CartaCapital
Grande Recife/ Tormenta sem-fim
Com a tragédia, o País soma mais de 400 mortos pelas chuvas em seis meses


Ônibus arrastados por enxurradas, carros engolidos por crateras, casas varridas por tsunamis de lama, bairros inteiros submersos, alguns deles com água a cobrir os telhados. As tempestades que atingem a Região Metropolitana do Recife desde a terça-feira 23 deixaram mais de 120 mortos, desaparecidos e mais de 7,3 mil desabrigados no intervalo de uma semana. Ao menos 24 municípios pernambucanos decretaram situação de emergência.
Na Grande Recife, diversas cidades acumularam quase 500 milímetros de chuva em maio, muito acima da média histórica para o mês na capital, de 317 milímetros, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia. Quase todo esse volume de água caiu, porém, a partir do dia 23, observa o ClimaTempo.
A catástrofe evidencia o despreparo do País para lidar com eventos climáticos extremos, que tendem a se tornar cada vez mais comuns em decorrência do aquecimento global. Em apenas seis meses, mais de 400 brasileiros morreram em decorrência das chuvas que castigaram os estados da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas e Pernambuco. O roteiro é quase sempre idêntico. Diante da tragédia consumada, as autoridades culpam os céus, lamentam pelas vítimas e anunciam ações emergenciais. Nada mais.
“Um país continental tem seus problemas”, justificou Jair Bolsonaro, após sobrevoar as áreas devastadas. O governador Paulo Câmara, por sua vez, liberou 100 milhões de reais para prestar assistência às famílias atingidas. As prefeituras seguem mobilizadas, removendo detritos e amparando os desabrigados. Mas as causas estruturais do problema, como a falta de moradia digna, que obriga tantos cidadãos a ocupar áreas de risco, seguem intactas.
A seguir, um breve exemplo: de 2019 a 2021, o governo federal não investiu um único centavo para construir moradias destinadas a famílias de baixa renda, que ganham até 2 mil reais por mês. Somente em março deste ano, após três anos de paralisia, foram contratadas 2.450 novas unidades habitacionais para essa faixa de renda, que serão entregues a partir de 2023. Um número pífio diante do déficit de 5,8 milhões de moradias, ou mesmo quando se compara com as 553,8 mil unidades entregues pelo extinto Minha Casa Minha Vida em 2013.
O tríplex é de Antônio Tarcísio
Não é mais da OAS e nunca pertenceu a Lula. O famigerado tríplex do Edifício Solaris, no Guarujá, agora é propriedade de Antônio Tarcísio, o vencedor de uma rifa organizada pelo site Pancadão dos Prêmios. O sorteio aconteceu no sábado 28, com transmissão pela internet. Sem provas, mas com convicções de sobra, os procuradores da Lava Jato diziam que o imóvel foi um presente da OAS para Lula, embora o ex-presidente não tenha passado uma única noite no imóvel. Usado pela empreiteira como garantia em uma operação de crédito, o apartamento nem sequer poderia ser vendido antes da quitação da dívida. Sequestrado pela Justiça, o tríplex foi leiloado em 2018. O empresário Flávio Gontijo, vencedor do certame, não tinha, porém, a intenção de ficar com o imóvel. Partiu dele a ideia de organizar a rifa.
Memória/ Fábrica de horrores
Volkswagen é acusada de trabalho escravo no Brasil durante a ditadura
Esses portões guardam segredos tenebrosos – Imagem: Volkswagem do Brasil
Mais uma vez a Volkswagen está às voltas com uma grave denúncia de violação dos direitos humanos durante a ditadura no Brasil. Agora, a montadora alemã é acusada de tráfico de pessoas e de explorar trabalho análogo à escravidão entre 1974 e 1986, quando o grupo investiu em um projeto agropecuário na Amazônia, revelam reportagens do jornal alemão Süddeutsche Zeitung e das emissoras NDR e SWR. Atraída por incentivos fiscais oferecidos pelo regime militar, a Volks pretendia entrar no ramo de carnes com uma fazenda de gado no Pará.
Segundo uma investigação conduzida por um Tribunal do Trabalho de Brasília, os crimes foram cometidos por aliciadores de mão de obra e vigilantes armados. Trabalhadores temporários chegaram a ser espancados e baleados por tentar fugir da empreitada. À mídia alemã um porta-voz da Volkswagen disse que a empresa leva “muito a sério” o caso e está disposta a colaborar com as autoridades brasileiras.
A montadora já enfrentou a Justiça brasileira por cooperar com a ditadura. Em 2020, o grupo concordou em pagar 36,3 milhões de reais para indenizar famílias de ex-funcionários torturados ou mortos no período.
