Zumbido – Justiça antirracista

Ouça a voz de juízas, juízes, defensoras e defensores públicos negros de todo o País

Zumbido – Justiça antirracista

Uma vida marcada pela morte: a tragédia anunciada do povo Yanomami

A conquista colonial desse continente é uma história de violência aos povos indígenas

Foto: Terra Indígena Yanomami/Leonardo Prado/PG/FotosPúblicas/2015
Apoie Siga-nos no

Nos últimos dias a sociedade brasileira tem acompanhado a emergência de saúde enfrentada pelos yanomamis, as coberturas jornalísticas denunciam aquilo que os povos indígenas e suas organizações, já denunciavam desde 2020.

O que a opinião pública perscruta atônita é consequência de uma anti-política indigenista cunhada em especial pelo governo Bolsonaro, mas que tem em sua gênese práticas cotidianas de um país que não enfrentou as heranças do colonialismo; por mais que tenham vendido a nós a ideia de que somos um país soberano e independente, ainda convivemos com hábitos escravocratas e políticas de morte dos povos originários desta terra.

Durante esses dias, acompanhando o noticiário me questionava porque apenas agora existe essa comoção nacional sobre o caso Yanonami. Por quais motivos a opinião pública e a grande imprensa, não pautou a invasão garimpeira, quando os próprios indígenas clamavam por socorro?

Sem sombra de dúvidas, a mudança de governo e as medidas de enfrentamento provavelmente contribuíram para que a palavra genocídio começasse a circular na imprensa, na comunidade jurídica, até tornar-se pauta da opinião pública brasileira, mas serei incisivo: porque quando nós indígenas denunciávamos a tentativa de extermínio do povo Yanomami não tínhamos a devida atenção?

Talvez essa pergunta seja retórica, então diante disso provoco os leitores a visitar um livro intitulado: pode o subalterno falar? Com intuito de manter o foco no genocídio indígena, não adentrarei nas reflexões do livro de Gayatri Spivak, todavia a obra literária é uma importante chave de leitura para entendermos quais são os discursos e sujeitos que são prioridades para o Estado nação.

Isso posto, resta claro que os povos indígenas nunca foram prioridade em nenhum governo no Brasil. Desde a invasão nós sempre fomos o outro, o selvagem, o objeto, aqueles que precisam ser catequisados – o etnocídio disfarçado da graça cristã.

A conquista do “Novo Mundo” carrega consigo suas contradições e a vida dos povos indígenas brasileiros é marcada pelo genocídio que perdura até os dias atuais.

A vida marcada pela morte é a tradução desse processo histórico que insiste em integrar os povos indígenas a sociedade nacional, por meio de políticas de Estado que visam o etnocídio das populações tradicionais.

Existem documentos históricos que comprovam as práticas de extrema violência por parte do Estado brasileiro ao longo de sua formação, como, por exemplo, o Relatório Figueiredo, no qual são relatadas as diversas violações contra povos indígenas brasileiros cometidas por agentes estatais em cumplicidade com forças policiais e fazendeiros, sob a administração do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), responsável por processos continuados de etnocídio e genocídio dos povos indígenas.

Isso posto, verifica-se que o modus operandi da política indigenista brasileira tem como premissa a segregação dos direitos territoriais e sociais dos povos indígenas, sendo que tal violação tende a acirrar ou diminuir conforme o governo. Diversas instituições de Estado contribuem para que a sociedade brasileira permaneça com um imaginário coletivo extremamente deturpado sobre os povos indígenas.

Tal fato pode ser constatado por meio da fala do Governador de Roimaira, que, em meio a crise de saúde do povo Yanomami, disparou: “Eles [indígenas] têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho.”

O avanço da extrema direita no Brasil representa uma flagrante ameaça aos povos indígenas, pois esse grupo político possui relações estreitas com o agronegócio brasileiro. Não é à toa que, durante o governo Bolsonaro, a escolhida para chefiar o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil foi a ruralista Teresa Cristina, que possui conflitos com o povo Terena no Mato Grosso do Sul.

O legado da ex-ministra, agora eleita senadora é a liberação de quantitativo tenebroso de agrotóxicos proibidos em boa parte da Europa, que tem sido utilizado como arma química para atacar comunidades indígenas em Dourados no Mato Grosso do Sul.

Nessa toada, a tragédia Yanomami é consequência de um reiterado conjunto de ações e omissões que contribuíram para que os indígenas tivessem seus direitos à vida, saúde, alimentação e dignidade humana vilipendiados; o próprio decano do Supremo Tribunal Federal Ministro Gilmar Mendes disse em seu twitter “A inaceitável situação de penúria dos Yanomamis, agora revelada, é uma tragédia muito grande para acreditarmos que foi improvisada’’.

E, de fato, não se trata de uma ação improvisada, os anos em que Bolsonaro esteve à frente da Presidência da República houve uma nítida intensão em causar um extermínio do povo Yanomami, ou de esconder o que acontecia na região. A FUNAI por exemplo proibiu a Fiocruz de realizar uma pesquisa para avaliar o nível de contaminação por mercúrio na Terra Indígena Yanomami.

A política de saúde era uma política de morte!

Nessa senda, enquanto o movimento indígena denunciava as moléstias causadas pelo garimpo ilegal, o ex-presidente fazia visitas oficiais em garimpos ilegais na terra indígena Raposa Serra do Sol. A viagem custou aos cofres públicos R$ 163.930,21.

Por essas e outras atitudes, que estão descritas de forma pormenorizada nas denúncias feitas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, que entendemos que houve novamente contra o povo indígena Yanomami um genocídio.

Infelizmente, estamos revivendo uma tragédia evitável. E, novamente, o genocídio marca a [re]existência dos Yanomamis, o mesmo povo que, em 1993, foi vítima de um grupo de garimpeiros, que exterminou 16 indígenas no episódio que ficou conhecido como o Massecre Haximu.

Por isso, não é exagero, muito menos sensacionalismo, dizer “Uma vida marcada pela morte”.

A pergunta que fica é: até quando?

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo