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Chance de ouro

O hidrogênio verde abre oportunidades únicas para o País e para o desenvolvimento regional

UE. O projeto visa garantir segurança energética para os países europeus ao mesmo tempo que gera empregos e cadeias de valor no Brasil, diz Ursula von der Leyen – Imagem: Complexo de Pecém/IATI/EDP e Mahmoud Khaled/COP28
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Excedente de energia renovável, água em abundância e incentivos fiscais para investidores estrangeiros. É com esse tripé que o estado do Piauí pretende se tornar, nos próximos dez anos, o maior produtor de hidrogênio verde do mundo. O desafio ganhou um apoio de peso em novembro passado, com o anúncio feito pela presidente da União Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, do megaconvênio selado com o governo do estado para a construção de uma usina voltada à produção e exportação do combustível e seus derivados aos países europeus. O anúncio aconteceu em um dos mais importantes eventos do mundo sobre energia limpa, realizado em Bruxelas, onde o governador Rafael Fonteles foi um dos palestrantes. Batizada de Green Energy Park Piauí, a usina será instalada na Zona de Exportação do Parnaíba, com obras previstas para o próximo ano e início da operação em 2026. O investimento de 2 bilhões de euros prevê a geração de 10 GW de hidrogênio verde e amônia.

“O hidrogênio limpo e a amônia serão enviados para a ilha de Krk, na Croácia. A partir daí, viajará para servir a compradores industriais no Sudeste da Europa. Paralelamente, esse projeto criará empregos locais e cadeias de valor no Brasil”, explicou Leyen, durante o evento de Bruxelas. Victor Hugo Saraiva, presidente da Investe Piauí, agência de atração de investimentos responsável pela política de relacionamento com empresários que queiram se instalar no estado, fala com entusiasmo do projeto, ressaltando que a unidade federativa não tem histórico industrial, como outros vizinhos nordestinos, e que a usina de hidrogênio verde vai colocar o Piauí no topo da cadeia industrial da bioeconomia. “O Piauí não está na fase da neoindustrialização, e sim de industrialização. Nós nunca tivemos um ciclo vigoroso e robusto de instalação de manufaturas por aqui”, explica Saraiva.

O presidente da agência assegura que o objetivo não é exportar somente amônia. “Nós teremos plantas industriais de fertilizantes, porque já somos o segundo maior do Nordeste em área plantada de grãos. Vamos também produzir aço verde, pois estamos convictos de que há condições para a instalação de uma siderúrgica, até porque já existe, no município de São João do Piauí, uma mina certificada com 1,2 bilhão de toneladas de minério de ferro. O estado quer produzir tanto para o mercado externo quanto para o interno”, acrescenta Saraiva. A previsão é de que, a partir de 2027, a produção de hidrogênio verde e amônia no Piauí já esteja a todo vapor. Dos 10 gigawatts previstos, 1,6 giga será alcançado em quatro anos, aumentando o volume a cada ano.

A União Europeia confirmou o apoio a uma usina no Piauí, com investimento de 2 bilhões de euros

“Será investido 1,4 bilhão de euros para cada giga, perfazendo um total de 14 bilhões. Outros 28 bilhões de euros serão investidos em projetos de geração solar e eólica. É algo nunca antes visto pelo estado e a previsão é de gerar, a partir do ano que vem, até 2035, mais de 11 mil empregos diretos”, prevê o presidente da Investe Piauí, antes de completar: “Este é o capítulo mais importante na industrialização do estado”. Segundo Saraiva, o Piauí é o estado fora da Amazônia Legal com a maior cobertura de matas nativas preservadas. “Não temos gás nem petróleo, não temos por que falar de transição energética. O estado não tem uma matriz fóssil, sempre teve essa identidade sustentável.”

Assim como o Piauí, o Ceará também está sendo observado de perto por grandes investidores globais. O governo ­Elmano de Freitas fechou um convênio com o Porto de Roterdã, na Holanda, considerado um dos maiores do mundo, para a produção e exportação de hidrogênio verde. Para dar conta da demanda, o complexo de Pecém está ampliando sua área física, que já é grandiosa, com obras de logística e infraestrutura. Além de sediar o porto de Pecém, um dos mais importantes do Nordeste, esse complexo possui uma área industrial, a concentrar algumas das maiores fábricas do Nordeste, e a Zona de Processamento e Exportação. O porto chega a movimentar quase 20 milhões de toneladas por ano.

“Da mesma forma como a gente está promovendo adequações para sermos um hub de hidrogênio verde, o porto de Roterdã está nesse movimento do outro lado. Essa conexão é muito importante e já estamos trabalhando nisso desde 2021, quando foi concebido um grupo interdisciplinar envolvendo o governo do estado, a Federação das Indústrias e as universidades, para estabelecer um conjunto de diretrizes, objetivos comuns, ações coordenadas para viabilizar a implantação do projeto. E isso tem trazido resultados satisfatórios, pois já estamos com mais de 30 memorandos de entendimento assinados com empresas de diversas partes do mundo, com atuações em várias etapas da cadeia produtiva do hidrogênio verde que está em formação”, explica Hugo Figueirêdo, presidente do Complexo do Pecém. Segundo Figueirêdo, a partir 2027 será iniciada a produção em escala industrial para exportação.

Diferentemente do Ceará, que precisará dessalinizar a água para produzir o hidrogênio verde, um gasto extra na operação, o Maranhão aposta no potencial de dispor 12 bacias de água doce que serão aproveitadas para a fabricação do hidrogênio verde. “Vamos fazer o represamento e a regularização do nível dessa água, tanto no período chuvoso quanto no de estiagem, para uso do agronegócio, do setor de energia, da agropecuária e para a produção de hidrogênio verde. Não precisa dessalinizar nem ir ao exterior buscar membranas para tratar a água. Vamos investir menos na produção, porque a água já está aqui, temos em abundância”, destaca Fraga Araújo, superintendente de Energia, Mineração, Petróleo e Gás do Maranhão, acrescentando que vários investidores estrangeiros já estão em contato com o governo estadual.

Espera. Os investidores aguardam o Congresso concluir a votação do marco regulatório das eólicas offshore para dar início aos ambiciosos projetos do setor – Imagem: iStockphoto e APM Terminals/GOVCE

O processo de produção de hidrogênio verde é feito a partir da eletrólise, a quebra da molécula da água com energia elétrica, de alguma fonte renovável. Em média, 70% do custo do hidrogênio verde vem da energia limpa, por isso o Nordeste é a grande promessa na fabricação e exportação do produto, pela sua vocação em energia eólica e solar e no papel que desempenha na transição energética. A expectativa é de que a região seja responsável por ao menos metade do hidrogênio verde gerado no Brasil. Pela previsão do Consórcio Nordeste, serão injetados 80 bilhões de dólares em sete anos nessa produção, podendo gerar mais de 600 mil empregos no período. “Isso aí pode impactar o PIB do Brasil em 2% por ano. Precisamos capacitar mão de obra e temos de envolver as universidades nordestinas nesse programa de desenvolvimento”, diz Giles Carriconde Azevedo, subsecretário do Consórcio Nordeste.

Azevedo critica a demora na implantação de um marco regulatório para a instalação de parques eólicos offshore, em alto-mar, e a produção de hidrogênio. No fim de novembro, a Câmara aprovou um pacote com medidas voltadas para a transição energética que incluíam regras tanto para as eólicas offshore quanto para o combustível verde. A matéria seguiu para apreciação no Senado. “Estamos atrasadíssimos e este é um problema grave, porque ninguém vai investir bilhões de reais nesses projetos, se não tiver um regulamento muito claro, por maior que seja o nosso potencial. O que o Oriente Médio foi para o petróleo, o Nordeste é para a energia eólica e solar, mas outros podem ocupar esse espaço.”

Elbia Gannoum, da ABEEólica, acrescenta: “Quando a gente fala de neoindustrialização, de políticas públicas para a retomada econômica e a reindustrialização, estamos falando de desenhos regulatórios, de desenhos macroeconômicos para atrair investimentos, porque o Estado não tem dinheiro para aplicar diretamente, precisa do investidor privado”.

Em novembro, durante a sexta edição do Brazil Investment Forum, evento organizado pela Apex Brasil, o presidente Lula fez um discurso voltado aos investidores do setor industrial e garantiu que o País está pronto para receber novos negócios: “Vamos garantir estabilidade política, social e jurídica. Vamos garantir para vocês estabilidade fiscal e nós queremos garantir a possibilidade de vocês colocarem a inteligência empresarial para que este País cresça cada vez mais”. Enquanto a legislação federal não sai, vários estados do Nordeste já estão com leis aprovadas ou em tramitação nos Legislativos locais, como Piauí, Maranhão, Rio ­Grande do Norte, Bahia e Paraíba. São projetos que regulamentam o hidrogênio verde, as offshore e a transição energética.

A Holanda firmou um acordo com o governo do Ceará para criar corredor de hidrogênio verde entre os portos de Pecém e Roterdã

Alguns estados nordestinos colocaram as eólicas offshore em segundo plano, alegando que o potencial onshore ainda é grande, e falta muito para ser explorado. Em recente entrevista a ­CartaCapital, Mauricio Tolmasquim, primeiro-diretor de Transição Energética da Petrobras, enfatizou, porém, ser importante desenvolver a produção eólica em alto-mar, apesar de a tecnologia apresentar um custo maior. “Na geração offshore, os ventos são mais fortes e constantes, em comparação com onshore, e isso permite uma produção de energia mais estável. Além disso, a Petrobras tem tradição de atividades no mar e há sinergia em logística, know-how e capacidade humana, o que leva todas as grandes petroleiras do mundo que atuam na onshore para a eólica offshore.”

Segundo Gannoum, o Brasil tem, hoje, 196 GW de energia eólica onshore instalada, mas o potencial é superior a 800 GW. No caso das offshore, a capacidade supera 1.000 gigawatts. “Quando falamos em neoindustrialização, estamos falando de buscar uma inovação que, em linhas gerais, liga pesquisa de novos materiais, integração da TI com o usuário e com o processo fabricante. Nós temos energia barata e temos cultura, os quais podem gerar economia criativa. Basta ter investimento para que surjam ideias, que se pense em produtos e em serviços que estimulem a nossa economia”, avalia Luís Henrique Romani, economista e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Fundaj.

“Nunca antes na história deste País tivemos uma oportunidade tão grande de fazer uma neoindustrialização que venha, de fato, a trazer desenvolvimento econômico e social”, emenda Gannoum. “O Brasil nunca ficou diante desse cavalo selado. Há um alinhamento de planetas perfeito que, provavelmente, só voltará a ocorrer daqui a uns 3 mil anos. Ou o Brasil aproveita a oportunidade e faz isso agora ou ele não fará mais. E o Nordeste tem um papel fundamental neste cenário.” •

Publicado na edição n° 1290 de CartaCapital, em 20 de dezembro de 2023.

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