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Roda Viva ou roda morta?

As intervenções feitas pela bancada do programa revelaram-se insuficientes diante da gravidade do que diz e representa Flávio Bolsonaro

Foto: Reprodução/Roda Viva
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Na noite da última segunda-feira 8, a TV Cultura, estatal paulista sob a gestão do governo Tarcísio de Freitas, e que enfrenta uma notória queda de audiência, colocou em destaque no tradicional Roda Viva o senador Flávio Bolsonaro.

Foram quase duas horas de mentiras e ataques. Em sua participação, Flávio não apenas empenhou-se em uma defesa articulada do clã Bolsonaro, mas também lançou ataques ao Tribunal Superior Eleitoral e defendeu Elon Musk, alçado a protagonista da contenda extrema-direta x STF. Sua ida ao programa exige uma reflexão: até que ponto é justificável que uma plataforma pública abra espaço para figuras que, notoriamente, têm se posicionado a favor de demandas que contrariam os pilares da democracia?

A jornalista Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva, enfatizou que o programa se destina a “falar por todos e para todos”, reiterando o compromisso do jornalismo em ser crítico, questionador, apartidário, independente e defensor da democracia. Esse ideal, contudo, parece estar sendo inadvertidamente manipulado, sob a capa da diversidade de opiniões, para minar a democracia sobre a qual o próprio jornalismo se fundamenta.

A distinção entre o verdadeiro pluralismo e o perigoso fenômeno do falso equilíbrio nunca foi tão tênue. O pluralismo demanda a representação de uma diversidade de perspectivas e vozes, refletindo a complexidade da sociedade. O falso equilíbrio, contudo, é uma distorce esse ideal, especialmente quando visões extremistas ou desprovidas de fundamentação são postas em pé de igualdade com argumentos ancorados em evidências.

A responsabilidade de não servir como um megafone para discursos de ódio, desinformação ou condutas que ameacem a estabilidade democrática é um princípio que não pode ser negligenciado. E isso exige da mídia um exercício constante de equilíbrio entre a salvaguarda da liberdade de expressão e o cumprimento de sua responsabilidade social. A liberdade de expressão é um pilar da democracia, mas quando utilizada como escudo para a disseminação de discursos nocivos, torna-se urgente que a própria mídia se regule de forma ética e consciente.

Quando figuras controversas são submetidas a críticas, frequentemente adotam a postura de vítimas de uma suposta conspiração midiática. Seus seguidores interpretam qualquer contestação como confirmação das suas convicções

A participação de Flávio Bolsonaro no Roda Viva transformou-se em uma ferramenta para os detratores da democracia, que diligentemente picotaram a entrevista em uma série de clipes, cuidadosamente editados para destacar a defesa do indefensável por Flávio Bolsonaro.Esses trechos, disseminados pelas redes sociais e outras plataformas digitais, servem para amplificar, legitimar e tornar normais os discursos contrários à democracia, introduzindo uma falsa sensação de normalidade e aceitação dessas ideias no debate público.

As intervenções feitas pela bancada do Roda Viva revelaram-se insuficientes diante da gravidade do contexto em questão, que não era de mero exercício de debate político. A mensagem que ele passou soou mais como uma ameaça ao Brasil: se depender do clã Bolsonaro, a normalidade do país está condicionada ao arquivamento das ações judiciais que pesem contra sua família.

A postura de neutralidade e a busca pelo equilíbrio, frequentemente exaltadas como virtudes jornalísticas, podem transformar-se em autocensura. Jornalistas e meios de comunicação, em nome do profissionalismo, podem hesitar em exercer críticas incisivas a figuras ou ideologias que flertam com o autoritarismo, por receio de serem etiquetados como parciais. Foi o que aconteceu no Roda Viva.

Ao abrir espaço para alguém cujas convicções e histórico político são marcados por um nostálgico apreço por regimes autoritários, o Roda Vida falhou. É uma amarga ironia Flávio Bolsonaro ter quase duas horas de entrevista em um programa que carrega o nome de obra escrita por Chico Buarque, símbolo de resistência contra a ditadura. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá.

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