Cultura

Mostra no MoMA resgata interesse por arquitetura latino-americana

Com a exposição “América Latina em Construção 1955-1980”, o Museu de Arte Moderna de Nova York propõe uma redescoberta da arquitetura da região, diz Carlos Eduardo Comas, cocurador da mostra.

Projeto do peruano Miguel Rodrigo Mazuré para hotel em Machu Picchu, de 1969, faz parte da exposição
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Quem estiver ou for a Nova York até o dia 19 de julho poderá visitar uma exposição particularmente importante para o resgate da arquitetura latino-americana da segunda metade do século 20: Latin America in Construction: Architecture 1955–1980 (América Latina em Construção: Arquitetura 1955-1980)no renomado Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

Para a arquitetura, as exposições do museu são antológicas. Foi o MoMA quem mostrou ao mundo o racionalismo do International Style, em 1932, e foi o próprio museu quem também desconstruiu o modernismo com a mostra Arquitetura Desconstructivista, de 1988.

É também ao MoMA que a Arquitetura Moderna Brasileira deve a sua primeira exibição: Brazil Builds(Construção Brasileira), em 1943. E, em 1955, o museu trazia um levantamento inédito do modernismo na América Latina com Arquitetura Latino-Americana desde 1945. Agora, 60 anos mais tarde, o MoMA propõe uma continuação de sua primeira mostra, enfocando o intenso crescimento urbano dos países latino-americanos após a Segunda Guerra Mundial, o que se refletiu num esforço de modernização e até mesmo de construção de cidades inteiras.

Em entrevista à DW Brasil, Carlos Eduardo Comas, professor de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e cocurador da exposição em Nova York, explica que a mostra atual “corresponde ao momento em que o desenvolvimentismo se consagra como política pública na região” e é “uma exposição de arquivo, de curadoria coletiva, que pretende primariamente propor uma redescoberta e/ou revisão.”

Segundo Comas, isso aponta para uma mudança de paradigma frente à produção arquitetônica latino-americana, que angariou pouco reconhecimento mundial na esteira da crise do desenvolvimentismo, a partir de 1980, e do menosprezo da historiografia europeia e americana pela experiência arquitetônica e urbanística modernas na região.

DW Brasil: O que se pode ver no MoMA sobre a arquitetura do período entre 1955-1980 na América Latina?

Carlos Eduardo Comas: Uma arquitetura que responde aos problemas e oportunidades de um processo de desenvolvimento socioeconômico comandado pelo Estado, ao mesmo tempo em que também responde aos problemas e oportunidades de desenvolvimento formal da arquitetura moderna, estabelecida como opção hegemônica e não mais vanguardista. Ela é representada na exposição primariamente com documentos originais do período, complementados por maquetes, fotografias e filmes (usando trechos de filmes do período) especialmente encomendados.

A exposição ocupa 1.200 metros quadrados e conta com cerca de 500 documentos oriundos de 11 países. Dada a qualidade e quantidade das realizações, a exposição não se pretende exaustiva, mas sugestiva. A introdução, que a curadoria chamou de prelúdio, contextualiza a exposição mostrando antecedentes no período 1925-55. No final, uma grande projeção traz fotos atuais veiculadas via Instagram de vários dos edifícios mencionados na exposição, constantemente renovadas.

DW: Por que esse período não vai até a atualidade?

CE: Porque o foco está justamente na questão do desenvolvimento, em várias perspectivas. O ano de 1955 é aquele em que o MoMA fez sua primeira e única exposição sobre arquitetura moderna latino-americana, Latin American Architecture Since 1945, e corresponde, grosso modo, ao momento em que o desenvolvimentismo se consagra como política pública na região, e ao momento em que realizações pregressas de arquitetura moderna, particularmente as brasileiras, começam a ser contestadas pela crítica europeia e norte-americana, em combinação eventual com a crítica local.

Por sua vez, 1980 corresponde, grosso modo, à crise do desenvolvimentismo, e ao momento que ratifica o menosprezo da historiografia europeia e norte-americana pela experiência arquitetônica e urbanística modernas na região.

DW: Que destaque tem a arquitetura brasileira na exposição?

CE: O Brasil está representado por obras marcantes em todo o desenrolar da exposição. No foyer, ao entrar, há uma maquete em bronze do projeto da Cidade Fluvial do Tietê, de Paulo Mendes da Rocha, projeto emblemático de conexão latino-americana.

Na sala do prelúdio, por exemplo, figura a maquete do edifício do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, projeto de 1936 de Lucio Costa e equipe, incluindo Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy – a mesma exibida na exposição Brazil Builds, que o MoMA realizou em 1943, assim como croquis de Oscar Niemeyer para o edifício da ONU em Nova York. Brasília tem espaço exclusivo, incluindo croquis, fotos, maquete e o relatório do Plano Piloto de Lucio Costa.

A grande sala dá posição proeminente a obras como o Masp de Lina Bo Bardi; o MAM-Rio junto ao Parque do Flamengo, de Reidy e Burle Marx, complementado por duas joias do Lúcio Costa: as rampas de acesso à Igreja da Glória e o Monumento a Estácio de Sá; a FAU-USP do Vilanova Artigas; o Ginásio do Paulistano de Paulo Mendes da Rocha, e obras de Lelé na Bahia e Brasília.

A representação na parede dedicada ao quarto de século de projetos de habitação inclui, entre outros, o Cajueiro Seco do Acácio Gil Borsoi, em Recife, e a requalificação da favela de Brás de Pina no Rio de Janeiro, de Carlos Nelson Ferreira dos Santos e equipe.

DW: Qual a diferença da visão sobre a arquitetura latino-americana em 1955, por ocasião da primeira exposição no MoMA, e a atual mostra?

CE: A de 1955 era uma retrospectiva de dez anos que visava um futuro, uma continuação, e tomava a modernização da cidade latino-americana como exemplo, mostrados através de uma compilação de fotos, tiradas em várias viagens do crítico Henry-Russell Hitchcock pela América Latina. A atual é um estudo histórico do período 1955-80, uma exposição de arquivo, de curadoria coletiva, que pretende primariamente propor uma redescoberta e/ou revisão.

DW: A atual exposição mostra uma mudança de paradigma em relação à produção arquitetônica latino-americana?

CE: Sim!

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