Cultura

O pior é o melhor

Quando se trata de agradar a um público de paladar duvidoso, não faltam empresas especializadas em alimentos capazes de encher os olhos e arruinar silhuetas

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Comprei um. Depois, comprei outro e mais outro. A embalagem é bonitinha, caprichada e abriga salgados do Oriente Médio como grão-de-bico tostado, sementes de melancia idem.

Todos ruins.

Não é o caso de mencionar a marca porque é bem provável que o problema esteja em meu paladar ocidental. Mas isso me levou a imaginar uma empresa que poderia ter como objetivo produzir alimentos de má qualidade para atender ao crescente público de bocas de cabra.

No mínimo, daria um bom esquete.

Segundona brava, o presidente da firma convoca reunião de emergência e a rádio peão começa a considerar centenas de possibilidades. Descobriram que o Claudio do RH está tendo um caso com a Neide da TI, que está noiva do Armandinho da engenharia de produção. Vai ter corte de pessoal porque a inflação subiu, Lula vai ser investigado, Maduro venceu, Eike tá mals, Thor tá bem tristinho e o Ronaldo vai administrar a carreira do Rubinho. E diante do exposto sempre haverá aquele que dirá: entendi.

O seleto grupo dos que têm algum poder se reúne na sala da presidência, que teve sugestões de decoração do Sig Bergamin. Não deu para pagar o projeto, mas deu para absorver umas dicas – a namorada do presidente é muito ligada em moda, decoração e na RedeTV!

E o clima  é aquele que todo ser primitivo que comanda empresa deseja ao se colocar na frente dos subalternos: medo. Na mesa ele aponta para uma caixa de pizza congelada – esse é o negócio da firma: comida congelada.

O sabor é um dos carros-chefe: Calabretone Extra Cheddar, inspirado no panetone do Junior – linguiça calabresa com toque de frutas cristalizadas coberta com 1 quilo de chedar.

– Tá quentinha. Eu quero que vocês provem.

O pessoal se olha, não sabe muito bem o que fazer até que a Neide do TI, que declarou nos bastidores que não tem nada a temer ou a esconder, apanha o primeiro pedaço. Todos a imitam.


Algumas mordidas e a reação foi unânime: “Que delícia!”

Ao ouvir o elogio o presidente não mede esforços para mandar um murro na mesa e perguntar em voz muito alta:

– E desde quando essa empresa faz alguma comida que preste? Alguém poderia me fazer a gentileza e ler em voz alta a missão de nossa companhia que está localizada no quadro atrás de mim?

O Claudio do RH limpa a garganta e começa:

– Nossa missão: produzir alimentos de má qualidade, mas que encham os olhos e o bucho dos incautos e cada vez mais famintos consumidores a fim de que se tornem obesos.

– Muito bem, interrompe o presidente, o que é que essa pizza com uma calabresa de boa qualidade, sem frutas cristalizadas e com apenas 200 gramas de cheddar está fazendo nos freezers dos supermercados?

Clima péssimo na sala até que um jovem, o Julio, levanta a mão e bastante vermelho, constrangido, confessa:

– Eu achei que assim ficaria melhor.

– Pois, então, olhe esse números.

Dito isso, a sala toda escurece, um telão desce e, com a locução de Cid Moreira, vemos um PowerPoint com gráficos animados: “A QS Alimentos Ltda., que se destaca no mercado brasileiro e internacional de alimentos de má qualidade, viu no último mês uma queda na venda de seu produto premium, a Calabretone Extra Cheddar, da ordem de 180%. Da mesma forma, o SAC da empresa registrou 1.205 reclamações”.

Tela sobe, luz acende. Silêncio total. Todos de cabeça baixa.

– Julio, você pode passar na sala do Claudio do RH. Se tem uma coisa que essa empresa não precisa é gente de bom paladar. Parece que eu ouvi alguém dizer que a pizza estava boa…

Todos ao mesmo tempo falam e conseguimos ouvir algumas frases tipo “imagine! Uma verdadeira porcaria. As frutas cristalizadas são tudo nessa pizza. E sem o mar de cheddar não dá, né?”

– Muito bem. Acho que fui claro e exijo que isso nunca mais se repita.

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