Diversidade

A LGBTfobia não é piada ou cortina de fumaça. É projeto

O movimento LGBT+ tem denunciado isso desde o primeiro projeto de lei sobre ‘ideologia de gênero’. Os campos progressistas precisam ouvir

Valter Campanato/ Agência Brasil
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Em janeiro de 2019, quando a ministra Damares anunciou que a administração Jair Bolsonaro trazia consigo “uma nova era” de meninas de rosa e meninos de azul, as redes sociais foram inundadas por memes. Páginas e ativistas de esquerda interpretaram a declaração de Damares como uma piada; pessoas publicaram fotos vestindo roupas com o tom contrário ao apregoado por Damares.

Naquele momento, apontei no meu Instagram um certo incômodo com essa reação — que não somente satirizou a fala de Damares, como também deixou de prever os próximos passos da administração Bolsonaro. Para muitas e muitos, aquela declaração representava algo supérfluo, que não merecia tanta atenção por parte da esquerda brasileira — afinal, era só mais uma patacoada do governo.

Algumas semanas depois, em um debate com a comunicadora Débora Baldin sobre ?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> style="font-weight: 400;">ideologia de gênero e transfobia, alertei que o discurso de Damares nos apontava como a transfobia faria parte das políticas formuladas e implementadas dali em diante, envolvendo o próprio presidente, o Ministério da Família e aqueles e aquelas que compartilham do mesmo projeto desumanizador. 

É sabido que o legislativo brasileiro é omisso no que tange às políticas LGBTI+. O que vemos na ALESP e em outras casas legislativas, entretanto, é mais que desinteresse

Infelizmente, não tardou para presenciarmos a LGBTfobia institucional através das ações do Executivo, como Bolsonaro suspendendo um vestibular (de vagas ociosas) para pessoas trans e a tentativa frustrada do governador João ode tirar de circulação apostilas que discutiam identidade de gênero e orientação sexual

Pesquisadores apontam que o momento sociopolítico atual no Brasil tem sido marcado pela fragilidade institucional, tendo como maior exemplo o repúdio e desrespeito da extrema-direita às instituições. Concordo, mas identifico também articulações que desejam institucionalizar o neoconservadorismo no Brasil.

Após me tornar assessora parlamentar da deputada Erica Malunguinho (PSOL) em São Paulo, em várias situações testemunhei discursos transfóbicos de parlamentares. Ouvi pronunciamentos sobre “travestis em banheiros com suas filhas” e reclames de que estariam “transexualizando crianças e adolescentes”

(Foto: Agência Senado)

À luz do pensamento da professora Flávia Biroli, esses discursos recorrem à “ideologia de gênero” com o intuito de reforçar um sentimento de insegurança em certas camadas da sociedade brasileira e, assim, mobilizar bases religiosas contrárias ao avanço de legislações do ponto de vista do gênero e da sexualidade. A Assembleia Legislativa de São Paulo, como maior casa legislativa da América Latina, tem aprovado projetos LGBTfóbicos e inconstitucionais em suas comissões e acatado pedidos de urgência no trâmite desses projetos — ainda que essas propostas nada tenham a ver com a grave crise sanitária e humanitária da pandemia.

É sabido que o legislativo brasileiro é omisso no que tange às políticas LGBTI+ — e foi esse reconhecimento que levou o Supremo Tribunal Federal a criminalizar a LGBTfobia. O que vemos na ALESP e em outras casas legislativas, entretanto, é mais que desinteresse. É uma produção contínua de PLs, emendas, pareceres e outros documentos que ferem os direitos constitucionais e a garantia da dignidade das pessoas LGBTI+, com um foco direcionado às pessoas trans. 

Nas últimas semanas a Campanha #LGBTNãoÉMáInfluência tomou as redes sociais, chamada por Erica Malunguinho frente ao PL 504/2020, de autoria da Deputada Marta Costa (PSD). Marcas, agências de publicidade, movimentos sociais, ativistas e parlamentares de todo o Brasil se posicionaram e o projeto foi derrubado, mas já está sendo replicado na Assembleia Legislativa do Espírito Santo e na do Ceará, o que demonstra a capilaridade a nível nacional dessas proposituras.

 

O movimento LGBT+ tem denunciado a institucionalização da LGBTfobia desde o primeiro projeto de lei sobre “ideologia de gênero”, como parte de uma agenda nacional articulada por atrizes e atores neoconservadores através do Executivo e Legislativo — um tema pouco debatido fora dos nossos coletivos —, levando em consideração um contexto no qual Bolsonaro segue desejando que a “ideologia de gênero” seja proibida por lei

Para que possamos interromper esse processo a nível macro, é preciso ouvir o movimento LGBT+. Não se trata de “pauta de costume” apenas. Também não é piada, e nem cortina de fumaça. Estamos denunciando um projeto de governo, logo, um projeto de País. Os campos progressistas no Brasil precisam exercitar a escuta ativa.

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