CartaCapital
Teria Doria repetido o gesto de Jânio Quadros?
O governador paulista ameaçou desistir da candidatura presidencial


O ninho tucano amanheceu, na quinta-feira 31, repleto de penas. Em uma virada inesperada, típica de novelas mexicanas, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou a desistência da pré-candidatura presidencial. Foi um Dia do Fico amargo para o PSDB. Doria disse pretender concluir o mandato, não concorrer à reeleição e deixar o caminho livre para o vice, Rodrigo Garcia. Ou mais ou menos livre. A decisão instalou o barraco no tríplex do tucanato. Aliados de Garcia afirmam que o recuo de Doria enterra a candidatura, pois tira do vice o protagonismo e a caneta no momento crucial da campanha estadual. Segundo notas na imprensa, os insatisfeitos ameaçam não só abandonar a base na Assembleia Legislativa, mas iniciar um processo de impeachment do governador. Há quem, até o fechamento desta edição, tentasse demovê-lo da ideia.
Teria Doria repetido o gesto de Jânio Quadros à espera dos braços abertos da “massa cheirosa”? O governador paulista tem razões para ressentimento. Apesar de ter vencido as prévias no partido, sua candidatura presidencial é alvo da aristocracia tucana, que nunca viu com bons olhos o novo-rico que cooptou a legenda. Nos últimos dias, a articulação liderada pelo deputado Aécio Neves e o senador Tasso Jereissati relançou a ideia de uma chapa encabeçada por Eduardo Leite, o jovem e nacionalmente desconhecido governador do Rio Grande do Sul. A desculpa é a possibilidade de uma federação partidária ou de uma aliança com o MDB, União Brasil e Cidadania. Em mais de uma ocasião, Doria deu a entender que abriria mão da disputa nacional em prol de outro nome competitivo, mas esse não é o caso de Leite, que chafurda na mesma lama da irrelevância eleitoral do paulista. Se Doria realmente melar o jogo, Bolsonaro agradece.
(Nota da redação: Doria recuou, renunciou ao governo de São Paulo e anunciou que será candidato a presidente).
O cafofo de Silveira
O “combativo” deputado bolsonarista Daniel Silveira decidiu aceitar a tornozeleira eletrônica diante do bloqueio de seus bens determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Depois de ofender o ministro Alexandre de Moraes e se negar a cumprir a ordem, Silveira acampou na Câmara dos Deputados. Um colchão, água e sanduíche de mortadela marcaram o ato de “resistência”. Sorte do parlamentar é que o seu desejo e de outros tantos apoiadores de Bolsonaro não se cumpriu. Caso o Congresso tivesse sido fechado, como prega, não haveria um albergue onde se esconder das garras da Justiça.
Memória/ Elifas Andreato
O criador de algumas das mais belas capas de discos da música brasileira morre aos 76 anos
A imagem estampada em Nervos de Aço (1973), de Paulinho da Viola, causou sensação ao sair. Ao longo de 40 anos de carreira, Andreato criou 362 capas para os mais importantes artistas do País – Imagem: Olga Vlahou e Odeon Records
A música brasileira produzida durante as décadas de 1970 e 1980 teve, para além de suas particularidades musicais e comportamentais, uma forte marca visual. Essa marca coube a Elifas Andreato, criador de nada menos que 362 capas de discos.
Elifas, um dos mais renomados artistas gráficos do País, morreu na terça-feira 29, em decorrência das complicações de um infarto. Nascido na pequena Rolândia (PR), em 1946, Elifas morreu em São Paulo, cidade onde vivia.
Criado em uma família humilde, Andreato aprendeu a ler tarde, mas, desde muito cedo, desenhava. Antes de conseguir um trabalho como ilustrador na Editora Abril, foi operário e, na lida na fábrica, teve início o seu engajamento político contra o regime militar.
Embora a história pessoal do ilustrador seja rica, o que distingue, definitivamente, a sua biografia são as incríveis capas que produzira para alguns dos maiores artistas brasileiros.
Entre eles estão Nervos de Aço (1973), de Paulinho da Viola, Canta Canta, Minha Gente (1974), de Martinho da Vila, Arca de Noé (1980), de Vinicius de Moraes, Ópera do Malandro (1979) e Almanaque (1981), de Chico Buarque, Luz das Estrelas (1984), de Elis Regina e Adoniran Barbosa (1980), que traz um retrato que acabou eternizado como uma das grandes imagens do cantor.
Apesar de ter sido nos anos 1970 e 1980 que Andreato fincou seu nome na história da cultura brasileira, sua presença na iconografia da música prosseguiu até o fim da vida. Em 2017, ele fez a capa de Espiral da Ilusão, do rapper Criolo e, em 2020, de 7 Caminos, álbum do compositor e violonista paulista Emiliano Castro.
