Cultura

Significado ou significante?

Antigo ensaio de Roland Barthes me leva a imaginar que leitura ele faria sobre a espuma destes tempos

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É triste, mas é verdade, e não tenho por que me enganar: já fui bem mais inteligente, bem mais culto e muito mais capaz de entender as coisas difíceis que me ensinavam. Não me atrevo a fazer referência aos mistérios da física, da química e da matemática. Deles, assim que pude, fugi como o diabo o faz da cruz.

Trinta e tantos anos se foram e no fim da semana estava passeando pelos sempre encantadores cantos da Livraria da Vila e dei de cara com um velho companheiro dos tempos em que estudei Letras: Mitologias (Ed. Difel), do semiólogo Roland Barthes. Um livro fascinante no qual ele analisa inúmeras manifestações da cultura dita de massa. Levei-o para casa, posto que o antigo se perdera em alguma de minhas muitas mudanças. Na primeira página, na introdução, minhas sobrancelhas se arquearam. A coisa não fluiu como  acontece quando encaro um Chalita. A conclusão de que só pode haver semiologia se esta se assumir como semioclastia me pegou de jeito.

Parei de ler e pensei: cheguei a estar de acordo com isso. Cheguei a passar rápido por essa página e acho que me lembro de ter pronunciado um “mui blasé”. “É óbvio, Roland!” Fui à procura de outros velhos amigos e de todos tive respostas parecidas: tudo indica que perdemos, no meio da jornada, alguns dos neurônios que eram responsáveis pela compreensão de textos de pensadores/linguistas como Barthes, Jackob­son, Saussure e vários outros. É provável, comecei a pensar, que exista uma leitura menos cruel.

Você acorda, vai para a universidade, ouve pessoas brilhantes, lê textos brilhantes, vai almoçar e durante o almoço repassa o que foi dito durante a manhã. À tarde desenvolvíamos algum trabalho sobre um texto, sobre um filme, sobre uma peça musical.

Mas aí o tempo passou e eu optei por outra carreira. Passava as manhãs discutindo como vender uma linguiça toscana ou um frango resfriado. No almoço, o debate poderia avançar sobre a teo­ria do que vale mais: uma promoção que dê um grande prêmio ou outra que dê milhares de pequenos prêmios. À noite falávamos mal de outros colegas.

Depois de 30 anos nesse enriquecedor debate, não deveria me assustar diante do “branco” que uma frase simples de Roland Barthes me fez sentir.

Não desisti de encarar os ensaios do livro, que, na verdade, passado o primeiro susto, são bem simples. Em um deles, e agora entramos na gastronomia, ele faz uma análise sobre os pratos que a revista francesa Elle apresentava aos leitores. E ele diz que a função da revista é apresentar ao seu público, que é popular, um sonho, “o sonho do chique”. E prossegue: “…daí uma cozinha do revestimento e do álibi, que se esforça sempre por atenuar, ou mesmo mascarar, a natureza primeira dos alimentos, a brutalidade das carnes ou o inesperado dos crustáceos. O prato camponês só é admitido a título excepcional (o bom cozido familiar), como fantasia rural para citadinos esnobes”.

O livro foi publicado em 1957. Nesse período era comum essa cozinha de “revestimento”. Quase tudo era realmente coberto por espessos e aveludados molhos ou mesmo gelatinas. Décadas depois, carnes e crustáceos não mais seriam vistos como “brutais, inesperados”. E também o prato camponês tornou-se muito bem-vindo,  ainda que eu considere muito atual a afirmação de que ele existe como “fantasia rural para citadinos nobres”, o que já comentei bastante neste Refô.

Barthes segue com fúria em sua crítica, afirmando que essa cozinha feérica, termo usado por ele, esconde o verdadeiro problema, que é não conseguir espetar as cerejas na perdiz, mas poder pagar a perdiz. Hoje eu admito que o texto mais me divertiu do que me levou a pensar.

Outros tempos, sem dúvida. Mas ainda assim a alta gastronomia continua a fazer parte de um universo fabulístico para a esmagadora maioria dos habitantes deste planeta. Se vivo estivesse, certamente Roland Barthes faria uma leitura muito interessante sobre as espumas dos novos tempos.

