Cultura

Após 16 anos fechado, Museu Mariano Procópio reabre repaginado em Juiz de Fora

A reabertura total, capitaneada pela prefeita Margarida Salomão (PT), coincide com os esforços do governo Lula em retomar investimentos na cultura

Vista parcial do conjunto arquitetônico no qual o Museu Mariano Procópio está inserido.
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No auge do século XIX em Juiz de Fora, na zona da mata mineira, o engenheiro Mariano Procópio nutria um desejo: erguer as bases da residência que receberia Dom Pedro II quando a Corte desembarcasse em terras brasileiras para a inauguração da Estrada União e Indústria, em 1861, a primeira rodovia do País.

Seu sonho, porém, não avançou conforme o esperado: o prédio projetado e construído pelo alemão Carlos Augusto Gambs só ficou pronto em 1869, servindo de estada ao monarca somente em sua segunda visita ao município.

Anos depois, o edifício passou a abrigar o segundo maior acervo do Brasil Império em território nacional – cujos itens foram doados por Alfredo Ferreira Lage, filho de Mariano.

No último dia 31 de maio, esta antiga história ganhou um novo capítulo: o Museu Mariano Procópio, que ficou 16 anos fechado para obras de restauro e por dificuldades financeiras, voltou a abrir suas portas em meio às comemorações do aniversário da cidade.

Fundado em 1915 pelo jornalista Alfredo Ferreira Lage, o espaço compreende um conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, o Iphan, que inclui os mais de 53 mil itens colecionados pela família Ferreira Lage e o imenso jardim projetado ao redor do Museu.

Dois edifícios principais revelam os estilos da época: a Villa Ferreira Lage, construída entre 1856 e 1861, e o Prédio Mariano Procópio, inaugurado em 1922. O acervo contém peças utilizadas por influentes personagens da monarquia – trajes da coroação, da maioridade e do casamento de Dom Pedro II –, além de obras de arte nacionais e internacionais.

A Vila Ferreira Lage, construída em 1861 para receber o Imperador Dom Pedro II e a família imperial na primeira visita à cidade de Juiz de Fora – Carlos Mendonça/Prefeitura

São pinturas, esculturas, desenhos, livros raros, documentos, fotografias, cristais e peças de história natural. Uma das telas em exibição, de autoria do pintor carioca Joaquim Rocha Fragoso, ainda preserva a marca do tiro disparado por revoltosos contrários à monarquia durante a Proclamação da República, em 1889.

Durante a visita, a sala de leitura, a sala de chá, o escritório de Mariano Procópio e a sala de música (com um grande piano) transportam o público à intimidade de uma das famílias mais influentes da sociedade mineira. São três andares disponíveis para visitação.

Esta é a sala de jantar onde a família imperial fazia suas refeições junto à família Ferreira Lage — Foto: Carlos Mendonça/Prefeitura de Juiz de Fora

Nos últimos anos, o Museu Mariano Procópio passou por reaberturas graduais. Depois de quase trinta meses fechado por conta da pandemia, voltou a receber visitas no dia 7 de Setembro de 2022 com uma exposição em celebração aos 200 anos da Independência do Brasil.

A reabertura total, capitaneada pela prefeita Margarida Salomão (PT), coincide com os esforços do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em retomar os investimentos na cultura brasileira após quatros anos de bolsonarismo. Nas últimas semanas, o petista anunciou investimento de 3,8 bilhões de reais no setor.

“É importante deixar claro o quão preciosa é esta memória, o quanto é necessário que ela esteja acessível à sociedade em geral”, destaca a CartaCapital. “Nós entendemos que o direito à cultura é primário numa sociedade democrática. Então, você não pode deixar este espaço fechado para visitas de alguns convidados, algumas pessoas privilegiadas. Isso falha com esse princípio”.

Margarida também critica o descaso com os equipamentos de cultura no País durante os últimos anos, a exemplo do Museu Nacional e da Língua Portuguesa, que tentam se reerguer após algumas tormentas.

“O que estamos fazendo aqui é um esforço político, é nadar contra a corrente e entender que este ato possui embocadura política importante para pensarmos as políticas de cultura”, avalia.

Segundo ela, a maior dificuldade para retomar as atividades no Museu foi a construção de “espaços de consensos” em torno da ideia de que o “bem superior” é o acesso à cultura. Agora, prossegue, os desafios que se impõem estão relacionados à “disputa do imaginário local” e consolidar o espaço como um patrimônio do município.

“Nós tivemos, sobretudo, a capacidade de fazer uma grande concertação política [em Juiz de Fora], de tal modo que prevalecesse a percepção de que as disputas locais ou menos relevantes estão subordinadas à política de cultura que entendemos ser essenciais”, pontua.

Esta é a prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT), durante a reabertura do Museu – Carlos Mendonça/Prefeitura de Juiz de Fora

A prefeita ainda disse que pretende transformar o Museu em autarquia municipal, para garantir que os investimentos sejam feitos independente das bandeiras políticas. “Temos como plano para o ano que vem a realização de um concurso para selecionar profissionais que precisamos para o Mapro”, antecipou.

Existe ainda a expectativa de que o acervo seja disponibilizado de forma digital – a ideia, contudo, ainda está sendo elaborada.

Reavaliar o passado

Pela primeira vez na história, a parte subterrânea foi aberta à visitação do público. O local era destinado aos serviçais que preparavam as refeições da família Ferreira Lage – tudo em silêncio, para não incomodar os visitantes na parte de cima. Não se pode cravar, no entanto, que o espaço também abrigou negros escravizados, mas historiadores creem que sim, já que a prática era quase regra no período.

“É um local que nunca foi aberto à população e que é cheio de histórias. Não basta falar que era um local dos serviçais. É preciso que a gente reflita sobre o que aquelas pessoas que ficavam ali no porão construíram para cidade, para sermos hoje quem nós somos”, pontua Giane Elisa, diretora geral da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa).

Em uma das galerias, porém, a equipe do Museu tenta repensar os locais que os negros ocuparam. A exposição ‘Para Além do Suplício’ busca apresentá-los como personagens que também produziram, criaram e desenvolveram técnicas de sobrevivência em meio a um sistema que os dominava.

As peças utilizadas para tortura e castigo físico ainda podem ser vistas pelos visitantes, como as correntes e uma máscara punitiva, mas não são determinantes para entender as suas histórias.

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