Intervozes

Dilma propõe lei para universalizar acesso à internet

Proposta foi apresentada em atividade da Campanha Banda Larga é um Direito Seu, que convidou candidatos à Presidência para discussão de propostas políticas no campo de internet

A presidenta Dilma Rousseff em encontro sobre inclusão digital em São Paulo
Apoie Siga-nos no

Por Bia Barbosa, Marina Cardoso e Pedro Ekman*

A Presidenta da República e candidata à reeleição Dilma Rousseff participou nesta terça-feira (9) da primeira edição do Diálogos Conectados – Um papo sobre Direitos e Internet, promovido pela Campanha Banda Larga é um Direito Seu! Para um auditório cheio de ativistas e especialistas no tema, Dilma propôs a criação de uma lei para garantir a universalização do acesso à banda larga no país, com qualidade e boa velocidade por meio da instalação de fibra óptica em 80% dos municípios. “Temos que universalizar via lei, senão não teremos força política para obrigar as empresas a cumprirem as metas estabelecidas”, defendeu a candidata à reeleição.

Discordamos da Presidenta, pois entendemos que um decreto presidencial bastaria para garantir a universalização, ao colocar a prestação do serviço de acesso à banda larga em regime público. Neste regime de prestação de serviços, seria possível, por exemplo, que os recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações –, hoje congelados e usados pelo governo para fazer superávit primário, passassem a ser utilizados em investimentos em infraestrutura para o cumprimento de metas de universalização do acesso à internet. Metas de qualidade, continuidade e modicidade tarifária também seriam impostas no regime público.

Além disso, duas leis que definem que o acesso à banda larga deveria se dar em regime público. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). A LGT estabelece que todo serviço essencial deve ser prestado em regime público, enquanto o Marco Civil da Internet reconhece a essencialidade do acesso à internet para o exercício da cidadania. A LGT também define que é por decreto presidencial que se define a qual regime pertence cada serviço de telecomunicação.

Ou seja, seria necessário só um pouco de vontade política. Mas Dilma insistiu na aprovação de uma lei sobre o tema, para evitar inclusive a judicialização de um eventual decreto presidencial. Uma lei de universalização não é um instrumento ruim, mas apresenta riscos que devem ser considerados, entre eles a demora para sua aprovação e o de que uma alteração da LGT no Congresso pode acabar piorando a lei em seus outros aspectos, a depender da correlação de forças que se estabeleça.

Telebras

Outra promessa da candidata Dilma foi retomar a expansão da Telebras, congelada durante seu mandato, depois do impulso dado à estatal na segunda gestão de Lula. Dilma reconheceu que não será possível fazer a universalização do acesso sem ela, “que tem condições de trabalhar com pequenos e médios provedores e forçar a competição em mais de 800 municípios”, e sem recursos do orçamento geral da União.

Mas explicitou também que não há como o governo garantir sozinho um investimento deste porte no setor. “Não temos como fazer isso sozinhos. Achar que só o Estado dará conta desta tarefa é uma temeridade. Vamos fazer a universalização em quatro anos em parceria com as empresas, mas colocando metas e o que vier de investimento público como bens reversíveis”, declarou, defendendo então o regime misto para o serviço. Para atrair o interesse das empresas, Dilma prometeu juros subsidiados ao setor, com maior prazo e carência para pagamento dos empréstimos.

Mas, de novo aí, o problema da prestação do serviço apenas em regime privado persiste. Ao pretender universalizar o serviço de internet sem mudança para o regime público, a candidatura do PT bate pé em um modelo que apenas oferece recursos às empresas do setor sem exigir qualquer contrapartida. Isso seria fazer justamente o que a Presidenta não quer, ou seja, financiar a expansão da rede apenas com dinheiro público. O regime público garante, ao contrário, que haja de fato investimento privado e que o dinheiro público investido volte depois para o Estado, e não fique pra sempre como infraestrutura das empresas privadas.

O Brasil conhece bem essa história de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada no campo da internet. Foi exatamente isso o que aconteceu com o Programa Nacional de Banda Larga, lançado em 2010, sobre o qual Dilma não falou. O PNBL definia metas importantes para interiorizar e ampliar a infraestrutura para a conexão em localidades não atendidas pelo setor privado, mas a pressão das operadoras de telecomunicações levou ao seu esvaziamento pelo governo, e poucas ações do programa estão em andamento.

