores, entre eles a CVM, a Superintendência de Seguros ­Privados ­(Susep), o Banco Central do Brasil e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). A partir das normas e regras que disciplinem a divulgação de informações sobre sustentabilidade, será possível, no entanto, distinguir as empresas que genuinamente adotam práticas mais sustentáveis daquelas que querem apenas “surfar a nova onda”. “As primeiras serão seguramente premiadas com crédito mais acessível e mais barato. O ­greenwashing, a maquiagem verde, sofrerá os efeitos de práticas literalmente insustentáveis”, assegura Murcia.

Para a Anbima, que respondeu a ­duas consultas públicas do International Sustainability Standards Board, o CBPS deverá contribuir para facilitar a conexão entre as informações econômicas relacionadas à sustentabilidade com as demonstrações financeiras das empresas, ressaltando haver especificidades regionais a ser consideradas na divulgação de dados relacionados, pois tanto na visão de risco quanto de oportunidade há diferentes formas de análise em razão dos diferentes climas. “Considerando que cada jurisdição deverá adequar os padrões de divulgação de informações materiais de modo a incluir as especificidades regionais (especialmente no caso de informações climáticas), espera-se que, por meio do CBPS, os padrões do ISSB sejam incorporados de modo a refletir a realidade brasileira”, salienta Agostino. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1221 DE CARTACAPITAL, EM 17 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Além das boas intenções”

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