Diversidade

Cultura em tempos de cólera: a música dos afetos

O músico e compositor Maurício Pereira fala sobre resistência cultural e a arte dos afetos como ferramenta política

(Foto: Nadja Kouchi)
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“Dores
Na carcaça
Quando se vê tudo isso passa”

Maurício Pereira, músico, 59 anos, ícone da música independente, resiste, segundo o próprio, desde que pisou pela primeira vez em um palco.

Ele explica que resistir culturalmente em tempos de cólera – tema da série produzida por CartaCapital, da qual essa reportagem faz parte -, é resistir ao mercado, para se manter vivo, e resistir à invisibilidade, para manter viva a sua voz.

Para Pereira, especificamente, um músico apegado às canções e que faz uma arte ligada aos afetos para um público que assiste shows sentados, é também resistir a um país que gosta de festa.

“Num mundo como o que o que já tá, de over informação, veloz, se eu chego lá para os meus 40 ou 100 pagantes e consigo tocar em cada um, eu estou fazendo algo muito político. Automaticamente eu estou dizendo para o cara “sinta-se uma pessoa”. Poxa, no século XXI isso é um troço muito político”, acredita.

Como alguém que tem a palavra como ofício, o músico faz a autocrítica sobre viver em um bolha de acesso e de ressonância de informação, e sobre a vaidade, que muitas vezes impede que essas fronteiras sejam cruzadas.

“O Brasil tem 210 milhões de habitantes. O analfabetismo funcional é muito grande, e o acesso a artistas como eu é mínimo. Eu não sei o tamanho do Caetano Veloso em 1968. Ele era grande porque ele ia no Chacrinha. Então, a gente tem que pensar no Chacrinha. Tanto quanto ou mais que no Caetano. A minha sensação, aqui na estrada, de um país muito segmentado de acesso à renda e educação, é que nós, alternativos, fazemos um baita barulho para nós mesmo.”

O Chacrinha da vez 

Em dezembro de 1996, Pereira realizou o primeiro show ao vivo via internet no Brasil, no Centro Cultural São Paulo, com a produção de um jovem chamado João Ramirez, que na época tinha 16 anos.

“O meu Chacrinha em 96 foi esse moleque. Eu queria usar internet e no meu Mac não rolava. Fui atrás desse menino e ele me disse que dava para transmitir show pela internet. Eu perguntei, então, porque que os grandes (músicos) não faziam isso, e ele me disse que era porque eles não sabiam da internet. Eu sabia. O cara armou tudo e agente fez”.

Para cada momento, acredita, há um Chacrinha capaz de permitir ao artista resistir à invisibilidade e dar o seu recado. Para cada show, o músico dedica ao menos doze horas de trabalho de divulgação nas redes sociais.

“Neste mês o meu Chacrinha são as stories do Instagram.”

Leia também: Cultura em tempos de cólera: o cinema negro e feminino no front

Para o alternativo, as gerações criadas na liberdade de expressão terão de aprender, cada vez mais, a ser “manhoso, barroco, a não ser otário.”

“Quando o Brasil era uma ditadura, eu via os artistas jogando capoeira. Você vai tá diante de uma situação, vai dizer, vai atuar, mas não vai ser trouxa de ir reto de peito aberto e desarmado. Você vai jogar capoeira. Vão achar que você tá dançando, mas você tá lutando.”

Confira o vídeo em destaque com um pouco da voz e das ideias de Maurício Pereira.

Cultura em tempos de cólera

Nos primeiros anos da ditadura, diversas instituições desarticuladas pela repressão iniciaram um processo de resistência e oposição ao governo.

A resistência cultural foi uma das formas consagradas de oposição exercidas por intelectuais, artistas, professores e produtores culturais, e produziu por si só um fenômeno político e cultural.

As formas de intervenção social aconteceram, muitas vezes, no terreno das produções culturais, onde os opositores constituíram um espaço de contestação e engajamento.

Logo após as eleições deste ano, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos pregou: “Os movimentos sociais são os territórios físicos, sociais e culturais onde as esquerdas se podem curar tanto do sectarismo como do entreguismo.”

Essa reportagem faz parte da série ‘Cultura em tempos de cólera’, elaborada pela CartaCapital com cineastas, músicos, poetas, produtores culturais sobre os caminhos da cultura e da política em um momento de agonia para a democracia.

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