Cultura

Rita Lee não foi luxo, nem lixo. Mas sempre será imortal

A roqueira que virou popstar falou de amor e relacionamentos, mas sem perder a ousadia

Rainha do rock brasileiro, Rita Lee morreu em São Paulo, aos 75 anos. Foto: Marco Senche/Wikimedia Commons
Apoie Siga-nos no

Na semana em que o mundo vê um novo rei ser coroado, ele acaba perdendo uma rainha. “São coisas da vida”, cantaria Rita Lee Jones, soberana do rock e do pop brasileiros.

A cantora morreu em sua casa, em São Paulo. Tinha 75 anos e havia sido diagnosticada com câncer de pulmão em 2021.

Rita Lee surgiu numa época em que os roqueiros brasileiros tinham cara de bandido e as roqueiras tinham a cara e a doçura de Celly Campelo – intérprete de sucessos como Estúpido Cupido e Banho de Lua, que largou a carreira de popstar para virar dona de casa.

Filha de descendentes de americanos e italianos, Rita, ainda na infância, teve aulas com a conceituada pianista de música clássica Magda Tagliaferro. Mas eram tempos de rock, comandados então pela Beatlemania.

Rita formou as Teenage Singers no Liceu Pasteur, colégio tradicional de São Paulo. Em 1963, num concurso realizado no Teatro João Caetano, as meninas conheceram os Wooden Faces, cujo baixista atendia pelo nome de Arnaldo Baptista. Da união dessas forças surgiu o grupo Os Seis, que, posteriormente, mudaria seu nome para Os Mutantes – o título saiu de um livro que pertencia ao cantor e apresentador Ronnie Von.

Os Mutantes tiveram seu primeiro grande momento de glória em 1967, quando acompanharam Gilberto Gil na canção Domingo no Parque, que brilhou no Festival da Record. O trio, posteriormente, integraria o movimento tropicalista, liderado por Gil e Caetano Veloso. Rita Lee fazia um contraponto pop e doce às experimentações sonoras dos irmãos Baptista.

Em 1972, a cantora foi mandada embora dos Mutantes porque seu estilo não combinava com a nova sonoridade do grupo, cada vez mais calcada no rock progressivo. Rita formou então o Cilibrinas do Éden, ao lado da guitarrista Lucia Turnbull, que teve curta duração.

O disco Atrás do Porto Tem Uma Cidade, de 1974, marca o início de sua união com o grupo Tutti Frutti. Nesse momento, nascia também a Rita Lee roqueira, uma mistura do rebolado de Mick Jagger e da androginia de David Bowie, que lançou hits como Esse tal de Roque Enrou, Agora Só Falta Você e Ovelha Negra.

O rock, é claro, não era benquisto pelos órgãos da repressão. E ainda mais o rock feito por uma mulher. Em 1977, a cantora foi presa por, supostamente, portar drogas em casa. Estava grávida de Beto Lee e foi saudada pelas presidiárias com os versos de Ovelha Negra, seu principal sucesso.

A união musical e amorosa com Roberto de Carvalho, em 1976, transportou a artista para outro patamar. A roqueira Rita virou a popstar, falando de amor e relacionamentos, mas sem perder a ousadia. Afinal de contas, versos espirituosos como A gente faz o amor por telepatia/ No chão, no mar, na lua, na melodia (Mania de Você), Me deixa de quatro no ato/ Me enche de amor (Lança Perfume) ou Brincar de médico é melhor que boneca (de Tatibitati) estão longe de ser exemplos de bom comportamento.

A dupla Rita Lee & Roberto de Carvalho se tornou uma grife tão poderosa quanto Roberto e Erasmo Carlos ou Michael Sullivan e Paulo Massadas. Musicalmente, os dois nunca se limitaram a um gênero. O som que fizeram foi tão rock quanto pop; tão new wave quanto MPB; tão tropicalista quanto punk. Rita gravou homenagens à bossa nova e aos Beatles e fez parcerias inusitadas com Moacyr Franco e Arnaldo Jabor.

Se, em suas letras, a artista abordou os altos e baixos de sua relação com Roberto, suas entrevistas eram de uma franqueza ímpar. Rita nunca escondeu os problemas que teve com as drogas pesadas e defendeu com voracidade os animais e a liberação da maconha.

As frases enfáticas que disparava entre uma apresentação e outra eram lendárias. “Prefiro o Rio com dengue a São Paulo com Maluf”, bradou certa vez. O câncer no pulmão, diagnosticado em 2021, recebeu o apelido de “Jair”, uma provocação ao então presidente Jair Bolsonaro.

Nos últimos tempos, Rita se dedicou à literatura. Em 2016, lançou sua autobiografia e, nela, ironizou até mesmo como seria sua morte: os fãs empunhariam as capas dos seus discos e entoariam Ovelha Negra e as rádios tocariam suas canções sem apelar para o jabá, aquela gratificação financeira dada pelas gravadoras para inflar este ou aquele artista.

Em março, anunciou que lançaria o livro Outra Autobiografia, uma espécie de apêndice à sua biografia anterior, desta vez falando sobre sua luta contra a doença nos últimos três anos. A obra, que tem capa feita pela própria Rita, terá o lançamento mantido para a data marcada: 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia.

Rita Lee não foi luxo, nem lixo. Mas sempre será imortal.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo