Diálogos Capitais

“Acreditamos na democracia, no pluralismo e na limitação do poder”

Governadores destrincham o Consórcio Nordeste no evento Diálogos Capitais, realizado por CartaCapital nesta terça-feira

Governadores em evento 'Diálogos Capitais', em São Paulo. (Foto: Wanezza Soares)
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Governadores do Nordeste se reuniram nesta terça-feira 20, no evento Diálogos Capitais, realizado por CartaCapital, com o objetivo de apresentar o projeto Consórcio Nordeste para investidores. Estiveram presentes os governadores do Ceará, Camilo Santana (PT), do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e do Piauí, Wellington Dias (PT). No Consórcio, estão representados os nove estados da região.

Segundo os gestores estaduais, a ideia é atrair investimentos internos e externos, estabelecer projetos de desenvolvimentos em conjunto e realizar compras para setores públicos em maior escala e a menor preço. Em discurso de abertura, o jornalista Mino Carta, diretor de redação de CartaCapital, exaltou a iniciativa de apostar na união dos estados para explorar as potencialidades de cada local.

“Somos todos paraíbas”, iniciou Mino Carta. “A revista que tenho a honra de dirigir até hoje sempre entendeu que o Nordeste, a partir das eleições, mostrou claramente ser um rincão especial, um lugar muito diferente do resto do país. Um lugar onde existe uma consciência política muito claramente definida e provada pelo próprio resultado eleitoral.”

Após o discurso de Mino Carta, o evento exibiu um vídeo institucional do Consórcio Nordeste, com imagens das expressões culturais, dos pontos turísticos e da infraestrutura tecnológica dos estados da região. Em seguida, a primeira exposição foi do governador do Piauí. Em sua fala, Wellington Dias destacou que o projeto não é novo: a ação conjunta vem desde a criação do Fórum de Governadores do Nordeste, na década passada.

“Não é nova essa ideia. Ainda antes da Lei dos Consórcios, já experimentamos atuar integrados. Nós criamos o primeiro fórum dos governadores do Brasil, de uma região, a partir dele nasceu a ideia de um fórum nacional. O fórum tinha uma lógica do posicionamento político, e vai continuar assim. Mas percebíamos a necessidade de ter um instrumento que pudesse ligar os interesses que são comuns, na relação com o Brasil e com o mundo.”

Diálogos Capitais: Consórcio Nordeste

Acompanhe ao vivo o evento #DiálogosCapitais sobre #ConsorcioNordeste, com os governadores Flavio Dino (MA), Wellington Dias (PI), Camilo Santana (CE) e Fátima Bezerra (RN).

Posted by CartaCapital on Tuesday, August 20, 2019

O governador citou os setores mais promissores dos estados para parcerias com o setor privado. Entre eles, está a indústria de geração e distribuição de energia. Segundo Dias, o Brasil tem em seu planejamento a geração de 50 gigas de energia até 2030, e o Nordeste tem condição de gerar 80% da energia necessária, principalmente eólica e solar. Só o estado do Piauí, diz ele, seria capaz de produzir 20 gigas de energia eólica.

Na área do turismo, Dias defende um plano em que os estados não sejam concorrentes entre si. Para isso, o governador apontou a possíveis medidas no ramo aeroportuário, para melhorar a integração com outras regiões brasileiras e com outros países do Mercosul, da América do Norte, da Europa e da África.

Já no campo da mineração, o petista afirmou que o Nordeste possui grandes reservas, mas é preciso investir na infraestrutura. Para isso, ele diz que é necessário conectar eixos ferroviários, como previsto no projeto da Ferrovia Transnordestina, ainda em obras. Ligar portos também é uma das intenções da coalizão de governadores.

Governador Wellington Dias, do Piauí, fala no evento Consórcio Nordeste. (Foto: Wanezza Soares)

“O que nós queremos é trabalhar com o setor privado no sentido de, de forma moderna, desenvolver essa região. Nós estamos trabalhando com o Ministério da Infraestrutura para examinar o que ele vai tocar, para poder separar o que cada estado vai poder trabalhar individualmente. E temos muitas oportunidades nessa área de parcerias público-privadas”, disse o governador.

Não é separatismo, diz Flávio Dino

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), arrancou risos da plateia ao explicar que não há propósito separatista no Consórcio Nordeste. “Não queremos ser separatistas, até porque seria difícil pactuarmos onde seria a capital. Por razões práticas, não temos essa perspectiva.”

Brincadeiras à parte, o governador fez questão de frisar que não é objetivo do grupo inaugurar uma oposição de governadores ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Segundo Dino, a estratégia é exatamente o contrário: mostrar como é possível fazer política priorizando o diálogo em vez do conflito.

“O consórcio representa esta perspectiva democrática que não significa oposição, significa diferença. Nós acreditamos na democracia, no pluralismo e na limitação do poder, de quem quer que seja”, destacou o governador, alvo de ataques do presidente da República no mês passado, que disse ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que “daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão”.

O aspecto integralista, em vez de separatista, foi o primeiro ponto ressaltado por Dino. O segundo foi sobre a perspectiva “popular”, já que a meta crucial é conciliar o crescimento econômico com o desenvolvimento social na região. Para isso, o governador defendeu parcerias público-privadas, com mediação estratégica do Estado.

“Nós, orgulhosamente, não aderimos aos modismos que acham que o Estado nada tem a dizer na conjuntura brasileira atual. Nós não aderimos à ideia de que o mercado pode tudo e vai resolver tudo. Nós acreditamos que, para que haja um país autenticamente unido, é preciso combater as desigualdades sociais e regionais. E isso só se faz mediante uma perspectiva distributiva, portanto, uma perspectiva popular, em que os Estados procuram cumprir aquilo que socialistas utópicos, portanto, pré-Marx, já diziam que era o papel indissociável dos governos: a urna corrige o mercado”, declarou.

Fátima levanta bandeira da educação

No discurso da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), a educação ganhou especial atenção. A gestora é conhecida por sua árdua defesa ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), criado em 2006 e com expiração prevista para 2020. O fundo é responsável por 63% dos investimentos em educação básica.

Fátima aproveitou para criticar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que nomeou seu assessor, Maurício Vieira, para assumir o comando do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet). A escolha de Weintraub contrariou a escolha da comunidade da instituição.

Governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra. (Foto: Wanezza Soares/CartaCapital)

“Me dói demais, enquanto professora, enquanto militante da luta em defesa da educação que sou há muito tempo, acordar ontem e, de repente, ver lá o ministro da Educação em um ato mais desvairado, mais um, mais destrambelhado, intervindo na soberania popular de um instituto federal de educação e profissional lá do Rio de Janeiro. Acordo hoje com mais uma intervenção. Com mais um ataque à democracia”, disse Fátima.

Para explicar a importância do Consórcio Nordeste, a governadora afirmou que um dos setores mais desafiadores – e que podem ser beneficiados – é o da segurança pública. Com o estabelecimento de compras comuns e planos integrados das polícias, é possível, segundo ela, melhorar índices que já apresentam superação de problemas, mas ainda precisam de estímulos. Ela lembra que o Rio Grande do Norte já liderou o ranking dos estados mais violentos do país, porém, hoje, é um dos quatro que mais reduzem os casos de criminalidade.

Além disso, Fátima diz que encontrou o estado sob “escombros” e que precisa de iniciativas que contribuam para o desenvolvimento econômico do local e para a correção do desequilíbrio fiscal.

