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Eleições 2022: monitoramento revela 88 candidaturas de policialescos e donos da mídia

Pesquisa do Intervozes evidencia as relações escusas entre mídia e política

(Divulgação/Intervozes)
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por Tâmara Terso e Gyssele Mendes

Não é de hoje que políticos utilizam a mídia como palanque na corrida eleitoral. Em monitoramento realizado pelo Intervozes foram identificadas 88 candidaturas nas Eleições 2022, entre policialescos e proprietários de concessões de radiodifusão, que ganharam visibilidade a partir da violação de direitos humanos e da ilegalidade.

O monitoramento buscou por candidaturas ao governo do Estado, Assembleias Legislativas estaduais, Câmara dos Deputados, Senado e suas suplências em 14 estados brasileiros (BA, PB, PE, CE, PI, AM, PA, RR, MT, MG, ES, SP, RJ e PR) e no Distrito Federal. No caso dos policialescos, também foram pesquisados os programas de rádio e TV das dez maiores cidades, em número de habitantes, de cada estado. 

Policialescos buscam a reeleição

Os programas policialescos são palco para a proliferação de candidaturas políticas mobilizadas por temas que violam direitos humanos através do fomento da política de morte na segurança pública, além de defenderem pautas do conservadorismo religioso, propostas assistencialistas e a negação da própria política. Em 2018, os policialescos figuraram 23 candidaturas em 10 estados. Em 2022, esse número quase dobrou: em 15 estados, são 27 candidatos a Deputado Estadual, 11 candidatos a Deputado Federal, 4 candidatos a Governador e 1 candidato ao Senado, totalizando 43 candidaturas oriundas de programas policiais ou que se beneficiam deles para a realização de campanhas políticas.

Entre os candidatos temos dois que não são apresentadores, mas agentes da segurança pública e principais fontes dos programas policialescos na Paraíba. No estado da Bahia, dois candidatos que possuem parentesco com um apresentador policialesco. O Rio de Janeiro e o Paraná possuem candidatos que já marcaram presença nos programas como repórter e apresentador, mas não estão na ativa. E um dos candidatos do mapeamento renunciou, mas permaneceu na pesquisa pela emblemática liderança entre os policialescos no Ceará.

A esmagadora maioria dos candidatos são homens, com 50% de brancos, 49% pardos e 1% pretos autodeclarados, e quase todos com larga experiência em eleições. Apenas 12 candidatos participam pela primeira vez de um pleito eleitoral.

Quase metade dos policialescos (17) são do PP (4), PL (5) e Republicanos (8), partidos que compõem a base aliada do atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Desses, ao menos 13 são apresentadores de programas na RecordTV. Os demais partidos que representam essas candidaturas são: PSD (7), União Brasil (4), Solidariedade (3), Avante (2), MDB (2), PSDB (2), PDT (2), Cidadania (1), Podemos (1), Patriota (1) e PTB (1).

Os dados completos do levantamento das candidaturas de policialescos estão disponíveis neste link

Donos da mídia fazem fortuna com crimes e desinformação

A história da radiodifusão brasileira está intimamente ligada aos interesses políticos com fortes raízes familiares. Do surgimento do rádio e seu papel para a política de integração nacional na ditadura do Estado Novo, na era Vargas, passando pelas concessões de rádio e TVs usadas como moeda de troca na gestão de José Sarney como presidente, chegamos ao boom dos políticos proprietários de mídias em um contexto de enfraquecimento da democracia decorrente dos esquemas operados por esses atores.

O número de políticos proprietários ou envolvidos com propriedades familiares de mídias cresce a cada eleição. No levantamento de 2018, foram identificados 34 candidatos donos de mídia em 10 estados e no Distrito Federal. Em 2022, esse número saltou para 45 candidatos: são 18 candidatos a Deputado Federal, 13 a Deputado Estadual, 6 ao Senado e 1 a suplência do Senado, 5 ao cargo de Governador e 2 de Vice-governador. Das candidaturas analisadas, mais da metade são homens (38), brancos (33) e milionários (33). 

