Cultura

Cantora pauta empoderamento feminino no movimento do brega-funk

Rayssa Dias impõe discurso social em um gênero marcado pela coreografia

Foto: Somdagem/Divulgação
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Quando ela entra no palco, um dos trechos do texto que recita diz: “Esse sistema é só mais um problema pra uma preta que cresceu ouvindo não e quando disse que meu sonho era ser cantora: ‘cuidado para não sonhar tão alto e cair no chão’. Mas eu sou resistência e não desisto fácil não, preta periférica, cantora de brega e sapatão. Essa sou eu: Rayssa Dias.”

A cantora destoa do perfil do movimento surgido na periferia do Recife há cerca de uma década. Criada no bairro de Salgadinho, em Olinda, onde ainda vive com a família, luta pela causa da mulher, de ocupar o espaço dominado pelos homens, especificamente no movimento que faz parte. “Comecei a falar sobre isso pela necessidade mesmo de se ter mulher no brega-funk”.

O brega-funk nasceu da fusão do funk carioca e ganhou cara pernambucana quando encontrou o contexto do brega, explica Felipe Fonseca, 27 anos, produtor do gênero e que trabalha com a cantora Rayssa: “Mais recentemente, entrou o passinho no movimento”.

Felipe ressalta que o funk de galera (ou baile de galera, como era conhecido no Rio de Janeiro nos anos 1990) era presente no Recife e existia muita disputa. “Mas os MCs passaram a apostar mais na música e menos na rivalidade. Fortaleceram o funk trazendo a temática do brega, que sempre foi muito vivo aqui”.

Passinho do brega-funk permitiu o ingresso de um monte de dançarinos no movimento. “A temática do passinho é muito mais sensual”, diz Felipe, que já trabalhou diretamente com a dupla pioneira do brega-funk na capital pernambucana: Shevchenko e Elloco.

Carreira solo

Rayssa Dias conta que resolveu partir para carreira solo aos 20 anos (hoje ela tem 26 anos), quando ainda adolescente presenciou um empresário de uma banda de sete mulheres ameaçar tirar uma delas, justamente a que levou o grupo ao auge, caso ela se achasse a mais importante.

“Caramba, a mulher é descartável depois dela levantar a banda? Daí, eu decidi seguir minha carreira solo, com um olhar mais voltado para as mulheres que estão fazendo esse rolê”.

A cantora começou com o brega-romântico, cujo maior expoente é o falecido Reginaldo Rossi. “Queria mostrar para outras mulheres que era possível fazer algo sozinha”.

Fica na Tua

Vieram as primeiras músicas com grande aceitação. Depois de um show, um homem “deu um tapa na bunda da minha amiga” enquanto se divertia. O sujeito foi expulso da casa.

“Quer dizer que a mulher está dançando e o cara tem direito de fazer o que quiser com ela? Não é assim, não”, comentou na época.

Daí, saiu seu primeiro brega-funk engajado, composto em parceria com a rapper MC Lady Laay, o Fica na Tua, cujo um trecho da letra diz: “Homem escroto não tem perdão / Nem dá tapinha na minha bunda / Quando eu chegar no baile / Sentando e quicando / Tu fica na tua!”.

Com a música, ela diz ter alcançado objetivos não imaginados. “Queria dizer que independente do que a gente esteja fazendo, merecemos respeito”.

Depois disso, passou a levar pautas importantes para seus shows, principalmente na periferia do Recife. Rayssa já participou de vários festivais independentes e lançou alguns singles na internet – e em alguns dias pretende lançar mais um relacionado ao empoderamento. A ligação da cantora com causas sociais vem de adolescente.

Ela trabalha com educação infantil desde os 13 anos na escola da comunidade onde vive. Fez de tudo lá, de auxiliar a professora. Tem habilidade com crianças. Fez curso de educação, de cultura periférica, de atenção à mulher, de direitos humanos. E leciona até hoje.

“Trabalho para que as crianças possam crescer e reescrever a sua história. Isso tem a ver com o meu trabalho como artista”, diz, citando desenvolver também várias iniciativas junto com moradores de Salgadinho.

A cantora Rayssa Dias teve uma vida incômoda. “Quando cresci, queria ser diferente. Vi meus amigos morrerem na minha comunidade porque muitos entram na vida do crime. Meus amigos morreram e eu fui estudar para entender isso tudo. Ninguém sabe o que a gente passa na periferia”.

Preconceito

O produtor Felipe Fonseca destaca o preconceito vivido pelo brega-funk e o passinho, movimento que ele começou a se envolver em 2016. Por alguns momentos, diz que teve que conviver com tentativa de marginalização com o crescimento da expressão criada na periferia.

Ele largou o emprego para se dedicar ao segmento. Pouco antes do carnaval de 2020, abriu sua própria empresa na área depois de atuar numa grande produtora.

“A falta de informação é um dos males de quem atua com brega-funk, que atrapalha bastante a vida dos artistas”, diz se referindo aos perniciosos contratos assinados sem ler suas cláusulas atentamente. Ele dá assistência principalmente nisso.

“Rayssa se destaca por conta de falar de empoderamento de maneira mais forte, além de liberdade do corpo. Ela traz questões sociais. Há uma tendência que isso cresça no brega-funk”, afirma o produtor.

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