CartaCapital

Carnaval dialoga com os dilemas políticos e sociais do país

Autoridades satirizadas, censuras denunciadas, crise econômica exposta de forma irreverente: tudo isso acontece no Carnaval do Brasil

O bloco BregsNice desfilou pelas ruas da Vila Madalena na terça-feira de Carnaval
Apoie Siga-nos no

Há quem ache que o Carnaval é apenas uma festa alienada. Quando, entretanto, conhecemos a História do Carnaval brasileiro, percebemos que a realidade é bem diferente da primeira impressão: o Carnaval é uma festa que dialoga com os dilemas políticos e sociais do país, na maioria das vezes de forma crítica.

Um dos carnavais mais emblemáticos do Rio de Janeiro foi o de 1912. O Barão do Rio Branco faleceu em fevereiro. Considerado um herói nacional em virtude de seu papel na demarcação de nossas fronteiras, o Barão foi homenageado de forma inusitada: o governo achou por bem adiar o Carnaval.

A população não deu a menor bola para a proibição da festa. As ruas foram tomadas por foliões que ainda, segundo a imprensa do período, aproveitaram para criticar o governo do Marechal Hermes da Fonseca com uma marcha galhofeira: “O Barão morreu / Teremos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso / Se morresse o marechá”.

Foi no desfile do Salgueiro, em 1960, que muitos brasileiros tomaram conhecimento da luta dos quilombolas pela liberdade. A escola de samba desfilou com um enredo sobre o Quilombo dos Palmares bem antes do tema ter chegado com força aos livros didáticos dos colégios brasileiros.

Leia também: Destaque do Carnaval vai para críticas aos governos

Em 1969, o Império Serrano desfilou, pouco tempo depois do lançamento do AI-5, com o enredo “Heróis da Liberdade”. A escola teve, inclusive, que alterar a letra do samba. Na frase “é a revolução em sua legítima razão”, “revolução” se tornou “evolução” em virtude do autoritarismo do período. Em 1985, a Caprichosos de Pilares ecoou no samba um grito que estava na boca do Brasil: “Diretamente, o povo escolhia o presidente!”.

Exemplos não faltam, tanto no Carnaval de rua como no Carnaval dos desfiles. Autoridades satirizadas, censuras denunciadas, crise econômica exposta de forma irreverente. Tudo isso aconteceu e acontece no Carnaval brasileiro.

É necessário ainda combater certo discurso reacionário que tenta ligar ao Carnaval a uma festa de gente que não quer nada com o trabalho. O Carnaval também é uma festa que gera movimentação importante na economia das cidades. O que dizer dos vendedores ambulantes, funcionários dos barracões de escolas de samba, músicos, cantores, garis, motoristas de ônibus, condutores de trens e metrôs, jornalistas, arrumadeiras e faxineiras de hotéis, garçons, cozinheiros, costureiras de fantasias, motoristas de carros de som, e tantos outros trabalhadores que passam o Carnaval no batente?

Leia também: "Bolsonaro é o próprio túmulo do Carnaval", diz historiador

Concluo mencionando que em 1928, o Conselho Municipal do Rio de Janeiro sugeriu simplesmente que o Carnaval fosse extinto do calendário da cidade. O argumento era o de que a festa era perigosa e criava um clima de descontrole nas ruas tomadas pelo povo. Balela. O que havia era medo e preconceito contra uma festa popular. O caricaturista J. Carlos criticou a proibição em uma charge na revista O Malho que sintetiza de maneira irreverente, em seu curto texto, a potência do Carnaval entre nós: Acabar com o Carnaval? Cuidado, conselheiros… Por muito menos já fizeram a Revolução Francesa.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo