Observatório da Economia Contemporânea

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Reindustrialização Sustentável e a Transição Verde

O movimento é essencial para impulsionar o desenvolvimento econômico, reduzir a desigualdade social e enfrentar os desafios ambientais

Foto: Ricardo Stuckert
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O recente artigo publicado[1] pelo presidente e pelo vice-presidente da República sobre um projeto de neoindustrialização para o País atesta a relevância, para o atual governo, sobre a necessidade de reindustrializar o Brasil. Assim, se, por um lado, o acentuado recuo da indústria de transformação na matriz produtiva nacional nas últimas décadas tem levantado o debate sobre as consequências negativas do processo de desindustrialização no dinamismo da economia, por outro lado, a transição para uma economia verde e sustentável, uma prioridade global, coloca qualquer projeto de reindustrialização da economia brasileira comprometido de forma efetiva a sustentabilidade ambiental.

Desta forma, a reindustrialização sustentável da economia brasileira nos anos 2020 deve enfrentar os desafios da transição climática, conforme acordos internacionais sobre clima e biodiversidade, ao mesmo tempo em que deve recuperar o espaço de política econômica para implementar o projeto de modernização do parque industrial e aumentar a produtividade da economia. Ou seja, debater a reindustrialização implica investigar qual indústria queremos e os meios para atingi-la.

A desindustrialização brasileira levou à especialização na produção de commodities intensivas em recursos naturais. Resultados dessa especialização são nossa baixa produtividade agregada e nossa elevada dependência dos movimentos internacionais de preço das commodities. Por isso, países subdesenvolvidos como o Brasil são mais vulneráveis às crises climáticas, e essa vulnerabilidade aumenta os riscos físicos de perdas econômicas e dificulta a retomada do crescimento econômico.

A literatura sobre modelos de crescimento de tradição estruturalista evidencia a importância da indústria de transformação para o desenvolvimento econômico, pois é este setor que apresenta maiores ganhos de escala estáticos e dinâmicos e mais rapidamente incorpora e dissemina o progresso técnico. Essas características permitem que os ganhos de produtividade na indústria de transformação se espalhem por toda a economia, aumentando a produtividade agregada e impulsionando o crescimento econômico. Desta forma, o crescimento econômico impulsionado pela mudança na estrutura produtiva em direção à incorporação de processos produtivos mais complexos alimenta uma trajetória de crescimento virtuosa, na qual a expansão da produtividade agregada sustenta a expansão de ganhos de salário real, contribuindo para a redução das desigualdades de renda.

Assim, para que a economia brasileira recupere seu dinamismo com base em maior produtividade, competitividade e com crescimento do salário real no atual contexto global de crise climática, a reindustrialização deve ter um foco especial na transição verde.

Para reindustrializar, o País deve fazer uso de políticas industriais adequadas. Em grandes linhas, cabe ao governo promover estratégias que estimulem investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, além de oferecer apoio às empresas locais e incentivos fiscais para a inovação. É necessário também fortalecer a colaboração entre instituições financeiras, especialmente os bancos públicos, e o setor produtivo, para fomentar o crescimento industrial e a competitividade econômica.

No entanto, do ponto de vista da política econômica, existem desafios a serem enfrentados, e para isso sugere-se flexibilizar o arcaico tripé macroeconômico e incorporar novos instrumentos de intervenção de política econômica. O modelo de política macroeconômica atual, focado principalmente na estabilidade de preços, longe está de ser adequado para promover investimentos públicos e privados em setores sustentáveis e tecnologicamente avançados, e que apresentam elevado grau de incerteza quanto a retornos futuros. O foco excessivo na estabilidade monetária limita os recursos públicos disponíveis para financiar programas de incentivo à inovação e transformação de processos produtivos poluidores em processos produtivos sustentáveis ambientalmente. Assim, a mudança no modelo macroeconômico comprometido com a reindustrialização sustentável implica uma profunda revisão das prioridades em termos de objetivos a serem alcançados na política macroeconômica de curto prazo e de como conciliar com objetivos de desenvolvimento econômico de longo prazo.

Considerando a crescente importância do setor intensivo em recursos naturais e a necessidade de combater a desigualdade estrutural, propomos que o processo de reindustrialização seja fundamentado nos seguintes pilares:

  1. Ampliação da cadeia produtiva das atividades agropecuárias e extrativas, visando estabelecer vínculos produtivos tanto para frente, por meio do aumento do grau de processamento dos recursos naturais, quanto para trás, por meio da conexão com outras indústrias da economia nacional que fornecem bens e serviços para os setores agrário e extrativista;
  2. Busca pela eficiência ambiental na exploração das atividades intensivas em recursos naturais, como a agropecuária, a extração mineral e a produção de petróleo, com o objetivo de minimizar os impactos ambientais e promover práticas sustentáveis;
  3. Investimento em mobilidade urbana como impulsionadora da modernização da cadeia produtiva do setor de transporte, buscando desenvolver soluções que sejam eficientes e sustentáveis;
  4. Identificação da produção de insumos estratégicos para a área de saúde e defesa, com foco na segurança nacional, a fim de garantir a autonomia e a capacidade de resposta do País em situações críticas;
  5. Promoção da descarbonização dos processos industriais, com o intuito de alcançar maior eficiência energética e reduzir as emissões de carbono, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas;
  6. Estímulo à integração da produção industrial com os serviços de Tecnologia da Informação (TI), com o objetivo de avançar em direção à indústria 4.0, por meio da adoção de tecnologias digitais e automação inteligente;
  7. Fomento ao desenvolvimento da indústria de reciclagem e à gestão adequada de resíduos sólidos, visando promover a economia circular e reduzir os impactos ambientais decorrentes do descarte inadequado de materiais;
  8. Incentivo à produção e ao uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) sustentáveis, englobando dispositivos eletrônicos e infraestrutura de comunicação com menor consumo energético e maior eficiência, além de promover a transição para uma economia digital verde.

Como parte desses esforços, também se propõe a ampliação da produção de energia limpa, visando reduzir a dependência de fontes não renováveis e mitigar os impactos ambientais associados à geração de energia.

Em resumo, a reindustrialização sustentável é essencial para impulsionar o desenvolvimento econômico, reduzir a desigualdade social e enfrentar os desafios ambientais. A indústria de transformação desempenha papel crucial nesse processo, gerando encadeamentos produtivos significativos e promovendo a disseminação do progresso técnico. Para garantir uma transição verde bem-sucedida, é necessário adotar políticas industriais adequadas, investir em tecnologias verdes e estabelecer um modelo macroeconômico que promova a sustentabilidade. Além disso, o financiamento adequado, especialmente por meio dos bancos de desenvolvimento, é essencial para viabilizar a reindustrialização sustentável. Ao adotar uma abordagem integrada que combina a modernização da indústria, a sustentabilidade ambiental e o financiamento adequado, é possível recuperar o dinamismo econômico e construir uma economia mais justa,  sustentável e competitiva. O projeto de neoindustrialização da economia brasileira significa ir muito além de recuperar o atual parque industrial. Deve significar um novo modelo de crescimento e desenvolvimento econômico.

[1] Neoindustrialização para o país que queremos, Estado de São Paulo em 25/05/2023 – disponível em: Neoindustrialização para o Brasil que queremos – Estadão (estadao.com.br)

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