Cidadão de bem
A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro abriram investigações contra o vereador carioca Gabriel Monteiro, ex-policial militar que ganhou notoriedade no YouTube ao publicar vídeos de ações da corporação. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, uma ex-funcionária do vereador, três servidores e uma mulher que teve relações sexuais com ele o acusaram de cometer abusos sexuais e morais. A polícia instaurou inquérito para apurar uma denúncia de assédio sexual na Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá, mas não confirmou o nome da vítima. A Promotoria, por sua vez, também abriu inquérito civil para apurar a possível violação de direitos da criança que aparece em uma das gravações do político e que pediu para ele retirar o vídeo do ar. Monteiro nega as acusações e acrescenta que “a suposta estuprada me procurou para ficar comigo após esse suposto ato”.
Peru/ Bomba desarmada
O Congresso rejeita a destituição de Castilho, mas a ameaça golpista persiste
O presidente peruano quer “virar a página“ – Imagem: César Fajardo/Presidência do Perú
O Congresso do Peru rejeitou, na terça-feira 29, o segundo pedido de destituição do presidente Pedro Castilho. A moção de vacância recebeu 55 votos favoráveis, 54 contrários, além de 19 abstenções. Eram necessários 87 votos para a aprovação do mecanismo, uma espécie de impeachment. “Saúdo que a sensatez, a responsabilidade e a democracia tenham prevalecido”, escreveu Castillo no Twitter. “Peço a todos para virar a página.”
A tarefa não é simples. Esta foi a segunda moção de vacância contra Castillo desde que assumiu a Presidência, em julho de 2021, após derrotar Keiko Fujimori. Em dezembro, o Parlamento rejeitou medida similar. No recente processo, a oposição alegou que o presidente está maculado pela suposta corrupção de seu entorno e cometeu “traição à pátria”, por se declarar aberto a um referendo para conceder uma saída ao mar à vizinha Bolívia.
Desde o início do governo, o ex-líder sindicalista sofre o boicote sistemático do Legislativo, de maioria conservadora. Atualmente, cerca de dois terços do eleitorado reprova a sua gestão, mas o Congresso está ainda mais desprestigiado: tem rejeição de 70%, segundo o instituto Ipsos. O uso reiterado da moção de vacância é objeto de reprovação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O dispositivo levou à destituição de Pedro Pablo Kuczynski, em 2018, e de Martín Vizcarra, em 2020.
Crise de ansiedade
A Justiça boliviana adiou novamente o julgamento de Jeanine Áñez pelo golpe de Estado em 2019. Presa desde março de 2021, quando o Ministério Público revelou seu plano de fuga para o Brasil, ela sofreu uma “crise de ansiedade” na prisão de Miraflores, em La Paz, onde acompanhava de forma remota o seu julgamento, na segunda-feira 28. Devido ao colapso de Áñez, a audiência foi suspensa até 4 de abril. Áñez é acusada de sedição, conspiração e terrorismo. Pode ser condenada a 14 anos de reclusão. Segundo a promotoria, o golpe foi tramado com líderes da direita e o alto-comando militar em 10 de novembro de 2019. Na mesma data, o então presidente, Evo Morales, e seu vice, Álvaro García Linera, foram forçados a renunciar. Nos dias que se seguiram, Áñez autoproclamou-se presidente do Senado e, por fim, presidente interina da Bolívia.
Uruguai/ Voto a voto
A vantagem do governo em referendo foi de apenas 20 mil sufrágios
Os uruguaios seguem tão divididos quanto na eleição de Lacalle Pou – Imagem: Pablo Porciuncula/AFP
Em referendo realizado no domingo 27, a população do Uruguai validou um pacote de leis apresentado no início do mandato do presidente Luis Lacalle Pou. A vitória do governo foi apertada. O “sim”, a favor da anulação, alcançou 48,8% dos votos válidos, enquanto o “não” teve 49,9%. A diferença é de pouco mais de 20 mil sufrágios, um sinal do quão dividida permanece a sociedade uruguaia desde a vitória do líder direitista nas eleições de 2019.
Liderados pela Frente Ampla, ativistas e políticos de esquerda coletaram 671,5 mil assinaturas para a convocação do plebiscito, que colocou em votação 135 artigos da chamada Lei de Urgente Consideração. Entre os artigos mais criticados pela oposição figuram a duplicação de penas para crimes cometidos por adolescentes ou por condenados por tráfico de drogas, além da imposição de obstáculos para a progressão de regime dos apenados. O pacote também limita o direito à manifestação e à organização sindical.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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