“Quando o Rio Grande do Norte decretou calamidade financeira, no mesmo dia, eu liguei para o secretário de Política Econômica, doutor Mansueto de Almeida, e disse a ele: olha, eu estou ligando para o senhor para informar que eu acabo de decretar calamidade pública financeira. E não estou fazendo isso para confrontar com o governo federal. Estou fazendo isso, movida por um senso de responsabilidade enquanto governadora. Não tem outro nome a dar a um estado que eu encontrei em escombros com esse descalabro. A calamidade é um ato de transparência, de chamar a sociedade para discutir conosco”, afirmou.

Consórcio quer dividir experiências de êxito, diz Santana

A situação de intolerância no atual momento político brasileiro foi o primeiro item do discurso do governador do Ceará, Camilo Santana (PT). O governador citou a história de luta de perseguidos políticos durante a ditadura militar, em defesa dos princípios democráticos e dos direitos sociais.

“Tenho preocupação com o momento do Brasil, um momento de muita intolerância, e isso fere uma democracia tão recente como a nossa. Precisamos defender como prioridade a garantia dos direitos democráticos, pelos quais muitos morreram e foram torturados para que a gente pudesse viver hoje um Brasil livre, com liberdade de expressão”, apontou.

O avanço da extrema pobreza, o desemprego e as dificuldades na retomada do crescimento econômico foram fatores elencados por Santana como contributivos para o cenário de urgência no país. Neste sentido, o Consórcio Nordeste, segundo ele, surge como um projeto propositivo para orientar uma região de potencial produtivo e de desenvolvimento social.

“A concretização deste Consórcio é, de uma forma jurídica-legal, poder operacionalizar algumas ações importantes dentro da nossa região. O Brasil é um país extremamente desigual. E o Nordeste é uma região que sempre sofreu com isso. É lá que temos muitas experiências importantes. O primeiro princípio desse consórcio é poder dividir as nossas experiências exitosas”, disse o governador. “O Nordeste hoje tem os melhores resultados da educação pública do Brasil. Os melhores resultados fiscais do Brasil estão no Nordeste. Temos experiências exitosas, segundo o Banco Interamericano, na área da saúde. Somos o grande pólo produtor de energia renovável no país.”

O governador também citou que há a intenção de prospectar investidores em países como França e Alemanha, e exaltou a localização geográfica estratégica da região. “Nós temos portos importantes no Nordeste. Somos o ponto mais próximo da Europa, estamos próximos aos Estados Unidos, da África, com o canal do Panamá, mais próximos da Ásia,” afirmou. “O maior exemplo que o Nordeste pode dar é a defesa de um projeto regional que não está separado do Brasil.”

Senado pode incluir estados e municípios em Previdência

Um dos espectadores da plateia perguntou aos governadores se há previsão de tomarem algum movimento em relação à inclusão dos Estados e municípios na reforma da Previdência, proposta em tramitação no Senado Federal. De acordo com Wellington Dias, há discussões para que os senadores incluam o item no texto, porém, isso poderia desandar os procedimentos.

“A expectativa que a gente tem, estamos trabalhando com os líderes do Senado, é de que o Senado pode realmente repor com a inclusão de Estados e municípios. Qual é o problema? É que essa parte volta para a Câmara, e a Câmara é a mesma. Eu, que convivi lá na Câmara, ela mantém a mesma posição”, informou o governador.

Apesar disso, o gestor do Piauí avalia que a atual proposta de reforma da Previdência é insuficiente para solucionar o desequilíbrio previdenciário no país, e defendeu criação de novas fontes de receita.

“O Brasil foge de uma solução para valer na Previdência. Termina a reforma, da maneira como ela tá conduzida, e no outro dia, doze meses depois, vamos continuar com o déficit nos Estados, municípios e na União. O próximo presidente da República, quando for eleito, vocês vão ver falar de novo de reforma da Previdência. Para ter solução, é necessário que se tenha medidas pensadas para longo prazo, mas tem que cuidar do estoque do passado. Uma coisa positiva dos 27 Estados que conseguimos dessa vez: aceitaram que qualquer nova receita nós aceitaríamos de canalizar para resolver este problema, como de gás e petróleo.”

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