O mais traiçoeiro matador de policiais
O número de policiais civis do estado de São Paulo que cometeram suicídio é duas vezes maior que o total de mortos em serviço nos últimos dez anos, revela o mais recente levantamento do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado. Entre 2012 e março deste ano, 33 agentes morreram em confronto com criminosos, ao passo que 68 tiraram a própria vida dentro do período analisado. O estudo foi feito a partir de dados da Secretaria de Segurança Pública.
“CPI do Sertanejo”/ Tiro pela culatra
Zé Neto mira em Anitta, mas acerta o próprio pé e expõe colegas
Zé Neto repudia a Lei Rouanet, mas não recusa verba de prefeituras – Imagem: Redes sociais
Tudo começou em um show na cidade de Sorriso (MT). Na ocasião, o cantor Zé Neto resolveu promover um ataque infantil à pop star Anitta, fazendo referência à tatuagem íntima dela. “Somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet, o nosso cachê quem paga é o povo, a gente não precisa fazer tatuagem no toba para mostrar se a gente está bem ou não.”
Não tardou para o cantor ser pego na mentira. Primeiro, Anitta jamais recebeu recursos da Lei Rouanet. Segundo, os fãs da artista não tardaram a descobrir os vultosos cachês pagos por prefeituras, com dispensa de licitação, a Zé Neto e outros astros do sertanejo.
De repente, a hashtag “CPI do Sertanejo” entrou nos trending topics do Twitter e despertou a atenção das autoridades. A dupla de Zé Neto recebeu, por exemplo, 550 mil reais por um show realizado na cidade mineira de Extrema. Cachê pago pela prefeitura. Gusttavo Lima também entrou na mira do Ministério Público após a revelação de um contrato de 880 mil reais com a prefeitura de São Luiz, cidadezinha de 8 mil habitantes no interior de Roraima. Com verbas da saúde e da educação, a prefeitura de Conceição do Mato Dentro (MG), iria pagar 1,2 milhão de reais por um show. Cancelou.
Agora, os sertanejos se dizem vítimas de uma caça às bruxas. Ora, e a perseguição aos beneficiários da Rouanet?
Canadá/ Adeus às armas
Trudeau apresenta projeto para congelar venda de revólveres e pistolas
O Brasil prefere, porém, seguir o exemplo dos EUA – Imagem: iStockphoto
Com uma das mais baixas taxas de homicídios por arma de fogo do mundo, o Canadá mais uma vez contrasta com o vizinho EUA, palco de duas chacinas em maio com repercussão internacional. Na segunda-feira 30, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou que o governo canadense apresentará um projeto de lei para o “congelamento nacional” da compra e venda de armas de fogo “curtas” no país. O projeto, que precisará da aprovação do Parlamento, também determina a imediata retirada do porte de arma de acusados por assédio ou violência doméstica.
Trudeau espera ver a nova legislação em vigor ainda este ano. “A matemática é simples: quanto menos armas em nossas comunidades, mais seguros todos estarão”, disse o primeiro-ministro. Já no Brasil, a preocupação do “líder máximo” é armar a população de um país que registrou 50 mil assassinatos por armas de fogo somente no ano passado.
Se vira, Zelensky!
Após levarem o governo de Kiev a esticar ao máximo a corda com a Rússia, os EUA continuam a negar o apoio prometido à Ucrânia para lutar contra o vizinho invasor. Na quarta-feira 1º, Joe Biden negou que enviará ao país europeu o sistema de mísseis de longo alcance – capaz de atingir o território russo – solicitado pelo aliado Volodymyr Zelensky. Em contrapartida, o auxílio financeiro de Washington continua em dia, agora com a “ajuda adicional” de 40 bilhões de dólares aprovada pelo Congresso.
China/ Cutucando o dragão
Após intromissão de Biden, Pequim invade o espaço aéreo de Taiwan
Pequim deixou claro que não aceita a intromissão de Washington na ilha
Cresce a tensão diplomática no Sudeste Asiático. A China confirmou, na quarta-feira 1°, ter invadido o espaço aéreo de Taiwan para um exercício militar com 25 caças e outras aeronaves, além de manter uma “patrulha de prontidão” ao redor da ilha. A operação ocorreu após o governo dos EUA reiterar seu apoio à independência de Taiwan e o presidente Joe Biden prometer apoio militar ao governo taiwanês em caso de ataque chinês.
“Os EUA têm feito movimentos frequentes sobre a questão de Taiwan, dizendo uma coisa e fazendo outra, instigando o apoio às forças de independência de Taiwan, o que levará a província a uma situação perigosa”, afirmou em nota o Exército de Libertação Popular, responsável pelo exercício aéreo. Governada de forma independente desde 1949, Taiwan ainda é considerada uma província rebelde pelo PC chinês, que não admite a intromissão norte-americana.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1211 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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