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Ineditismos marcaram a Copa do Mundo Feminina dentro e fora do campo

Expansão da transmissão pela TV, rádio e internet no Brasil mostra que o futebol de mulheres tem avançado no país

Créditos: Reprodução
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A Copa do Mundo de Futebol Feminino FIFA 2023, que terminou no último domingo 20, ganhou destaque na mídia internacional com novidades dentro e fora de campo. Houve recordes de audiências e público nos estádios, crescimento na receita de patrocínios, no número de seleções participantes, na premiação das federações, no pagamento às competidoras, tecnologias como o VAR (árbitro assistente de vídeo) e os sensores na bola e na trave, além de surpresas nos resultados das partidas e na forma de venda das transmissões. Neste texto, vamos focar nos ineditismos, retrocessos e avanços relacionados aos direitos de imagem por parte da FIFA, bem como o reflexo da venda das transmissões para o desenvolvimento da modalidade esportiva.

Enquanto no Brasil presenciamos talvez a maior cobertura de uma Copa do Mundo Feminina até hoje, na Europa e no Japão a FIFA encontrou grande dificuldade em fechar acordos comerciais para transmissão do torneio. Diversos países, inclusive de seleções presentes na Copa, alegavam que os valores cobrados estavam altos demais. Em respostas a estas federações, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, alegou que o preço era justo, sendo inadmissível o pagamento de valores muito maiores para o mundial masculino e a reclamação dos valores cobrados na competição das mulheres.

Jogando dados: a distribuição dos direitos de transmissão

As ofertas para exibir a Copa do Catar 2022 variaram entre 100 e 200 milhões de dólares. Já na Copa realizada na Austrália e Nova Zelândia em 2023, os valores oscilaram entre 1 e 10 milhões de dólares. Uma redução proporcionalmente maior do que a diferença de audiência, que costuma representar 50% a 60% em relação à Copa das seleções masculinas.

Faltando pouco tempo para o início da competição, a FIFA conseguiu um acordo com a European Broadcasting Union (EBU) para transmissão do torneio em 34 países europeus. Isso porque a tentativa de negociação individual com alguns países tornou-se inviável. No continente asiático, a NHK, organização nacional de radiodifusão pública do Japão, só anunciou a transmissão uma semana antes da Copa. A WE League, organizadora da 1ª divisão feminina no Japão, chegou a falar na realização de uma “vaquinha” para garantir a exibição no país.

Até a última edição, ocorrida em 2019 na França, os direitos de imagem da Copa Feminina eram fornecidos de forma gratuita para quem comprasse o pacote da Copa Masculina. Como justificativa, a FIFA alegou que a mudança este ano busca uma maior valorização do futebol de mulheres, que pela primeira vez na história forneceu as mesmas premiações financeiras da Copa masculina. Por outro lado, há quem diga que é melhor para a popularização do futebol feminino que a FIFA venda as transmissões mais baratas e, assim, garanta o alcance de um número maior de países e de partidas sendo transmitidas.

De fato, a busca para que o futebol feminino seja tão rentável quanto capilarizado é importante, já que no mercado midiático o lucro é fator definidor para a expansão de patrocínios e, consequentemente, para a ampliação do esporte. Entretanto, do ponto de vista da democratização do acesso à informação, não há dúvidas de que quanto mais pessoas forem alcançadas, mais longe a modalidade esportiva pode chegar.

Em entrevista coletiva durante a Copa do Mundo, a rainha Marta Silva destacou ainda outro ponto relevante sobre a representatividade da seleção para as meninas e mulheres, e mesmo para a redução do machismo que ainda vê o futebol como esporte masculino. Em tom emocionado, a maior jogadora de todos os tempos disse: “Sabe o que é legal? Eu não tinha uma ídola no futebol feminino. Vocês (jornalistas) não mostravam o futebol feminino. Como eu ia entender que eu poderia ser uma jogadora, chegar à seleção, sem ter uma referência? Hoje a gente sai na rua e os pais falam: ‘Minha filha quer ser igual a você’. Hoje temos nossas próprias referências. Não teria acontecido isso sem superar os obstáculos”.

O jogo é hoje: Brasil na contramão do mundo

Em relação aos direitos de imagem, o Brasil esteve na contramão da Europa, mas de modo positivo. Com uma ampliação significativa no alcance das transmissões, o “país do futebol” teve a primeira exibição de uma Copa do Mundo de Futebol Feminino na internet, via YouTube (Grupo Alphabet). A Cazé TV, canal do streamer Casimiro Miguel, mostrou de forma gratuita todos os 64 jogos, além de conteúdos com melhores momentos, bastidores, pré e pós-jogos, ‘reacts’ e cobertura in loco, materiais ao vivo e gravados, compartilhados também nas redes sociais.

Na rádio, a Rede TransAmérica se tornou a primeira emissora a transmitir uma Copa do Mundo Feminina. Além das partidas, foram produzidos dois boletins diários exclusivamente sobre a Copa no programa “Papo de Craque”. A empresa transmitiu para São Paulo (100.1 FM), Rio de Janeiro (101.3 FM), Brasília (100.1 FM), Salvador (100.1 FM), Belo Horizonte (88.7 FM), Curitiba (100.3 FM) e Recife (92.7 FM). As partidas e os programas puderam ser acompanhados também pelo site e aplicativo da TransAmérica.

Na televisão, para quem esperava um esforço equiparado à Copa do Catar, a Rede Globo decepcionou. Apesar do aumento da mobilização e divulgação em relação a copas anteriores, inclusive com maior presença de mulheres na equipe de jornalismo, a transmissão em TV aberta do maior conglomerado de mídia do país se resumiu a oito jogos. Em contrapartida, o SporTV, canal da emissora na rede por assinatura, exibiu 34 partidas. Houve ainda cobertura pelo aplicativo GloboPlay e pelo site ge.com.

Vale destacar a atuação da ESPN (Grupo Disney) que, mesmo não possuindo os direitos de transmissão dos jogos, realizou uma boa cobertura da Copa. A emissora enviou quatro jornalistas mulheres para acompanhar presencialmente o mundial, reservando uma grade específica para a competição através de edições especiais do “Mina de Passe”, programa da emissora no estilo mesa redonda, após os jogos da seleção brasileira. No pré-Copa, o canal fechado investiu em duas produções originais, o documentário “Gerações” e o programa “Mina de Card”, um quadro diário com duração de até dois minutos. O primeiro abordou a evolução do futebol feminino no Brasil e o segundo apresentou as principais jogadoras do mundial.

Nas plataformas digitais, o podcast “Top Suado” da ESPN focou seu conteúdo todo para a Copa Feminina. O programa tem três apresentadoras debatendo semanalmente temas relacionados aos esportes femininos. Por falar em plataformas, o Google (Grupo Alphabet) disponibilizou recursos especiais de busca sobre o tema, como já faz em algumas competições esportivas, contendo acesso rápido ao calendário de partidas, tabela de classificações, resumos dos jogos, estatísticas, notícias e vídeos da Copa do Mundo. Também foi possível encontrar curiosidades e dados específicos sobre cada seleção e cada jogadora, bem como ativar notificações em tempo real sobre as partidas.

Não há dúvidas que o mundial de 2023 entra para a história como o que teve maior número de plataformas de transmissão no Brasil até então: rádio, TV aberta, TV fechada e plataformas digitais. Na Copa do Mundo Feminina de 2019, Globo e Band transmitiram alguns jogos na TV aberta, além de Sportv e BandSports na TV fechada. Em 2015 a exibição foi ainda mais restrita: na TV fechada o Sportv e na aberta apenas a TV Brasil, emissora pública vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Apesar da importância da comunicação pública, infelizmente não houve o mesmo alcance que a Band ou Globo atingiram. Naquela edição, a Band exibiu o primeiro jogo do Brasil nas oitavas de final, mas nenhum jogo da fase de grupos. A seleção canarinha foi eliminada nesta partida e a empresa não seguiu com nenhuma outra transmissão.

Se em termos de ampliação da transmissão estamos avançando no Brasil em relação à Copa do Mundo de Futebol Feminino, ainda temos muito a melhorar na exibição de outros campeonatos. Se havia dúvida do interesse da população na modalidade ou da rentabilidade para as empresas de mídia, esses argumentos têm caído por terra. Na luta pela democratização da comunicação no Brasil, o debate das transmissões de futebol é fundamental, assim como a luta por igualdade de gênero e maior representatividade social na mídia.

*Júlia Lanz é jornalista e integrante do Intervozes. Este texto faz parte dos estudos do Observatório dos Direitos de Transmissão dos Futebóis.

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