Cultura

Entre o som e a imagem: o labirinto emocional de Björk

Exposição no MIS mostra o formidável conceito de fusão entre som, imagem e interação da cantora islandesa

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[vc_row][vc_column][vc_column_text]Quais as consequências de penetrar no coração, na cabeça, na boca, nas vísceras de uma mulher magoada por um homem? A resposta pode estar simplesmente numa canção popular, como Outra Vez, de Isolda, mas a cantora islandesa Björk achou melhor levar essa sensação ainda mais longe na exposição Björk Digital, em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo.

Munida das mais sofisticadas técnicas de realidade virtual em 360º (alimentada com captura de performances, marionetes, moldes e animação), a cantora trouxe ao Brasil o conceito que criou em 2015, ano em que se divorciou dolorosamente do artista plástico americano Matthew Barney e compôs, baseada nessa ruptura, o disco Vulnicura (que, traduzido do latim para o português, quer dizer “cura de feridas”).

O espectador que for ao MIS vai precisar ter concentração, paciência, equilíbrio e, muitas vezes, um providencial comprimido de Dramin: já na entrada, o visitante é advertido de que é uma viagem delicada para quem tem facilidade de ser acometido por náuseas e tonturas. O motivo é a vertiginosa exposição a um bombardeio de imagens e efeitos visuais (especialmente nas instalações Family e Notget).

São seis seções dessa espécie de labirinto emocional que tem a música de Björk como trilha sonora. Cada uma delas corresponde a uma canção do disco (em quatro das quais o visitante perde literalmente o chão). Em Stonemilker, o primeiro compartimento, o espectador está num ambiente plácido. Sentado em um banquinho giratório, com os aparelhos de VR (Virtual Reality) nos olhos e fones de ouvido, ele se vê de repente diante da cantora numa praia deserta, a Praia de Grotta, em Reykjavik, na Islândia, vendo-a cantar intimamente para si, uma isolada testemunha. Às vezes, ela se multiplica, vira muitas e, algumas vezes, parece que ela está tão perto que olha dentro dos olhos da gente, enquanto a paisagem muda lentamente, enchendo-se de rochas escuras ao fundo. Mostre-me respeito emocional, respeito, respeito/ e eu tenho necessidades emocionais/ necessidades/ eu queria sincronizar nossos sentimentos/ nossos sentimentos, ela canta.

Em seguida, um dos 21 monitores da exposição conduz o pequeno grupo de visitantes (14 ou 15 por vez) à outra sala, Black Lake, ainda no primeiro andar do museu. Ali, Björk exacerba não apenas o tom dramático, mas também a sensação de claustrofobia: o espectador se vê dentro de um túnel enquanto ela canta pelas paredes e, de vez em quando, uma lava azul escorre das pedras em dissolução no cenário. “Vulnicura é o primeiro álbum meu que insistiu para que as músicas seguissem uma determinada ordem cronológica”, explica Björk, em texto na entrada da exposição. “Depois que elas foram compostas, ficou claro que eu havia involuntariamente esbarrado na narrativa de uma tragédia grega; a realidade virtual não é apenas uma continuidade natural do videoclipe, mas tem um potencial dramatúrgico ainda mais íntimo, ideal para esta jornada emocional.”

Em Mouth Mantra, Björk arrasta o visitante para dentro de sua boca, às vezes da própria boca do espectador, que a vê cantando de dentro da garganta. Um dos monitores adverte os espectadores que não se fixem demais na figura de Björk cantando, porque há muitos outros elementos em jogo em volta, no céu, no chão.

Notget é a mais interativa das instalações, na qual o espectador ganha um console e atua junto às imagens no vídeo. Ganha “mãos” e pode desenhar no ar, extrair movimentos de sua angustiada partner islandesa virtual, criar pequenos tornados no vácuo. Ali, Björk trata do erotismo, com uma vulva postada como uma chave para um universo de dança e modulações oceânicas. Um avatar da cantora surge agachado, pequeno como ela mesma e, ao longo da coreografia, ela vai crescendo e a sala ficando pequena, a figura feminina engolindo o espectador como se fosse da comissão de frente de uma escola de samba.

Finalmente, o visitante é conduzido para Biophilia, uma grande mesa cheia de tablets com o aplicativo de imagem e som que a cantora Björk Guðmundsdóttir desenvolveu e lançou há cinco anos e se tornou parte integrante do currículo escolar dos países escandinavos. Permite compor a canção sobre uma base preexistente, fazendo do próprio espectador um compositor.

Em seguida, uma grande sala de cinema exibe as dezenas de videoclipes produzidos ao longo de 42 anos de carreira da cantora. São vídeos como Army of Me (dirigido por Michel Gondry), It’s Oh So Quiet (dirigido por Spike Jonze), All is Full of Love (de Chris Cunningham), Venus As a Boy (Sophie Muller) e Alarm Call (Alexander McQueen), entre outros.

Vulnicura pode ser entendido como um melodrama, como alguns definiram, com suas árias de profundo pesar romântico (Nosso amor era meu útero/ mas nosso laço se rompeu/ meu escudo se foi/ minha proteção foi levada/ eu sou uma ferida/ meu corpo pulsante/ em sofrimento, canta Björk em Black Lake). A experiência Björk Digital, entretanto, traz componentes que não pertencem exclusivamente ao território do debate racional, com elementos xamânicos, invocações e antigas medicinas em sua parte ritualística, algo que parece conectar com um mundo não sintético. Isso, não raro, pode ser incômodo para um espectador não habituado à música de grande intensidade de Björk.

E essa música, naquele momento específico da carreira da islandesa, adquiria um contorno de fim de século completamente desesperançado, com a colaboração de dois jovens mestres da eletrônica: o nervosismo sombrio de Haxan Cloak, 27 anos na ocasião (cuja batida está em Family), e o venezuelano prodígio Arca (codinome de Alejandro Ghersi).

Björk Digital, que estreou em Sydney (Austrália) em 2016, já passou por Tóquio, Barcelona, Cidade do México, Moscou, Montreal, Londres e Los Angeles. A exposição brasileira, segundo a reportagem apurou, teve um custo aproximado de 2 milhões de reais. Produzida pelo Manchester International Festival (MIF), a mostra foi uma realização, no Brasil, da Dueto Produções. O diretor do MIS, Cleber Papa, diz que o museu tem realizado 590 eventos por ano, o último a megaexposição Quadrinhos. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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