Carta Explica

assine e leia

Mãe Bernadete/ Quem mandou matar?

A Polícia Civil da Bahia prende três suspeitos, mas mantém o mistério sobre a motivação do bárbaro crime

Mãe Bernadete/ Quem mandou matar?
Mãe Bernadete/ Quem mandou matar?
A ialorixá foi executada a tiros em agosto, após ser feita refém em seu terreiro – Imagem: Rogério Tomaz Jr./CDHM
Apoie Siga-nos no

A Polícia Civil da Bahia anunciou, na segunda-feira 4, a prisão de três suspeitos de envolvimento na morte da ialorixá ­Bernadete Pacífico, líder quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Mãe Bernadete, como era conhecida, foi executada a tiros em 17 de agosto, após ter sido feita refém em seu terreiro. Ela vinha recebendo ameaças de morte há seis anos e, após o assassinato do seu filho Gabriel, foi incluída em um programa de proteção a lideranças ameaçadas.

Um dos suspeitos presos é acusado de ser o executor do homicídio, outro teria guardado as armas usadas no crime e o terceiro estava de posse dos celulares da líder quilombola e de familiares. Um dos criminosos teria revelado a motivação do assassinato, mas a delegada-geral de Polícia Civil, Heloísa Brita, quer confirmar a veracidade do relato antes de apresentar a versão. “Qualquer informação passada agora pode não ser verdade.”

Paralelamente, o Movimento Nacional de Direitos Humanos pediu que o Estado brasileiro reconheça que falhou na proteção da liderança, que denunciava o constante assédio de ruralistas e empresários do ramo imobiliário sobre o quilombo, e indenize a família da vítima. Na representação, o advogado Carlos Nicodemus solicita ainda que a União e o estado da Bahia apresentem um cronograma de ações para reparar os direitos violados e ergam um memorial em homenagem a Mãe Bernadete.

“Fiquem em casa”

Depois de passar meses nas portas dos quartéis implorando para os militares darem um golpe de Estado e impedirem a posse de Lula, os bolsonaristas parecem ressentidos de não ter o apelo atendido, além de encararem sozinhos a responsabilização criminal pela insurreição de 8 de janeiro. Nos dias que antecederam o Dia da Independência, a turma voltou a se mobilizar pelas redes sociais, mas não para prestigiar o tradicional desfile dos militares. Neste 7 de Setembro, a ordem dos “patriotas” é a mesma que eles ignoraram durante a pandemia de Covid-19: “Fiquem em casa”.

Mestre esquecido

Roberto Marcher, virtuose do tênis, foi bater bola no Além

Até o Fininho hoje o ignora- Imagem: Ricardo Moreira/DGW

De hábito, notas publicadas nesta seção não são assinadas. Desta vez há uma exceção necessária, como será provado. Falo de um amigo muito caro que dividiu comigo longos momentos das nossas vidas. Quando o conheci, muitos o chamavam de bruxo, graças às suas virtudes tenísticas. Éramos muito chegados, Roberto ­Marcher, Luis Felipe Tavares e o autor destas mal traçadas. Em um dia remoto, Roberto me disse: “Tenho um espaço na tevê e queria falar de um jovem de talento, chama-se ­Fernando Meligeni. Gostaria que você me entrevistasse para dizer deste rapaz”.

Roberto Marcher, além de ter jogado com vários notáveis do esporte branco, nutria uma grande admiração por Ronald ­Barnes, brasileiro de origem escocesa vencedor do torneio realizado por ocasião das festividades do IV Centenário de São Paulo. Na semana passada, foi jogar tênis em algum ­gramado do Além. Acho que deveria ser lembrado e até hoje não foi. Pelo menos pelo próprio ­Meligeni, também apelidado de “Fininho”. – por Mino Carta

Sem espaço no HD

O Gabinete de Segurança Institucional informou à CPMI do 8 de Janeiro que não tem as imagens dos prédios do Palácio do Alvorada e do Ministério da Defesa nas datas em que o hacker Walter Delgatti Neto diz ter se reunido com o então presidente Jair Bolsonaro e com integrantes da cúpula militar. Segundo o diretor do Departamento de Engenharia do GSI, Odilon Mazzini Jr., “o tempo de retenção das imagens geradas por meio do Sistema de Circuito Fechado de Televisão (CFTV) é de 30 dias”. A limitação de armazenamento dificulta a confirmação do relato de Delgatti, que afirma ter sido convocado para avaliar possíveis vulnerabilidades das urnas eletrônicas.

