Cultura
Os pintores do desespero
Faz largo tempo, bem mais do que dez anos, assisti a um confronto peculiar e muito interessante entre Francis Bacon e Caravaggio
Faz largo tempo, bem mais do que dez anos, no Palácio das Exposições em Roma, assisti – uso o verbo no passado para expor a minha visão – a um confronto peculiar e muito interessante entre Francis Bacon e Caravaggio. Deste havia duas obras da fase final da sua atribulada trajetória, determinada por um duelo gerado numa quadra de um jogo que precedia o tênis, que os franceses chamavam de geu de paume, ao substituir a raquete com a própria palma da mão. Tratava-se da crucificação e do enterro de uma santa, telas grandes que enobrecem uma igreja de Siracusa, onde ele passou na sua fuga de Roma, condenado pela morte de um potentado romano em um duelo provocado pela discussão sobre o destino da bola em jogo.
O adversário era graúdo e Caravaggio fugiu para abrigar-se, primeiro, em Malta e, depois, no Sul da Itália. O pintor era protegido de altos representantes da Igreja Romana, mas nem por isso ele estava a salvo, donde durante a sua fuga contraiu malária. Já muito doente, tentou ainda voltar para os seus pagos, mas ao cabo alcançou uma praia tirrênica próxima a Roma e ali morreu abandonado por todos. Ainda não completara 40 anos, embora a sua vida estivesse marcada por uma copiosa produção. Colocá-lo ao lado de Francis Bacon é compreensível. Os dois são pintores do desespero, embora de qualidade diferente em ambos os casos.
Mulher observa reproduções digitais das obras de Caravaggio, em 2013
Caravaggio gostava da vida e de vivê-la com intensidade. Em Roma, ele retratou amantes e prostitutas agredidas pela vida. Bacon navega por outra rota. Seu tema é a miséria humana diuturna e inescapável, própria dos lances mais corriqueiros. Ao contrário do seu grande amigo Lucian Freud. Ele é mais feroz ao retratar figuras contraídas pela percepção de uma solidão sem descanso e sem esperança, para repor as dúvidas que tomam as suas entranhas, uma espécie de espanto diante de uma existência tão sofrida.
Seus autorretratos exprimem exatamente este gênero de sentimento e assumem uma natureza deliberadamente terrificantes, para se dizerem vivos e automaticamente arrependidos. Periodicamente, o artista publicava algo similar a um ensaio intitulado A Brutalidade do Fato e tal título já diz tudo. O homem, na visão de Bacon, é a primeira vítima de si mesmo, a pedir vênia por respirar.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.