Diversidade

Homofobia em foco no STF: “Gays estão morrendo nas vielas”

Nenhuma lei brasileira usa a expressão de proteção específica para gays, lésbicas e transexuais, ao contrário de outros grupos vulneráveis

(Foto: Agência Senado)
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Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) prossegue com o julgamento que pode criminalizar a homofobia, enquadrando o preconceito na Lei de Racismo, a sociedade duela, quase de forma literal, diante de dias conservadores.

Tanto que, nos movimentos anteriores ao início dos trabalhos no Supremo, houve intensa disputa nos bastidores. A bancada religiosa se encontrou com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e pediu a retirada das ações da pauta. Um dos principais temores dos parlamentares é de que a criminalização interfira na liberdade de pastores pregarem contra a homossexualidade nos templos.

Não foram sozinhos. Maria do Rosário e o deputado federal David Miranda, do Psol, apelaram a Toffoli para que não permita pedidos de vista – estratégia que adiaria o julgamento.

“Ele me pareceu muito sensível à nossa causa e garantiu que o julgamento seria mantido. Não é algo que possamos esperar. Os gays estão morrendo nas vielas, o tempo todo”, conta o congressista.

Homofobia e transfobia são consideradas um agravante de crime de ódio em pelo menos 43 países. Os dados constam do relatório “Homofobia de Estado”, publicado em maio de 2017 pela Ilga (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais).

O tom punitivista do julgamento, levando em conta que se enquadrada na Lei de Racismo o homofóbico pode ser punido com 1 a 5 anos de prisão, preocupa os parlamentares. Miranda prevê a necessidade de uma lei complementar nos moldes da Lei Maria da Penha, pensada para reeducação social.

“O STF serve para dar equilíbrio a esses temas. Sou casado a 14 anos graças à decisão da corte que determinou a união homoafetiva. Foi o primeiro tribunal no mundo a fazer isso, e hoje é uma decisão que virou patrimônio da Unesco. Estamos aqui falando da vida de pessoas e de seus direitos mais básicos.”

Uma decisão determinando que os parlamentares legislem sobre o tema, na prática, não teria a força de obrigar o Congresso a produzir uma lei, por não haver punição caso a decisão seja descumprida. O julgamento, no entanto, pode funcionar como um elemento político de convencimento de deputados e senadores.

O julgamento

Os onze ministros julgam se há omissão do Congresso Nacional ao não legislar sobre a criminalização da homofobia e transfobia, e que os atos de violência e discriminação contra homossexuais e transexuais sejam entendidos como crime de racismo até que o Legislativo decida sobre o tema.

Nenhuma lei brasileira usa a expressão de proteção específica para gays, lésbicas e transexuais, ao contrário de outros grupos vulneráveis, como mulheres, negros e religiosos.

O decano Celso de Mello, relator de ao menos um dos processos, abriu o julgamento determinando que a homofobia e transfobia sejam interpretadas pela Justiça como crime de racismo. Ele afirmou ainda que o Congresso desrespeita a Constituição ao se omitir sobre o tema, acolhendo as duas ações.

“O direito à busca da felicidade se mostra comprometido quando o Estado se submete a correntes majoritárias”, argumentou Celso de Mello, para quem o Supremo deve ter um papel de garantir os direitos de grupos minoritários.

Tratar como crime a violência movida pelo ódio e pelo preconceito contra homossexuais está previsto na Constituição Federal de 1988. Ainda assim, o conservadorismo que permeia o Congresso criou um enorme vazio de leis que deem conta dos direitos fundamentais de gays, lésbicas e transexuais.

Apenas um projeto sobre homofobia chegou a ser votado. Apresentado em 2001 pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT),  foi aprovado na Câmara, e terminou arquivado depois de tramitar por nove anos no Senado, sem nunca ir ao plenário.

Em 2014, a deputada Maria do Rosário (PT) levou uma nova proposta à Câmara, versando sobre os chamados crimes de ódio, e que criminaliza a homofobia nominalmente. O projeto nunca chegou a ser discutido nas comissões especiais, pré-requisito básico para ir à votação. Este ano volta para a pauta.

A resistência à tipificação da violência contra os LGBT é representada essencialmente pelos fundamentalistas religiosos no Congresso. Os congressistas entendem que o tema unifica as igrejas, dando força à bancada que se elege em cima de valores conservadores associados à família.

E não só os legisladores. O presidente Jair Bolsonaro, na falta de uma agenda econômica popular, arrebanhou corações e mentes nas eleições com a agora chamada pauta dos costumes, costurada feita uma colcha de retalhos de conservadorismo e preconceitos do senso comum.

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