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A furada do Amapá

A Petrobras possui áreas iguais ou melhores que a vetada pelo Ibama para explorar, aponta geólogo

Imagem: iStockphoto
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A área que a Petrobras planeja explorar no Amapá, na margem equatorial do Rio Amazonas, não é boa. A empresa tem áreas melhores no litoral do Nordeste, alerta o geólogo Luciano Seixas Chagas, aposentado da estatal, consultor e sócio-fundador da Quartzo Consultoria em Exploração de Petróleo. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, indeferiu a licença solicitada pela Petrobras para perfuração no bloco FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas, após o oferecimento de “todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos de seu projeto, que ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”. O presidente Lula não descartou a exploração no local, mas apoiou o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente na exigência de maiores estudos por parte da Petrobras, e disse que, se houver risco para o bioma amazônico, não autorizará o projeto.

A ânsia de explorar petróleo no local deve-se, ao que tudo indica, à superprodução do Suriname no curto prazo, que levou a supor a possibilidade de obter resultado semelhante no Amapá. Não é possível saber com certeza sem perfuração de poço, devido às diferenças geo­lógicas entre ambas, explica Chagas, que trabalhou por 31 anos na Petrobras e participou do mapeamento do pré-sal em mais de 50 negócios.

Dúvida. Será que o presidente da estatal, Jean Paul Prates, foi induzido ao erro? – Imagem: Agência Petrobras

O próprio presidente da Petrobras, ­Jean Paul Prates, subentende aceitar como válida a analogia imprópria entre o potencial no Amapá e a superprodução no Suriname, ao dizer que, com o veto do Ibama, a empresa perde “uma chance de ouro”. No sábado 20, em um tom que pode ser interpretado como de ameaça, Prates afirmou que a empresa considera investir na exploração de áreas da margem equatorial que pertencem à Guiana e ao Suriname. A possibilidade de perder investimentos no Amapá mobilizou políticos e contribuiu para a saída do senador Randolfe Rodrigues da Rede, partido ao qual estava filiado desde 2015. Trata-se da mesma legenda da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que na terça-feira 23 reafirmou que o veto do ­Ibama precisa ser respeitado.

“Na margem equatorial, na costa do Amapá, que não é na Foz do Amazonas, não existe óleo descoberto. O ambiente geológico difere do das Guianas e do ­Suriname. O óleo de lá é sísmico e, portanto, virtual, que precisa ser aferido com um poço. Não houve, porém, quaisquer problemas ambientais em mais de cem poços da área”, sublinha Chagas.

Para saber se a região é tão produtiva quanto no Suriname, é preciso perfurar o poço

Na terminologia específica da geologia, a área barrada pelo Ibama situa-se no ­rifte (intervalo entre placas tectônicas) denominado Albiano, localizado em águas ultraprofundas, que vai do Suriname até o litoral Sul da América do Sul. A rocha geradora, complementa Chagas, são folhelhos do cretáceo superior de idade turoniana, em todas as bacias. “Há descobertas nesse tipo de play, ou oportunidade exploratória, no Suriname, em Sergipe, no Espírito Santo e em Campos, iguais ou melhores”, sublinha o consultor. “Na margem leste, entre Sergipe e Espírito Santo, há excelentes oportunidades exploratórias, e o mesmo ocorre na Bahia, nas bacias de Jacuípe, Camamu-Almada, Jequitinhonha e Cumuruxatiba.”

“No Amapá há uma condição geológica diferente do Suriname, mas foram identificadas oportunidades exploratórias. Existem, contudo, oportunidades de exploração iguais ou melhores do que as do Amapá na bacia Pará-Maranhão, cheia de plays mapeados, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, todas em águas ultraprofundas”, reforça o geólogo.

Eleger a margem equatorial em região sensível, inclusive sob o olhar internacional cada vez mais atento em relação à situação da Amazônia, devastada no governo anterior, quando há oportunidades iguais ou melhores em cinco estados nordestinos já é chocante, mas o que dizer de insistir naquela área quando há também, segundo Chagas, descobertas provadas, portanto, com garantia de obtenção de petróleo, que deveriam ser de exploração prioritária para a empresa, no estado de Sergipe? O geólogo acrescenta que a Foz do Amazonas, por ter carga sedimentar grande, não é favorável à ocorrência de petróleo, mas o Amapá tem condições diferentes.

Cautela. Rodrigo Agostinho, o chefe do Ibama, não abre mão do veto ao projeto – Imagem: Luis Macedo/Ag.Câmara

Enquanto a ênfase da Petrobras em relação à discutível “mina de ouro” do Amapá parece pouco alicerçada no seu próprio contexto de possibilidades exploratórias e não conta, segundo o ­Ibama, com estudos técnicos suficientes, outra decisão da companhia, tomada uma semana antes, recebeu apoio generalizado da população. Trata-se da adoção de uma nova política de preços de derivados, que continuará a levar em conta a cotação externa e a variação do dólar, mas, ao contrário do Preço de Paridade de Importação instituído pelo ex-presidente Pedro Parente, no governo Michel Temer, estas variáveis não serão as únicas seguidas, uma vez que a definição dos preços agora terá como principal referência os custos internos de produção.

A queda de preços de derivados após o anúncio da nova política deveu-se, em grande medida, ao declínio da cotação internacional do petróleo, mas isso não impediu que, segundo os jornais, Bolsonaro telefonasse ao ex-ministro da Economia Paulo Guedes cobrando por que não conseguiu resultado igual ao obtido pelo atual governo.

A nova política de preços foi saudada pelo economista André Roncaglia, professor da Unifesp, como uma mudança de governança, com o deslocamento do foco na riqueza de curto prazo do acionista, a conhecida farra dos dividendos, para uma orientação de longo prazo no rumo dos investimentos direcionados ao desenvolvimento do setor, alinhando a empresa às tendências globais. Até o momento, a nova política de preços parece ser a derrota mais expressiva, no País, da diretriz universal dominante nos negócios, de maximização do retorno para os acionistas, de grande importância por se tratar da maior empresa do País, que já representou 20% dos investimentos totais, mas, hoje, devido em parte ao PPI e ao desinvestimento sob Temer e Bolsonaro, perfaz apenas 6%.

A nova política de preços da Petrobras, por outro lado, teve forte apoio popular

“Não fazia sentido utilizar o PPI, que é o preço dos 20% dos combustíveis que são importados, para precificar também os outros 80% que são produzidos no ­País. Custos como seguro, frete, custos de internalização, eram artificialmente computados na totalidade dos combustíveis que chegavam para a gente na bomba de gasolina”, dispara a economista ­Juliane Furno, professora da Uerj.

Para o professor Ildo Sauer, coordenador do Centro de Análise, Planejamento e Desenvolvimento de Recursos Energéticos do Instituto de Energia e Ambiente da USP, a Petrobras fez o que parece estar ao seu alcance para cumprir a promessa do presidente, de abrasileirar os preços. Agora, falta Lula ir ao Congresso e completar a tarefa, iniciando um processo de abrasileiramento da riqueza do petróleo e demais recursos minerais. É preciso, enquanto houver acionistas, buscar um novo equilíbrio entre os seus interesses e os do País. A exuberância com que os acionistas foram aquinhoados poderia ir para saúde, educação e previdência públicas, ciência e tecnologia e investimento em fontes renováveis de energia, ressalta Sauer.

Conclui-se que, em duas semanas, a Petrobras esboçou, parte por iniciativa própria, parte contra a vontade, um novo perfil de empresa no terceiro governo Lula, menos submissa à voracidade da financeirização e mais alinhada à necessidade de sustentabilidade ambiental, mas ainda longe do potencial que começou a ser minado quando, no governo FHC, decidiu-se pelo fim do monopólio da empresa no setor de petróleo e a negociação das suas ações nos EUA.

Os avanços indicam a superação, ao menos em parte, da tentativa, iniciada em 2016, de esfacelamento da maior empresa do Brasil para atrelar de modo integral os seus despojos aos interesses dos acionistas, principalmente estrangeiros, que puderam se deleitar, no ano passado, com a maior distribuição de dividendos feita por uma empresa no planeta. A companhia comete, contudo, o pecado capital de manter ações negociadas em Nova York, o que a submete, em grande medida, a interesses estranhos aos do País, alerta Sauer. •

Publicado na edição n° 1261 de CartaCapital, em 31 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A furada do Amapá’

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