É triste, mas é verdade, e não tenho por que me enganar: já fui bem mais inteligente, bem mais culto e muito mais capaz de entender as coisas difíceis que me ensinavam. Não me atrevo a fazer referência aos mistérios da física, da química e da matemática. Deles, assim que pude, fugi como o diabo o faz da cruz.

Trinta e tantos anos se foram e no fim da semana estava passeando pelos sempre encantadores cantos da Livraria da Vila e dei de cara com um velho companheiro dos tempos em que estudei Letras: Mitologias (Ed. Difel), do semiólogo Roland Barthes. Um livro fascinante no qual ele analisa inúmeras manifestações da cultura dita de massa. Levei-o para casa, posto que o antigo se perdera em alguma de minhas muitas mudanças. Na primeira página, na introdução, minhas sobrancelhas se arquearam. A coisa não fluiu como  acontece quando encaro um Chalita. A conclusão de que só pode haver semiologia se esta se assumir como semioclastia me pegou de jeito.

Parei de ler e pensei: cheguei a estar de acordo com isso. Cheguei a passar rápido por essa página e acho que me lembro de ter pronunciado um “mui blasé”. “É óbvio, Roland!” Fui à procura de outros velhos amigos e de todos tive respostas parecidas: tudo indica que perdemos, no meio da jornada, alguns dos neurônios que eram responsáveis pela compreensão de textos de pensadores/linguistas como Barthes, Jackob­son, Saussure e vários outros. É provável, comecei a pensar, que exista uma leitura menos cruel.

Você acorda, vai para a universidade, ouve pessoas brilhantes, lê textos brilhantes, vai almoçar e durante o almoço repassa o que foi dito durante a manhã. À tarde desenvolvíamos algum trabalho sobre um texto, sobre um filme, sobre uma peça musical.

Mas aí o tempo passou e eu optei por outra carreira. Passava as manhãs discutindo como vender uma linguiça toscana ou um frango resfriado. No almoço, o debate poderia avançar sobre a teo­ria do que vale mais: uma promoção que dê um grande prêmio ou outra que dê milhares de pequenos prêmios. À noite falávamos mal de outros colegas.

Depois de 30 anos nesse enriquecedor debate, não deveria me assustar diante do “branco” que uma frase simples de Roland Barthes me fez sentir.

Não desisti de encarar os ensaios do livro, que, na verdade, passado o primeiro susto, são bem simples. Em um deles, e agora entramos na gastronomia, ele faz uma análise sobre os pratos que a revista francesa Elle apresentava aos leitores. E ele diz que a função da revista é apresentar ao seu público, que é popular, um sonho, “o sonho do chique”. E prossegue: “…daí uma cozinha do revestimento e do álibi, que se esforça sempre por atenuar, ou mesmo mascarar, a natureza primeira dos alimentos, a brutalidade das carnes ou o inesperado dos crustáceos. O prato camponês só é admitido a título excepcional (o bom cozido familiar), como fantasia rural para citadinos esnobes”.

O livro foi publicado em 1957. Nesse período era comum essa cozinha de “revestimento”. Quase tudo era realmente coberto por espessos e aveludados molhos ou mesmo gelatinas. Décadas depois, carnes e crustáceos não mais seriam vistos como “brutais, inesperados”. E também o prato camponês tornou-se muito bem-vindo,  ainda que eu considere muito atual a afirmação de que ele existe como “fantasia rural para citadinos nobres”, o que já comentei bastante neste Refô.

Barthes segue com fúria em sua crítica, afirmando que essa cozinha feérica, termo usado por ele, esconde o verdadeiro problema, que é não conseguir espetar as cerejas na perdiz, mas poder pagar a perdiz. Hoje eu admito que o texto mais me divertiu do que me levou a pensar.

Outros tempos, sem dúvida. Mas ainda assim a alta gastronomia continua a fazer parte de um universo fabulístico para a esmagadora maioria dos habitantes deste planeta. Se vivo estivesse, certamente Roland Barthes faria uma leitura muito interessante sobre as espumas dos novos tempos.

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