Cultura

Paraty vai virar Patrimônio Mundial da Unesco

A distinção traz muita alegria, mas também multiplica a responsabilidade da preservação da cidade do litoral sul fluminense

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[vc_row][vc_column][vc_column_text]Deve ser confirmado no próximo dia 5, em Baku, no Azerbaijão, o reconhecimento de Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro, como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A decisão será anunciada após reunião com 21 representantes do conselho da Unesco.

Para ser declarada patrimônio da humanidade, Paraty compete apenas consigo mesma, não há adversários. A cidade já havia apresentado três vezes sua candidatura, mas nunca foi aceita. Desta vez, o que mudou foi a abrangência da nova postulação: a cidade inscreveu-se como sítio misto, o que inclui não apenas a riqueza paisagística, mas também humana, os saberes e os fazeres de sua população (há uma profusão de quilombos e aldeias indígenas na região, além de comunidades caiçaras). Se confirmada, Paraty passa a ser o único sítio misto da América Latina com essa denominação – os demais, como Machu Picchu, no Peru, são fundamentalmente sítios arqueológicos e históricos com uma exuberante paisagem natural em volta.

“Os saberes do povo ajudam na preservação. Cultura e biodiversidade se cruzam, interagem e se complementam. Se for confirmado o reconhecimento, não só a especificidade arquitetônica da cidade, mas os saberes e ofícios de sua população serão colocados em evidência”, festeja a secretária de Cultura de Paraty, Cristina Maseda, que irá a Baku para acompanhar o processo. “O reconhecimento fortalece e abre novos caminhos para a preservação”, considera a arquiteta.

Além do sítio misto de Paraty, deve ser confirmada a inclusão de um grande complexo ambiental, expandindo a proteção internacional a uma área de 149 mil hectares. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a demarcação compreende o Centro Histórico de Paraty como circundado por quatro áreas de preservação: o Parque Nacional da Serra da Bocaina, o Parque Estadual da Ilha Grande, a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul e a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu. Desde a Baía de Ilha Grande, são 187 ilhas cobertas de vegetação primária.

Essa orgânica rede de biodiversidade foi estipulada com base em parecer emitido pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), órgãos assessores da Unesco. Os órgãos técnicos de avaliação estiveram em Paraty, em setembro do ano passado, e fizeram um amplo estudo. Em maio, enviaram o parecer técnico favorável ao Iphan. Cenário de inúmeros filmes (como Ele, o Boto, de Walter Lima Jr., e A Bela Palomera, de Ruy Guerra), abrigo de festas religiosas magníficas (Festa do Divino, realizada 40 dias após a Páscoa; da padroeira Nossa Senhora dos Remédios; de Santa Rita; de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito), Paraty já foi considerada, pelo jornal The New York Times, um dos 22 lugares mais bonitos do planeta para se visitar. É atualmente um dos cinco mais visitados destinos turísticos do Brasil, em parte por causa de sua espontânea vocação cultural.

“Foi um caso de sedução instantânea”, lembra o empresário Edgar Radesca, que criou na cidade, há 11 anos, o Bourbon Festival Paraty, um evento que já levou entre 35 a 40 jazzistas, bluesmen e artistas do soul à região para um festival gratuito (que enche as ruas de música e reúne até 30 mil pessoas num fim de semana). A cantora de soul americana Sharon Jones cantou nas ruas de Paraty. “Faça sol ou faça chuva, está sempre lotado”, diz Radesca.

Outra grande parabólica cultural é a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), cuja 17ª edição começa neste dia 10 e vai até 14 de julho. Além de homenagear Euclides da Cunha, o evento trará escritores como a estadunidense Kristen Roupenian (autora do conto Cat Person), a crítica literária Walnice Nogueira Galvão, o angolano Kalaf Epalanga, autor de “Também os Brancos Sabem Dançar” e integrante da banda de kuduro Buraka Som Sistema, e a canadense Sheila Heti, autora do romance “Maternidade” e considerada um dos principais nomes da literatura em língua inglesa contemporânea.

