Cultura

Ao narrar a própria depressão, Thiago Camelo faz o retrato de uma geração

“São questões pulsantes e manifestas em um país que passou por em anos horríveis de completa miséria afetiva e intelectual”, afirma o autor

Após o suicídio do irmão, Camelo acreditava que daria palestras e participaria de eventos sobre o assunto (Foto: RandomHouse/Divulgação)
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A estreia do jornalista Thiago Camelo no romance é catártica. Dia um (Companhia das Letras, 208 págs., 69,90 reais) começa com o suicídio de um homem, irmão do narrador-protagonista, e, a partir daí, acompanha a família tentando lidar com os outros sentimentos que permeiam essa morte. Trata-se, sobretudo, do retrato de uma geração. 

Em entrevista a CartaCapital, Camelo contou ter tido como ponto de partida dois elementos autobiográfico: o suicídio de seu irmão mais velho e a depressão e a ansiedade com as quais lida, ele próprio, há anos. “Antes mesmo de ter algum tipo de crise, lidei por bastante tempo com a angústia psíquica do meu irmão. Então, a pesquisa foi mais empírica e reflexiva: me permitir relembrar e ressignificar uma porção de acontecimentos da minha vida”.

Narrado na segunda pessoa do singular, o romance causa certo estranhamento de início, quando as frases se dirigem a um certo “você”, embora se refiram ao próprio narrador-personagem.Essa opção, conta o escritor, foi a maneira que encontrou para destravar o livro.

“A voz é usada para descrever alguém muito, muito, muito autoconsciente. Alguém que se enxerga de fora o tempo todo, como um outro de si mesmo. Acho que tem pessoas que são assim. Meu personagem principal, o ‘você’, é assim”, diz. “O ponto de partida do livro, a tragédia, coloca as pessoas dessa forma às vezes. Distantes a ponto de se sentirem de fora. Talvez seja uma defesa.”

Ao lidar com temas complexos como suicídio, depressão e ansiedade, Camelo desmistifica essas questões. “Na faculdade de jornalismo aprendemos que não devemos falar de suicídio, mas, francamente, me parece outro tempo”, pondera. “Mas também não seria sincero dizer que fiz um livro para ajudar alguém que esteja pensando nisso ou que tenha, como eu, muitas limitações emocionais.”

Após a morte do irmão, Camelo acreditava que daria palestras e participaria de eventos sobre o assunto de forma a alertar as pessoas. “Tive vontade de mostrar para possíveis suicidas um vídeo da minha família nos meses seguintes. Depois vi que isso seria idiotice por uma série de razões, a maior delas era não acreditar que isso demoveria alguém de tentar se matar.”

No livro, ele só expõe o que está dentro dele mesmo. Há cenas bastante fortes, especialmente envolvendo os episódios de depressão e ansiedade do protagonista. “Talvez por ser tão familiar para mim o assunto todo, a depressão do meu irmão desde quando eu era adolescente e a minha própria luta contra isso, eu tenha conseguido falar com franqueza e sem estigma”, diz. 

O autor, que também é irmão do músico Marcelo Camelo, define Dia Um como um livro empático, baseado no que ele chama de “a força da força e a realidade da fragilidade.” Composto, especialmente, personagens masculinos, o romance é sobre “homens que sofrem muito”, mas também sobre as mulheres que estão com eles.  

“São questões pulsantes e manifestas em um país que passou por em anos horríveis de completa miséria afetiva e intelectual”, afirma o autor. “É uma história pequena, cheia de tentativas de ensejar clima e atmosfera, provocar alguma sensação que talvez até sirva como refúgio em um mundo tão duro e árido. Mesmo sendo o livro às vezes duro e árido, a literatura permite esses dribles.”

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