Observatório da Economia Contemporânea

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O BID, a candidatura brasileira e o equilíbrio político interamericano

Não adianta ocupar a Presidência sem o consenso ou apoio da grande maioria latino-americana e do acordo com os EUA

Ilan Goldfajn, o candidato de Bolsonaro
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A eleição de um novo presidente para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem despertado grande interesse na imprensa. Certamente, isso se deve aos fatos graves ocorridos na instituição recentemente, com a demissão de seu presidente executivo, o indicado de Trump, Mauricio Claver-Carone. O destaque também se deve à intensa disputa que se tem armado em torno das novas eleições, inclusive com a indicação de um candidato pelo governo Bolsonaro, o economista Ilan Goldfajn, atualmente diretor para o hemisfério ocidental do Fundo Monetário Internacional, o FMI.

Para aprofundar o tema é necessário partir tanto do significado histórico do BID para a região, quanto da sua governança. Fundado em 1959, o banco é obra de um acordo entre América Latina e Estados Unidos com participação decisiva do Brasil por meio de seu presidente, Juscelino Kubitschek. A criação do BID foi uma resposta progressista à revolução cubana por meio do apoio ao desenvolvimento regional e simbolizava a busca de equilíbrio político no espaço interamericano. A sua governança, complexa e permeada de pesos e contrapesos, reflete exatamente esses objetivos.

Dentre os vários aspectos da governança, um merece particular destaque: a maioria do poder de voto do grupo latino-americano e caribenho (GRULAC), exercida sem restrições no âmbito do Diretório, está sujeita a vetos na Assembleia de governadores composta pelos ministros de estado. O limite mínimo de 25% dos votos confere aos EUA – que têm 30% das ações – mas, também, a combinações distintas de países, poder de veto sobre temas variados que vão de conceder ou não quórum à realização da assembleia até excluir temas específicos da pauta de discussões. 

Ante uma governança complexa, as tentativas não negociadas para chegar à presidência do BID fracassaram ou tiveram um desfecho traumático da qual é exemplo Claver-Carone, que carecia da legitimidade necessária  na região e em seu próprio país, já que foi indicado por um governo em fim de mandato. A lição é clara e vale para candidaturas gestadas nos gabinetes do Tesouro em Washington, do Ministério da Economia em Brasília ou de sua combinação: sem negociações substantivas com os atores estratégicos da região, essas candidaturas têm poucas chances de sucesso e, mesmo se eleitas, conduzem a um padrão rebaixado de gestão e a conflitos que prejudicam a instituição e a região.

É neste contexto que deve ser vista a candidatura brasileira lançada pela gestão Bolsonaro, considerado, em importantes círculos políticos, dos EUA, e da região, como um governo de extrema-direita. Se consideramos que a América Latina vive uma conjuntura política de ampliação dos governos progressistas, entende-se a baixa representatividade e legitimidade da candidatura brasileira, agravada pela falta de diálogo com atores cruciais. E a resposta foi inequívoca. Vários dos governos de países importantes da América Latina, como México, Chile e Argentina, lançaram candidatos para a disputa das eleições.

A candidatura brasileira foi apresentada e registrada, na sexta-feira, dia 28 de outubro, antevéspera da derrota de Bolsonaro. Um detalhe crucial: o prazo final para apresentação das candidaturas era o 11 de novembro, portanto duas semanas após a realização do registro brasileiro. Assim fica evidente que se houvesse interesse do governo Bolsonaro e dos apoiadores de seu candidato, a negociação em torno de um nome poderia ter ocorrido. Ela não aconteceu devido à tentativa de criar, pelo registro prévio à eleição, um fato consumado.

A indicação do nome de Ilan para a presidência do BID sofre restrições na região por razões que nada têm a ver com o seu curriculum, mas por um possível conflito de interesses. A sua diretoria, do Hemisfério Ocidental, analisa o desempenho econômico regional e de países. Essas análises, junto com outras produzidas pela instituição, servem de base para avaliar países que estão executando programas de ajuste financiados e supervisionados pelo FMI. Desse ponto de vista, causa desconforto entre os países da região que um diretor do staff do FMI, no exercício do cargo e apenas licenciado temporariamente, peça a esses países votos para sua eleição no BID. Quanto mais não fosse, para assegurar a isonomia com os demais concorrentes, deveria ter renunciado a seu cargo. 

Por fim, cabe discutir o argumento da vez do Brasil em ocupar a Presidência do BID. Importante, mas há um requisito essencial para isso: a manutenção da sua liderança na região. Não adianta ocupar a Presidência sem o consenso ou apoio da grande maioria latino-americana e do acordo com os EUA. Tampouco, converter o BID em um instrumento dos equilíbrios macroeconômicos da região sob os auspícios dos países desenvolvidos, em detrimento da missão de promover o desenvolvimento. Talvez, o Brasil nunca tenha exercido a presidência do BID pelo seu papel crucial, na instituição, de mediação entre os países desenvolvidos, inclusive os EUA e o GRULAC. E este é o risco maior, perder essa liderança por conta de uma candidatura promovida por um governo de extrema-direita, a dois meses de se encerrar e sem apoio na região.

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