Com isso, o Brasil continua sem redes suficientes para atender a demanda crescente do país, principalmente onde não há interesse de mercado, do que decorrem as baixas velocidades de provimento do serviço de acesso à Internet, com preços elevados, de péssima qualidade e ainda para poucos”, diz o documento da Campanha da Banda Larga, que critica ainda o fato de as políticas para o setor terem sido construídas no governo Dilma de forma fragmentada e “sem diálogo efetivo com a sociedade, alinhando-se mais aos interesses das empresas privadas”.

Direitos e cultura digital

Os segundo e terceiro blocos de perguntas feitos à Presidenta trataram de direitos dos usuários na rede, cultura e políticas de inclusão digital.

Os ativistas da campanha lembraram que a conquista da aprovação do Marco Civil da Internet (MCI) não conseguiu evitar a imposição, por parte de setores vigilantistas, do artigo 15 do texto, que obriga a guarda massiva de dados pessoais para fins de investigação policial. E que, apesar da lei já estar em vigor, as empresas de telecomunicação, que por muito tempo tentaram barrar o Marco Civil por serem contra a neutralidade de rede, seguem violando tal princípio cotidianamente. As entidades debatedoras perguntaram que instrumentos o governo pretende criar para não transformar uma lei que garante direitos civis em um instrumento que aponta para a construção de uma sociedade vigiada, e o que a candidata pretende fazer para impedir que as empresas continuem quebrando a neutralidade de rede.

Dilma foi genérica. Acompanhada na atividade do deputado Alessandro Molon (PT/RJ), relator do Marco Civil na Câmara, ela lembrou que a aprovação do projeto dependeu de um acordo no Congresso que incluiu a inclusão do Artigo 15, e voltou a afirmar que acordos políticos não serão quebrados. Ficou claro, neste sentido, que o governo não espera operar durante a regulamentação da lei para reduzir os impactos do vigilantismo ali presente. Por outro lado, Dilma se comprometeu a dar atenção à lei de proteção de dados pessoais, cujo anteprojeto, formulado pelo Ministério da Justiça, está parado na pasta.

Sobre a quebra da neutralidade, Dilma se limitou a dizer que, após a regulamentação do Marco Civil, será preciso “fiscalizar e punir as empresas que estão desrespeitando a lei”. A candidata afirmou que a consulta pela regulamentação do MCI, esperada desde junho, será lançada logo após o período eleitoral, no início de novembro. “Temos que regulamentar o Marco Civil imediatamente. E fiscalizar e punir quem desrespeitar a neutralidade”, declarou.

Por fim, sobre cultura digital e modelo de desenvolvimento, a Campanha queria saber se o governo continuará gastando anualmente mais de R$ 2 bilhões em licenças e serviços de softwares proprietários enquanto aloca um recurso irrisório no desenvolvimento, manutenção e suporte de softwares livres e no apoio a comunidades de desenvolvedores. Ainda, interpelou a candidata à reeleição a respeito da retomada políticas mais amplas de inclusão cultural e digital, como os Pontos de Cultura e Pontos de Mídia Livre.

A candidata disse que pretende retomar a política dos Pontos de Cultura e que, no campo do software livre, é preciso encontrar mecanismos jurídicos e políticos para apoiar as comunidades de desenvolvedores. Dilma propôs o uso da ferramenta das compras governamentais para incentivar o desenvolvimento de softwares não proprietários e disse que apoiará a abertura de startups.

A avaliação das entidades que fazem parte da Campanha Banda Larga é Um Direito Seu, incluindo o Intervozes, é a de que o debate foi importante e positivo, na medida em que a candidata teve que se posicionar sobre tais temas, em alguns casos pela primeira vez.

A campanha reúne diversos coletivos e organizações da sociedade civil que atuam no campo da internet, e lançou, em agosto, uma carta às candidaturas com propostas de políticas públicas para o setor. Agora, espera dos candidatos/as que assumam compromissos em torno de temas como a infraestrutura e universalização do acesso à banda larga, promoção da cidadania e cultura digitais e regulamentação do Marco Civil da Internet ao longo do processo eleitoral. Dilma foi a primeira a atender ao convite da campanha. Agora começa a pressão para que os candidatos Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) também apresentem suas propostas.

* Bia Barbosa, Marina Cardoso e Pedro Ekman são integrantes do Intervozes e participam da Campanha Banda Larga é Um Direito Seu!

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo