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Mais dinheiro, novos desafios

Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, diz que a cultura nunca teve tantos recursos e defende o enlace com a educação

Para Saron, arte e cultura serão fundamentais se o País quiser de fato enfrentar sua dívida social – Imagem: André Seiti/Itaú Cultural
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Ao longo das duas últimas décadas, Eduardo Saron, como diretor do Itaú Cultural, acompanhou de perto o caminhar da cultura brasileira. A instituição é, afinal de contas, um dos grandes patrocinadores do País.

Não por acaso, nos conturbados anos em que o setor se viu ameaçado pelo isolamento social imposto pela pandemia e pelos ataques do governo Bolsonaro a artistas e produtores, o Itaú foi a porta de emergência à qual muitos foram bater.

Em agosto do ano passado, Saron assumiu a presidência da Fundação Itaú, que congrega Itaú Cultural, Itaú Social e Itaú Educação e Trabalho. Pela primeira vez, um gestor com origem na cultura passava a ocupar esse cargo. Ele é ainda conselheiro do Masp, do Museu do Ipiranga e da Fundação Bienal de SP. Na entrevista a seguir, Saron defende o enlace entre cultura e educação como o único caminho possível para a transformação do País.

CartaCapital: Qual é a sua percepção a respeito da cultura no primeiro ano do novo governo, com a recriação do Ministério da Cultura (MinC) e a implantação das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo. O setor voltou a respirar?
Eduardo Saron: O setor cultural deixou aquela situação de necessário enfrentamento e de desilusões e voltou a respirar – ou, melhor dizendo, a respirar plenamente. Mais que isso, teve de aprender a lidar com uma quantidade de recursos muito superior a tempos anteriores. As leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, somadas aos recursos dos estados e municípios e à retomada do entretenimento pós-pandemia, nos colocou numa positiva explosão de eventos. Mas esse volume inédito de recursos também exige um reaprendizado.

A cultura acontece nas cidades. E as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc fortalecem os municípios no diálogo com a cena artística

CC: Este ano foram liberados 3,8 bilhões de reais pela Paulo Gustavo, e a Lei Aldir Blanc 2 prevê a destinação de outros 15 bilhões de reais aos estados e municípios até 2027. Essas leis podem ser consideradas uma política pública sistêmica? Embora elas estabeleçam alguns princípios, muitos editais me pareceram uma simples resposta rápida para a destinação dos recursos.
ES: Eu, primeiro, considero política pública pelo fato de se tratar de leis. As leis ajudam a impulsionar a política pública, dão institucionalidade e oferecem parâmetros. Embora, muitas vezes, seja papel da cultura questionar a institucionalidade, ela é fundamental. No governo passado, a cultura só não ficou com recursos ainda mais escassos por causa da Lei Rouanet.

CC: Os municípios estão preparados para lidar com esses recursos?
ES: A cultura não é feita nem na União nem nos estados. Ela acontece nas cidades. E as duas leis fortalecem os municípios no diálogo com a cena artística, permitindo um aprendizado dos municípios em relação ao fomento à cultura. Isto, para mim, é uma das mudanças mais relevantes que estamos vivenciando. Essas leis fortalecem o Sistema Nacional de Cultura e nos encaminham para algo que o setor sempre desejou, que seria uma espécie de SUS. A cultura, obviamente, não pode ser igual ao SUS por não trabalhar com unificação, mas com multiplicidade, mas é preciso que se inspire nessa institucionalidade, que traz previsão no repasse de recursos, cronograma e frequência.

CC: Como você avalia a gestão da ministra Margareth Menezes?
ES: Foi o ano de reorganizar a casa, viabilizar essas duas leis e aprovar os projetos da Lei Rouanet. Algo que me deixa feliz é que ela trouxe novamente o tema da economia da cultura para o ministério. Mas, a meu ver, se tem uma coisa que este governo precisa fazer é um trabalho intersetorial que permita que educação e cultura aconteçam conjuntamente. Tenho dito que não é cultura e educação; nem educação e cultura. Cultura é educação; e educação é cultura. Esses dois eixos precisam estar mais que nunca entrelaçados. E temos à frente uma oportunidade incrível, porque este ano aprovou-se a escola em tempo integral, que deve possibilitar um encontro com a arte e o esporte – algo a que muitos filhos das classes médias têm acesso, e que precisa chegar aos pobres.

CC: Acho que ninguém em sã consciência é contra esse entrelaçamento. Mas isso não se viabiliza jamais. A luta da cultura é sempre pela própria possibilidade de existir e, de alguma forma, talvez a produção cultural tenha também se apartado da educação, não?
ES: A cultura precisa conectar-se ao contemporâneo e às transformações em curso. O TikTok não se intitula uma rede social, mas um canal de entretenimento que atende ao desejo da juventude de participar, de fazer upload. O mundo cultural precisa conhecer a juventude. Hoje, oferecer programas de formação audiovisual pode ser mais eficaz que oferecer recursos para a produção. Mas cabe também ao Poder Público fazer essa provocação, criar esse deslocamento. Não vi editais que, de forma objetiva, abordassem a cultura a partir da perspectiva da escola integral.

CC: Na Fundação Itaú, você passou a lidar tanto com cultura quanto com educação. Quais são as diferenças que mais chamam sua atenção nos dois campos?
ES: A educação, pela própria natureza, produz mais dados. E quando a gente se depara com esses dados, vê um cenário muito preocupante. A cada cem jovens que conseguiram terminar o Ensino Médio, cinco têm o nível de matemática esperado para a idade. Esta é a média do Brasil inteiro. Quando se coloca uma lupa sobre a mulher, e a mulher negra, a situação é mais grave ainda. A educação brasileira está melhorando, mas a melhoria é lenta e focada em quem tem mais dinheiro. A melhora precisa, portanto, ser mais veloz e contemplar o todo da sociedade. A gente precisa fazer mais, melhor e com criatividade. Caso contrário, vamos nos transformar em um país velho com uma dívida social difícil de ser paga. Porque em 2030, segundo o IBGE, o País terá mais velhos que jovens. Arte, cultura e educação serão, juntas, fundamentais para esse enfrentamento. Temos 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos que não conseguem trabalhar e não conseguem estudar. E uma pesquisa por nós realizada mostrou que 70% dos jovens perdem o primeiro emprego depois de um ano de trabalho. O jovem é contratado pelas competências técnicas e é mandado embora, em grande parte, por não ter habilidades socioemocionais. Ele tem dificuldade para se comunicar, trabalhar de maneira colaborativa e construir novos vínculos. E arte e cultura têm, obviamente, um papel no desenvolvimento dessas habilidades. O governo acaba de lançar um pacto pela inclusão produtiva do jovem, e eu não tenho dúvida de que a sincronicidade entre arte, cultura e educação vale também para essa inclusão. Ou essas duas áreas se dão as mãos ou a gente vai perder de vez o bônus demográfico e aprofundar ainda mais a nossa dívida social. •

Publicado na edição n° 1291 de CartaCapital, em 27 de dezembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Mais dinheiro, novos desafios’

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