A declaração de Patrimônio Mundial traz para Paraty consequências imediatas (e requer ações imediatas). Por exemplo, o Conjunto Moderno da Pampulha recebeu o reconhecimento da Unesco em 2016. Desde então, recebe cerca de 50 mil visitantes a mais por ano (em 2017, 191,3 mil turistas foram à Pampulha).

O conjunto arquitetônico e paisagístico de Paraty foi tombado pelo Iphan, em 1958. Recebeu o título de Monumento Nacional, em 1966. E um novo tombamento incluiu o entorno do conjunto arquitetônico e paisagístico do município, em 1974. A primeira inscrição a Patrimônio da Humanidade foi em 2009. Paraty chegou até a última etapa da avaliação, mas teve a candidatura rejeitada. Cada país só pode submeter uma candidatura por ano. 

Após nova postulação, a candidatura foi agora confirmada e já teve a análise positiva dos técnicos. A distinção traz muita alegria, mas também multiplica a responsabilidade da preservação. Segundo informou o Iphan a CartaCapital, já está em curso um plano voltado à nova condição de Patrimônio Mundial de Paraty. Entre outras medidas, a Política Nacional de Gestão Turística dos patrimônios mundiais (são 13 cidades no País) prevê o desenvolvimento e a implantação de sinalização turística padronizada, interativa e acessível às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, nos sítios de proteção e seus entornos.

Outra ação a ser desenvolvida neste ano é a implantação de Centros de Interpretação Turística, para atendimento aos turistas e visitantes. Em setembro, informou o instituto, o Brasil enviará uma missão de intercâmbio com gestores, prefeitos e trade turístico brasileiros a Portugal. “O objetivo é conhecer referências em Centros de Interpretação portugueses, a fim trazer modelos para as 13 cidades detentoras de sítios culturais Patrimônio Mundial, no Brasil”, informou a Assessoria de Comunicação do Iphan. Está prevista a criação de linhas de crédito para implantação, melhora, conservação e manutenção de empreendimentos turísticos e sinalização turística, e o Sistema de Certificação de Destinos Patrimoniais, para fomentar o processo de qualificação dos destinos turísticos.

Um torvelinho em meio à exuberância

Paraty, é evidente, não é só exuberância. A cidade vive um torvelinho político neste momento: o prefeito eleito em 2018, Carlos José Gama Miranda, o Casé (MDB) e seu vice, Luciano Vidal, foram cassados por conceder escrituras em período eleitoral. Há uma nova eleição marcada para agosto, mas o novo prefeito só terá pela frente um ano e quatro meses de gestão.

A cidade de Paraty também enfrentou, em momento recente, um processo migratório de violência que trouxe números alarmantes para a chamada Costa Verde, entre Angra e Paraty. Essa onda foi maior em 2016 e 2017, mas se encontra mais controlada agora. A decisão vem num momento importante e tem peso político, pois o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem exibido de forma pública e temerária o desejo de transformar áreas ambientais de Angra dos Reis em uma “Cancún brasileira”. A região que Bolsonaro cobiça é considerada área de amortecimento (responsável por filtrar os impactos negativos das atividades circundantes, como poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana). O atual governo não desfruta do que seria uma boa reputação na área ambiental, e faz questão de que saibam disso.

Atualmente, o Iphan está com uma única intervenção direta na cidade, no restauro da Igreja Matriz de Paraty, do século XVIII. O Largo da Matriz era o centro cívico colonial, concentrando os prédios da administração pública e as igrejas. A arquitetura colonial de Paraty é característica da segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do século XIX. Suas edificações formam uma trama ortogonal e as ruas paralelas à praia têm um formato arqueado,  as construções, alinhadas umas encostadas nas outras, compõem uma massa de edificações compacta que uniformiza os quarteirões e lhes dá um ar de monumentalidade, apesar de ser um complexo urbano reduzido. Com a festa de escunas no porto, o sol de início de inverno e as cores das fachadas, vira um espetáculo daqueles que só o acaso histórico e a boa ventura oferecem ao viajante do mundo. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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