Midiático

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As enchentes no Rio Grande do Sul e a assimetria da burrice

A maior catástrofe climática da história do Brasil abre uma guerra de desinformação que só favorece os agentes do caos

Pablo Marçal foi pré-candidato à Presidência. Foto: Reprodução
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Não bastassem as centenas de mortos e desaparecidos e os milhares que perderam quase tudo nas enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, o Brasil parece perdido numa guerra interminável de desinformação. 

Exacerbada por cortes e edições nas mãos erradas, fragmentos de informação ganham status de verdades absolutas. Tropeços factuais, comuns em coberturas ao vivo, são transformados em teorias de conspiração e sabotagem. Foi o caso, por exemplo, de casos pontuais de caminhões com donativos autuados pela ANTT. Distorcendo os fatos, o influenciador Pablo Marçal sugeriu a seus milhões de seguidores que haveria uma operação coordenada do governo contra as vítimas da enchente. A imprensa desmentiu, o governo desmentiu e, nessa toada, uma experiente repórter do SBT virou bode expiatório em uma ofensiva de Marçal contra Natuza Nery, da GloboNews – e, nas entrelinhas, contra toda a imprensa e as instituições. 

Outro exemplo envolve uma contenda entre a Folha de S. Paulo e a Secom.

Primeiro, a Folha publicou uma reportagem acusando o governo federal de ‘recusar’ uma oferta de ajuda do Uruguai. Não é bem assim. O governo aceitou o empréstimo de um helicóptero uruguaio para resgate, mas declinou um avião cargueiro, duas lanchas e outros apetrechos, por impossibilidades logísticas — como a questão de aterrissagem, por exemplo.

Mais tarde, a Folha publicou outra matéria, acusando o governo federal de ‘mentir’ sobre aceitar a ajuda, uma acusação que a Secom refutou –  apontando, com razão, a falta de evidência clara de mentira.

Os dois casos remetem a uma pérola da sabedoria popular da internet: a Lei de Brandolini. O postulado é simples: o esforço para rebater uma bobagem é sempre muito maior que o necessário para produzi-la. É preciso um fuzil, cada vez maior, para matar uma formiga.

Entre meias verdades e acusações recíprocas, o esforço reativo do governo para rebater boatos e o bate-boca entre apoiadores dos diferentes lados na busca por um ‘culpado’ não parecem produzir muito mais do que ruído nas redes, acabando por amplificar a boataria mal intencionada ao invés de neutralizá-la. Uma recente pesquisa da Quaest mostra que a maioria dos brasileiros aprova a resposta do poder público à tragédia, com variações pequenas entre os governos Lula, Leite e o do prefeito Sebastião Melo – 53%, 54% e 59%, respectivamente. 

Outros agentes, contudo, tomaram a dianteira na percepção pública sobre a postura diante da tragédia: segundo

a Quaest, artistas e influenciadores alcançam uma aprovação de 73%, lideranças locais 72%, igrejas 70% e empresas 65%. 

A PF e a Justiça se movimentam para punir com a lei os disseminadores de fake news. A solução definitiva, contudo, transcende a simples penalização. Exige a responsabilização rigorosa e maior transparência das plataformas digitais. Mais fundamental ainda é a transformação deste modelo de jornalismo, de negócios, de fama e de política que se alimenta da indignação e da reatividade a qualquer custo. Até lá, viveremos todos sob os tacões da Lei de Brandolini.

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