Mesmo sendo ilegal que deputados federais e senadores tenham propriedades de rádio e TV, de acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, por motivo dos empreendimentos explorarem concessões públicas sujeitas a conflitos de interesses ao serem geridos por agentes públicos, políticos apostam na seletividade do um sistema de Justiça que insiste em pender a balança para o capital econômico quando o assunto é comunicação.

Entre os candidatos mapeados, vale destacar que Fabrício Fortaleza, do Piauí, e Flávia Francischini e Felipe Francischini, do Paraná, não são concessionários de radiodifusão. No entanto, foram incluídos no levantamento por serem sócios e proprietários de empresas do setor da comunicação. Ainda que a posse de agências de comunicação não configure como infração ao artigo 54 Constituição Federal, ela aponta para as relações de influência entre o sistema político e os sistemas de comunicação. 

“A história da radiodifusão brasileira é marcada pela concentração nas propriedades de mídia. São famílias de tradição colonial, que gerem canais de rádio e TV de Norte a Sul do país e usam as comunicações para fortalecer sua influência na política nacional, silenciando opositores, espalhando fake news e impedindo a diversidade de vozes em um nítido ataque à democracia”, destaca Tâmara Terso, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenadora da pesquisa ao lado de Olívia Bandeira, coordenadora executiva de Pesquisa, Formação e Incidência Internacional do coletivo. 

Ação no STF aguarda julgamento

Em 2015, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com o apoio do Intervozes, denunciou na justiça a concentração de mídia nas mãos de políticos. Através de um pedido de Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 379, no Supremo Tribunal Federal (STF), as organizações solicitam, entre outras coisas, que o artigo 54 da Constituição seja cumprido através do cancelamento das outorgas de rádio e TV em poder dos políticos e seus familiares, além do impedimento de posse dos candidatos eleitos à Câmara Federal caso sejam proprietários ou tenham ligação com propriedades de radiodifusão. 

As ações na Justiça já surtiram efeitos. Em 2018, o deputado federal Antônio Carlos Martins de Bulhões (Republicanos) teve a concessão da Rádio Metropolitana Santista LTDA, de sua propriedade, cassada pela Justiça Federal. A decisão foi confirmada em segunda instância, em 2021. Também em São Paulo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em decisão colegiada, indeferiu os recursos apresentados pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) e manteve a decisão que cancela as outorgas das rádios Show de Igarapava e Rádio AM Show, de propriedade do político. Em Alagoas, o senador Fernando Collor de Mello, proprietário da TV Gazeta de Alagoas LTDA (afiliada à Rede Globo), da Rádio Clube de Alagoas LTDA e da Rádio Gazeta de Alagoas LTDA, teve suas concessões canceladas pela Justiça Federal, mas as empresas seguem prestando o serviço até o trânsito em julgado da ação. 

Os dados completos das candidaturas de políticos donos da mídia estão disponíveis neste link

A pesquisa

O levantamento faz parte do projeto Mídia Sem Violações de Direitos, uma iniciativa permanente do coletivo Intervozes. Os dados foram coletados a partir de um trabalho coletivo que envolveu a colaboração de Tâmara Terso, Jonaire Mendonça, Iago Vernek, Iury Batistta, Mabel Dias, Nataly Queiroz, Paulo Victor Melo, Raquel Baster e Sheley Gomes. Também colaboraram Gabriel Veras da Abaré (AM) e Lidiane Barros, da Mídia Ninja (MT).

As análises, divididas em três artigos, estão sendo publicadas em parceria com o Le Monde Diplomatique Brasil no especial “Eleições 2022: a mídia como palanque”. 

Os dados foram divulgados na terça-feira 27, em live realizada pelo Instagram do Intervozes, que contou com a participação do procurador do Ministério Público Federal na Paraíba, José Godoy, e a coordenadora da pesquisa, Tâmara Terso. 

Tâmara Terso e Gyssele Mendes são integrantes do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. 

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