Memória/ Gregori, Ulysses e as Diretas

Luiz Gonzaga Belluzzo lembra o velho companheiro

Gregori foi um dos escudeiros de Ulysses – Imagem: Rogério Tomaz Jr./CDHM

Em um domingo paulistano, logo após a derrota das eleições diretas, Ulysses reuniu mais uma vez em sua casa os que estiveram com ele no combate persistente contra a ditadura. Meus companheiros de batalhas José Gregori, João Manuel Cardoso de Mello e Luciano Coutinho lá estavam para ouvir as palavras do Senhor Diretas. Ulysses levantou-se e respondeu aos que imaginavam convencê-lo das conveniências da disputa no Colégio Eleitoral. Dentre tantas, guardei as frases que provocaram lágrimas em sua mulher, dona Mora, sentada num sofá mais distante da pequena aglomeração de companheiros de seu marido. “Para o Colégio Eleitoral eu não vou. Seria uma facada nas costas do povo que se mobilizou nas praças e nas ruas para participar dos comícios pelas Diretas Já. Digo a vocês, a conquista da democracia não será completa sem a manifestação da vontade popular.” José Gregori liderou os aplausos para a fala de Ulysses.

Ucrânia/Crise no front

A demissão do ministro da Defesa de Zelensky expõe as falhas da contraofensiva

Reznikov seria um bode expiatório? – Imagem: Sergei Chuzavkov/AFP

Analistas ocidentais dedicaram-se nos últimos dias a buscar uma versão simpática à Ucrânia para explicar a demissão do ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, em meio à conturbada e frustrante contraofensiva. A nomeação de Rustem Umerov, tártaro nascido na Crimeia e muçulmano, segundo esses analistas, seria a demonstração de que o presidente Volodymyr Zelensky levaria a sério a retomada do território ocupado pelos russos. Na versão oficial, a exoneração de Reznikov seria uma tentativa de “acabar com a corrupção” na pasta. Há meses circulam denúncias de superfaturamento e subornos nos escalões inferiores do ministério. O antigo titular não é citado diretamente, mas Kiev o considera leniente com os malfeitos. Reznikov, a esta altura, parece mais um bode expiatório. Por meses, o governo ucraniano e a Otan disseminaram um discurso triunfalista a respeito da reação das forças de Zelensky, mas a realidade no campo de batalha é outra. Os avanços irrisórios das tropas não compensam as pesadas perdas de armamentos e vidas.

Demônios argentinos

Candidata a vice-presidente na chapa de Javier Milei, Victoria Villarruel comandou um evento na segunda-feira 4 em homenagem às vítimas das organizações de esquerda durante a ditadura argentina. É uma tentativa de ressuscitar a teoria dos “dois demônios”, segundo a qual grupos considerados terroristas pelo regime foram tão cruéis quanto os militares no poder. A ditadura argentina durou de 1976 a 1983 e não precisou de mais tempo para se tornar uma das mais sangrentas do período. Calcula-se que mais de 30 mil civis foram “desaparecidos”.

Irã/ Apartheid de gênero

O governo quer aumentar a punição às mulheres sem véu

A opressão só aumenta – Imagem: Arif Ali/AFP

Peritos independentes indicados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU definiram como Apartheid de gênero o projeto apresentado pelo regime iraniano para aumentar a punição a mulheres que desrespeitem as regras sobre o uso do véu. A chamada Lei do Hijab e da Castidade tramita no Parlamento e contém 70 artigos, entre eles a ampliação das multas, restrição de circulação e sentenças de prisão às infratoras e o uso de inteligência artificial para identificar as dissidentes. “As autoridades parecem governar pela discriminação sistêmica com a intenção de reprimir mulheres e jovens até a submissão total”, dizem os peritos em comunicado. “A legislação também viola direitos fundamentais, incluindo o de participação na vida cultural, a liberdade de expressão e de opinião, o direito ao protesto pacífico e o direito de acesso a serviços sociais, educacionais e de saúde.” No dia 16 de setembro, a morte de Mahsa ­Amini, espancada por policiais por deixar uma mecha de cabelo exposta, completa um ano. Estão previstos protestos em várias partes do mundo.

Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 13 de setembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo