Economia

A produção local de semicondutores volta a ser debatida

O Brasil precisa identificar qual é a sua posição na cadeia global do setor e talvez deva buscar um sócio estrangeiro

Fábrica estatal para a produção de chips, inaugurada em fevereiro de 2010, em Porto Alegre (RS). Foto: Divulgação
Apoie Siga-nos no

Um ponto chave no esforço de reindustrialização do País prometido por Lula é decidir o que fazer em relação à produção local de semicondutores ou chips, componentes essenciais de eletroeletrônicos, veículos, máquinas e vários outros produtos e processos, cada vez mais necessários à medida que a digitalização avança.

“O Brasil enfrenta um problema muito sério na indústria de semicondutores, em especial no setor eletroeletrônico, porque é o principal item gerador de déficit na balança comercial desse segmento. A importação de semicondutores corresponde a 20% desse déficit. Um grande desafio da economia brasileira é internalizar uma parte, ou um elo, da cadeia produtiva global desses componentes”, chama atenção o economista Uallace Moreira, professor visitante na South National University, da Coreia do Sul, e professor adjunto da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia.

A possibilidade de parceria com uma empresa estrangeira do setor e a utilização das compras governamentais também deveriam ser consideradas, acrescenta Moreira.

Segundo o coordenador do GT de Ciência e Tecnologia, ex-ministro Sérgio Rezende, as duas áreas estão “no fundo do poço”, passam pela maior crise dos últimos 24 anos e uma das principais causas dessa situação é a “redução drástica” dos recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Houve tentativas de produção de chips no País, “principalmente nos governos do PT”, sublinha Moreira. As principais iniciativas foram a criação da empresa estatal Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), em 2008, e a instituição do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), em 2019.

A Ceitec estava vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e atuou no segmento de semicondutores desenvolvendo soluções para identificação automática e aplicações específicas. O Padis, que continua em vigor, prevê incentivos fiscais em contrapartida ao investimento em pesquisa e desenvolvimento de semicondutores no País.

A eventual reversão da privatização da Ceitec não garante, entretanto, o impulso à produção de chips no País, apesar de ser um passo nessa direção.

“O Grupo Técnico de Ciência e Tecnologia propôs a suspensão da privatização do Ceitec para se pensar em uma saída. Fortalecer a empresa, investir, esse é um ponto. Agora, será que é viável? Porque o setor de semicondutores é o mais intensivo do mundo, em capital e Pesquisa & Desenvolvimento. Em que medida o Estado tem condições de manter uma estatal?”, indaga Moreira.

É uma interrogação, diz, e talvez o caminho seja fortalecer a Ceitec por meio de uma joint venture, uma associação, com uma empresa estrangeira que tenha interesse em explorar o mercado interno brasileiro. O economista considera que um grande desafio da economia brasileira hoje é internalizar parte da cadeia produtiva. Ele acredita que por esse motivo o novo governo vai intensificar e fortalecer os programas de incentivo ao setor de semicondutores e talvez criar outras linhas de financiamento para fazer com que mais empresas tenham interesse em produzir e atender à demanda das empresas. Com isso, se reduz o déficit da balança comercial e também é possível pensar em ter capacidade de exportar semicondutores para a região da América Latina.

“É preciso se fortalecer internamente e aí analisar que tipo de chip é possível produzir aqui, front-end, back-end, a gente está discutindo”, diz Moreira. No processo front-end, são criados circuitos integrados de larga escala (LSI), com centenas de semicondutores alinhados em um wafer ou placa feita de lingotes de silício. No processo de back-end, esses circuitos integrados são cortados individualmente e processados de várias maneiras para viabilizar o seu uso em produtos.

“Um elemento fundamental para fortalecer o setor de semicondutores são as compras públicas. O governo pode fortalecer a produção interna comprando de empresas brasileiras, por exemplo, os chips para os passaportes brasileiros, em vez de importar e adquirir de firmas estrangeiras”, ressalta o economista.

Outro ponto importante, diz, que pode favorecer muito a economia brasileira, é o cenário geopolítico internacional. Os EUA, principal produtor mundial e que domina a cadeia produtiva superior e a propriedade intelectual, embora produza em outros países, têm imposto sanções à China para evitar que ela avance no setor de semicondutores. A China está investindo bilhões e bilhões de dólares para internalizar a cadeia produtiva.

Esse cenário de disputa tecnológica pode favorecer a economia brasileira no que se refere à busca de acordos e parcerias de produção e tecnologia, em negociações a serem realizadas tanto com os Estados Unidos como com a China. O Brasil tem um mercado interno relevante e esses países têm interesse em explorá-lo, o que o País pode usar em seu favor para tentar internalizar parte da cadeia produtiva de semicondutores.

A disputa pelo domínio global da produção de semicondutores elevou ainda mais os aportes de capital pelos governos dos Estados Unidos e da China. O presidente Joe Biden inaugurou no mês passado, no Arizona, uma nova fábrica com investimento de 12 bilhões de dólares, que se somam a dezenas de bilhões já direcionados ao setor. A China anunciou há uma semana o investimento de 143 bilhões de dólares nas suas fábricas de chips para enfrentar as restrições crescentes ao acesso dos chineses a produtos e insumos críticos na área de semicondutores disponíveis no mercado internacional.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo