CartaCapital
A Semana: Pilatos chamuscado
PF prende Milton Ribeiro, por quem Bolsonaro colocaria a “cara no fogo”


A Polícia Federal prendeu, na quarta-feira 22, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro no âmbito da investigação sobre o “gabinete paralelo” instalado na pasta, no qual pastores ligados ao governo intermediavam a distribuição de verbas para prefeituras em troca de propina. Investigado por corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, o reverendo presbiteriano teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal. Os pastores-lobistas Arilton Moura e Gilmar Santos também foram alvo de mandados de prisão e de busca e apreensão em vários endereços.
Se até pouco tempo Jair Bolsonaro depositava total confiança no colaborador, a ponto de dizer que colocaria a “cara no fogo” por Ribeiro, agora o ex-capitão lava as mãos para a sua prisão: “Ele que responda pelos atos dele”. Não é a primeira vez que o ex-capitão abandona soldados feridos pela estrada, mas não será tão simples se livrar das chamas. Em áudio revelado pela Folha de S.Paulo em março, o então ministro disse priorizar a liberação de verbas para amigos de Santos por orientação de Bolsonaro. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim.”
(Nota da redação: Na quinta-feira 23, a Justiça mandou soltar o ex-ministro. Já Bolsonaro mudou novamente o discurso ao dizer que, agora, coloca só a mão no fogo por Ribeiro).
Mesmo sem ocupar cargos no governo, Santos e Moura negociavam com gestores municipais a liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, controlado pelo Centrão. Não se tratava, porém, de trabalho voluntário. Para facilitar acesso aos recursos, os pastores lobistas exigiam pagamentos até em barras de ouro. Outra modalidade inventada pela dupla foi a venda casada de bíblias para os municípios. Uma das edições incluía fotos e textos elogiosos à atuação de Ribeiro à frente do Ministério da Educação. Diversos prefeitos relataram os pedidos de propina em audiências do Senado. Embora Pilatos tente sair de fininho do escândalo, há ainda registros de encontros de Santos e Moura no Palácio do Planalto.
O “Pablo Escobar brasileiro” é ex-PM
Procurado pela Interpol e conhecido como o “Pablo Escobar brasileiro”, Sérgio Roberto de Carvalho, ex-major da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, foi preso pela polícia da Hungria na terça-feira 21. Apontado pela polícia portuguesa como um dos mais perigosos traficantes da América do Sul, ele estaria ligado ao fretamento de um avião particular que levou quase 580 quilos de cocaína para a Europa em fevereiro passado. O narcotraficante teria vivido em Portugal por dois anos antes de se mudar para a Hungria, onde foi preso com um passaporte mexicano falsificado.
Obscurantismo/ Dupla violência
Promovida, juíza que barrou aborto a menina vítima de estupro deixa o caso
Zimmer recebeu promoção antes de o caso ser revelado – Imagem: Solon Soares/ALESC
O Conselho Nacional Justiça anunciou, na terça-feira 21, que vai investigar a conduta da juíza catarinense Joana Ribeiro Zimmer, acusada de encaminhar uma criança de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, a um abrigo para evitar que ela fizesse um aborto legal. A menina foi mantida no local por mais de um mês, sob justificativa de proteção do agressor. Em um despacho, Zimmer manifestou, porém, a preocupação de “algum procedimento para operar a morte do bebê”. A investigação de Infração Disciplinar será realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça
Ao descobrir a gravidez, a mãe da criança procurou o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina, para fazer o aborto, prática negada pela unidade, que só realiza o procedimento até a 20ª semana de gestação. À época, a garota estava com 22 semanas de gravidez, o que levou o caso ao Judiciário. Atualmente, a criança se encontra na 29ª semana de gravidez.
Titular da Vara Cível da comarca de Tijucas, especializada no tema de infância e adoção, a juíza não atuará mais no caso. Não se trata de uma punição. Antes do caso ser revelado pelo portal Catarinas e pelo site The Intercept Brasil, a magistrada foi promovida e transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí. A Justiça finalmente determinou que a garota volte a morar com a mãe, mas o dano é irreparável. A criança está com quase seis meses de gestação e o aborto, a esta altura, traz riscos à sua vida. A menina pode ser forçada a dar à luz ao filho do seu estuprador.
(Nota da redação: O Ministério Público Federal informou nesta quinta-feira 23 que a menina conseguiu fazer o aborto)
Marajás de toga
Embora o teto da administração pública esteja fixado em 39,2 mil reais, valor do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, mais de 350 juízes receberam mais de 100 mil reais em ao menos um mês de 2022, revelam dados do Conselho Nacional de Justiça. O número de magistrados com vencimentos acima do limite legal pode ser, porém, bem superior, uma vez que nem todos os tribunais compartilham as informações com o CNJ. Apesar de imoral, a prática não é ilegal, uma vez que uma série de benefícios e gratificações não são considerados no cálculo do teto. É o caso, por exemplo, de rendimentos relacionados a férias, acúmulo de cargos ou os jetons, espécie de bonificação extra por participação em conselhos.
Equador/ Gasolina na fogueira
O governo amplia estado de exceção para deter protestos de indígenas
Imagem: Rodrigo Buendia/AFP
Em reação aos protestos de indígenas contra a alta no preço dos combustíveis, o presidente conservador Guillermo Lasso ampliou o estado de exceção de três para seis províncias do Equador. “A ação de pessoas exaltadas que impedem a livre circulação da maioria dos equatorianos ameaça a democracia”, discursou, na terça-feira 21, o ministro da Defesa, Luis Lara, ao lado dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
As marchas e bloqueios de estrada são puxados pela Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), que também liderou os protestos que levaram à queda de três presidentes entre 1997 e 2005. Agora, os atos mantêm a capital Quito sitiada e avançam com celeridade pelo país.
O preço do galão do diesel no país subiu 90% em um ano, chegando a 1,90 dólar (9,75 reais). A gasolina aumentou 46% no mesmo período, atingindo 2,55 dólares (13 reais). Desde outubro, os valores estão congelados por pressão popular, mas a Conaie reivindica uma redução. Em outubro de 2019, a entidade também puxou protestos contra o governo que duraram quase duas semanas. Os confrontos entre manifestantes e forças de segurança deixaram saldo de 11 mortos e mais de mil feridos.
Veneno à mesa
A Suprema Corte dos EUA rejeitou, na terça-feira 21, o recurso da Monsanto, do grupo alemão Bayer, para encerrar milhares de processos indenizatórios relacionados aos dados causados à saúde pelo herbicida Roundup. O produto é feito à base de glifosato, o agrotóxico mais vendido no mundo e no Brasil. O grupo terá de pagar 25 milhões de dólares para Edwin Hardeman, morador da Califórnia acometido por um câncer após usar o produto por décadas para tratar carvalho venenoso. A Bayer é alvo de mais de 30 mil processos semelhantes e informou ter reservado 4,5 bilhões de dólares para enfrentar as batalhas judiciais. Detalhe: em 2019, a Anvisa retirou o glifosato na lista de substâncias consideradas extremamente tóxicas por pressão do governo de Jair Bolsonaro.
Israel/ Coalizão de papel
A aliança que retirou Netanyahu do poder durou apenas um ano
Bennett e Lapid não resistiram à sucessão de crises do governo – Imagem: Gil Cohen-Magen/AFP
Apenas um ano após a formação da ampla coalizão que retirou Benjamin Netanyahu do poder, o governo de Israel, liderado pelo primeiro-ministro Naftali Bennett, anunciou na segunda-feira 20 que pretende dissolver o Parlamento israelense. Bennett e seu parceiro de governo, Yair Lapid, atual ministro das Relações Exteriores, devem colocar em votação na próxima semana uma lei para antecipar as eleições.
Lapid assumirá a chefia interina do governo e a nova eleição, a quinta em três anos e meio, deve ocorrer em outubro. Com o objetivo de pôr fim a 12 anos consecutivos do governo Netanyahu, Bennett e Lapid formaram, em junho de 2021, a coalizão mais diversa da história de Israel, composta por oito partidos de todo o espectro político, da direita ultranacionalista à esquerda pacifista, incluindo um partido árabe.
Uma sucessão de crises abalou, porém, o projeto. Em abril, o governo perdeu sua pequena maioria de 61 dos 120 assentos do Parlamento, após a deserção de Idit Silman, deputada pelo mesmo partido de Bennett. Após confrontos entre palestinos e israelenses na Esplanada das Mesquitas, o partido árabe Ra’am também ameaçou se retirar da coalizão após a forte repressão aos manifestantes palestinos.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1214 DE CARTACAPITAL, EM 29 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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