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Hate-watching: o fenômeno que explica a permanência de Beatriz por tanto tempo no ‘BBB’

O “Brasil do Brasil” assistiu ao desenrolar da trajetória da sister com um misto de fascínio e vergonha

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Beatriz Reis, dona do famigerado bordão “Brasil do Brasil!”, foi finalmente eliminada do BBB24 e não estará na final. Não é de impressionar, contudo, que a personagem construída por ela, centrada na espetacularização da pobreza, tenha durado tanto. O fenômeno pode ser parcialmente explicado pelo conceito de “hate-watching”, uma tendência na qual os espectadores continuam a acompanhar algo ou alguém não por admiração, mas movidos por um fascínio quase mórbido pelo seu comportamento extremo ou controverso. 

Esse tipo de engajamento, embora não baseado na aprovação, pode prolongar a sobrevida de personagens polêmicos. Gera discussão, aumenta a audiência e alimenta as redes sociais com debates e críticas. A dinâmica expõe uma das contradições do consumo midiático atual: quando expressamos desaprovação, nossa atenção contínua pode estar reforçando exatamente os comportamentos que criticamos.

O hate-watching traz o sentimento incômodo de assistir a algo que nos provoca vergonha, mas do qual não conseguimos desviar os olhos. Desconforto e críticas se misturam com um estranho fascínio, mantendo-nos ligados a programas ou personagens que desaprovamos ou até desprezamos. É reflexo de nossa curiosidade e, talvez, de nosso desejo, ainda que oculto, de entender e processar o que consideramos inadequado.

A eliminação de Beatriz também representa um momento de reflexão crítica sobre as representações sociais perpetuadas pela mídia. A sister construiu sua personagem com base em estereótipos profundamente enraizados e desatualizados sobre as camadas mais humildes da sociedade. Sua representação exacerbava características como a fala alta, o comportamento expansivo e uma certa rudeza, que, embora possam existir em qualquer estrato social, são frequentemente e injustamente atribuídas aos mais pobres. Este arquétipo, que já foi explorado ad nauseam em diversos formatos de entretenimento, perpetua uma visão estigmatizada e limitante.

E Beatriz usou a pobreza como mecanismo para a atração de simpatia do público. Suas performances diárias que buscavam despertar uma empatia superficial nos espectadores. A abordagem até funcionou no início do programa, até ser vista como desrespeitosa e sensacionalista ao perceberem que o exagero desmerecia a complexidade das experiências de vida das pessoas. A suposta espontaneidade da sister, frequentemente apresentada como uma de suas maiores virtudes, começou a ser percebida como uma tática deliberada.

Em seus últimos dias no programa, Beatriz ainda apelou para a intensa demonstração de fé, com orações e cânticos de músicas gospel pentecostais das décadas passadas realizados em alto volume, na tentativa de manipular as emoções do público. A dinâmica de exploração emocional terminou levantando questões sobre a autenticidade da participante. Sua eliminação com uma taxa de rejeição superior a 80% dos votos é uma manifestação de como o público reage a personagens percebidos como inautênticos, que dependem de caricaturas ou dramatizações excessivas, especialmente quando essas parecem explorar e distorcer realidades sociais sensíveis, como a pobreza e a fé.

Em uma de suas investidas, Beatriz fez roupas confeccionadas a partir de restos de comida, com cascas de frutas. A falta de contexto e a superficialidade na apresentação dessas escolhas resultaram em mau gosto e passou a impressão de zombaria à escassez, um problema real para muitas pessoas. Ao transformar a necessidade em espetáculo visual, Beatriz trivializa a realidade de muita gente. E as redes sociais não perdoaram.

É um alívio para o público que os dias de gritos e mau gosto da participante tenham chegado ao fim. Embora o hate-watching tenha mantido a Beatriz no BBB por mais tempo do que muitos gostariam, até o fascínio do público por comportamentos controversos tem seus limites. Com sua saída do programa, há a expectativa de que ela possa deixar de lado a persona construída para as câmeras e redescobrir uma expressão mais autêntica de si mesma, longe das exigências do reality show.

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