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Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como pontes para a reconstrução e a transformação do Brasil

No País, o cumprimento dos ODS está seriamente comprometido. Entre as metas cruciais não cumpridas está a proporção da população vivendo abaixo da linha de pobreza

A fachada do prédio da ONU em Nova York em 2015, com projeção sobre os ODS
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O ciclo de políticas públicas que se inicia em janeiro de 2023 abre uma oportunidade de aceleração do desenvolvimento sustentável e de reposicionamento estratégico do Brasil no mundo. Para tanto, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) emergem como um importante marco conceitual para recolocar o País na trilha dos compromissos assumidos no âmbito da Agenda 2030.

Fruto de processo iniciado na Rio+20 em 2012 e que teve o Brasil como protagonista para a sua aprovação em 2015, a Agenda 2030 estabelece 17 ODS e suas respectivas 169 metas, influenciando diretamente a vida cotidiana da população em temas urgentes como escolaridade, acesso a água e saneamento, emprego, segurança pública e acesso a crédito.

Políticas públicas em todo o mundo têm sido reorientadas para o cumprimento dos ODS. Os ODS também terão destaque na presidência indiana do G20 em 2023, ano em que os países membros da ONU avaliarão o estado do cumprimento da Agenda 2030 e definirão iniciativas para acelerá-la.

No Brasil, o cumprimento dos ODS está seriamente comprometido. O estudo base do Plano ABDE 2030, que será publicado na Revista Tempo do Mundo e lançado no dia 12 de dezembro no IPEA, aponta que sete ODS regrediram ou não estão na trajetória para cumprimento até 2030, oito estão estagnados e apenas um avançou ou já foi cumprido. Entre os ODS mais atrasados estão a erradicação da pobreza (ODS 1), a promoção do trabalho decente e do crescimento econômico (ODS 8), a redução das desigualdades (ODS 10) e paz, justiça e instituições eficazes (ODS 16).

Estágio de implementação dos ODS no Brasil

Fonte: Vazquez, K.C. et al. 2022. Cinco missões para o desenvolvimento transformador do Brasil: metodologia e resultados do estudo-base do Plano ABDE 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Revista Tempo do Mundo, 2022.

* Cada indicador das metas dos ODS recebeu uma nota de zero a cinco segundo o seu estágio de implementação. Em seguida, foi calculada a média simples para cada ODS. O círculo verde representa ODS com média maior que 4 (avançaram ou foram cumpridos); os círculos amarelos representam os ODS com média entre 2 e 4 (estagnaram); e os círculos em vermelho representam os ODS com média entre 0 e 2 (regrediram ou não serão cumpridos).

Entre as metas cruciais que não foram cumpridas está a proporção da população vivendo abaixo da linha de pobreza nacional, que aumentou de 10.97% para 16.09% entre 2019 e 2021. Já a despesa bruta em P&D em relação ao PIB se encontra em 1,14%, muito abaixo da média de 2,6% dos países da OCDE e de outros países de rendimento médio como a China (2,11%), refletindo a perda da capacidade produtiva da economia brasileira.

A governança nacional para os ODS começou a ser estruturada no ano seguinte à adoção da Agenda 2030 com a instituição da Comissão Nacional dos ODS (CNODS). Composta por 16 representantes das três esferas do governo e da sociedade civil, a comissão tinha o mandato de promover a Agenda 2030 no Brasil.

Essa governança foi desmontada em 2019 com a extinção da CNODS e o esvaziamento da pauta na Secretaria de Governo da Presidência da República. Em 2021, a Frente Parlamentar Mista de Apoio aos ODS propôs a instituição da Política de Promoção da Agenda 2030, mas o projeto de lei ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados.

É preciso estruturar um mecanismo nacional de governança para os ODS com papel claro não só para os órgãos públicos e a sociedade civil, como também para o setor privado e para as instituições financeiras de desenvolvimento na difusão, financiamento e monitoramento da Agenda 2030 no Brasil.

O primeiro passo seria instituir uma Política de Promoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e recriar a CNODS com um mandato em linha com os principais debates e tendências internacionais e com uma estrutura que favoreça a mobilização e a coordenação dos diferentes atores de dentro e de fora do governo já nos primeiros seis meses de 2023.

O segundo passo seria promover o melhor alinhamento da Agenda 2030 e dos investimentos do Sistema Nacional de Fomento (SNF) com o ciclo de planejamento, orçamento e gestão de políticas públicas. Os bancos multilaterais de desenvolvimento, a ABDE e o SNF, formado por bancos de desenvolvimento, bancos comerciais com carteira de desenvolvimento, bancos cooperativos, agências de fomento, Finep e Sebrae, com sua capacidade e conhecimento técnico, têm enorme potencial para alavancar a agenda de desenvolvimento sustentável.

O SNF é central para a promoção dos ODS no Brasil, financiando políticas públicas, atuando de forma anticíclica, fomentando setores estratégicos, contribuindo com a estruturação de projetos e induzindo a formulação de políticas para o desenvolvimento. Além disso, esta atuação pode ter um impacto ainda maior à medida que se articule com o ciclo de políticas públicas.

Para isso, é crucial a integração das estratégias de financiamento para o desenvolvimento sustentável no Plano Plurianual 2025-2027, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual. Isso possibilitaria criar um fluxo estável e previsível para as instituições de fomento, em linha com as melhores práticas internacionais.

O terceiro passo seria relançar o Relatório Nacional Voluntário sobre os ODS. O relatório possibilitaria avaliar o cumprimento da Agenda 2030, mensurar o que precisa ser feito, informar a atuação internacional do Brasil e reafirmar o compromisso do País com o multilateralismo. Desde 2017 o governo brasileiro não reporta o cumprimento dos ODS.

Atualmente, menos da metade das metas e dos indicadores da Agenda 2030 internalizados pelo Brasil são mensurados. Dentre eles, a minoria possui séries estatísticas contínuas, atualizadas e desagregadas por regiões e grupos de maior vulnerabilidade social. Tampouco existem classificações, mensurações e monitoramento comuns para o financiamento dos ODS pelo SNF, dificultando a troca de informações entre as instituições financeiras de desenvolvimento e destas com entes públicos.

Uma vez implementado, esse conjunto de ações apoiaria a identificação e o financiamento de políticas públicas em áreas prioritárias para o País, além de ser um importante exercício de prestação de contas à sociedade brasileira. O monitoramento da Agenda 2030 também pode ajudar a resgatar o protagonismo do Brasil no debate sobre desenvolvimento sustentável, ampliando a voz dos países em desenvolvimento em foros internacionais como o G20 e o BRICS – que o País sediará em 2024.

Avançar o cumprimento dos ODS significa mais qualidade de vida para a população, uma economia mais produtiva e eficiente, um meio ambiente mais protegido e estável e um futuro mais sustentável para o planeta. É urgente a retomada desta agenda para guiar o processo de reconstrução e transformação do Brasil.

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