Diversidade

Como tornar a comunicação mais acessível a pessoas com deficiência?

A invisibilidade forçada pelo sistema comunicacional, promovido por plataformas e suas telas, exclui quem deveria ser incluído

(Foto: José Cruz/Agência Brasil)
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Por Iraildon Mota

Instituído em 2005, o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, celebrado nesta terça 21, marca a luta por inclusão em uma sociedade capacitista. Quando o assunto é o direito humano à comunicação não é diferente. Mais do que receber informação, cada grupo social, inclusive as pessoas com deficiência, devem também ter meios, ferramentas e possibilidade de fazer circular suas próprias ideias a partir de seus contextos. Isto lhes permite pautar os debates públicos, desconstruir e construir mensagens as quais trazem suas necessidades latentes. Mas o que falta para que isso se torne uma realidade concreta?

O lema “Nada sobre nós sem nós”, adotado pelas pessoas com deficiência, aponta para essa determinação de buscar a plena participação e inclusão em todos os campos da sociedade. Além do consumo de informações midiáticas por meio de qualquer plataforma, também deve ser viabilizado às pessoas com deficiência formas de se “verem”, e de enxergarem suas demandas, que são legítimas. 

É exatamente aqui o começo do debate sobre o acesso amplo e adequado para as pessoas com deficiência visual, tendo a comunicação como direito humano. Segundo o IBGE (Censo 2010), o Brasil tem mais de 24% da população com algum tipo de deficiência. Ou seja, são mais de 45 milhões de pessoas. Isso é mais do que os 44,87% dos votos válidos para presidente do Brasil em 2018, alcançados no segundo turno por Fernando Haddad. 

Assim como na política, há relevância quantitativa e qualitativa por parte dessa minoria na comunicação também. Considerando apenas os vídeos comerciais exibidos na TV brasileira, quantos personagens com deficiência você já identificou? Em que circunstâncias eles aparecem? Tem algum como protagonista? Quantos jornalistas cegos são repórteres ou apresentadores na TV? No Piauí, temos um exemplo: Chico Costa, que apresenta o programa Ver, Ouvir e Sentir numa TV pública local. 

“Sou o único cego apresentador de TV do Piauí. Isso não me deixa orgulhoso porque sei que muitos mais têm a capacidade de fazer o mesmo, até melhor que eu. Mas sei que alguém precisa estar aqui neste espaço para valorizar a nossa história enquanto pessoa cega. Não podemos deixar a comunicação excluir se a gente disser como se sente.” Chico Costa é cego total. 

O caso de Chico Costa não é a regra, e isso não é por falta de lei. 

Lei da audiodescrição

Uma destas leis é a 10.098 de 2000, que prevê uma série de medidas para garantir que a programação de rádio e TV no Brasil seja acessível às pessoas com deficiência. Esta lei foi regulamentada pelo decreto 5.296 de 2004, e pela portaria 310, de junho de 2006. Entre as exigências desta lei, por exemplo, há a obrigatoriedade do uso de legendas ocultas (closed-caption) e de audiodescrição na programação de TV, facilitando o acesso à informação de pessoas surdas e cegas ou com baixa visão.

Nesta lei, não consta a quantidade de conteúdos a serem produzidos e exibidos de forma acessível, e nem quando deverá começar. Para este fim, foi criada a Norma Complementar 01/2006, que estabelece os prazos para a implantação e a quantidade de horas a ser produzida usando os recursos de acessibilidade como closed-caption e audiodescrição. Só que, para a Norma Complementar 01/2006 começar a valer, foi feita a portaria 310. 

No ano em que foi promulgada a lei, as emissoras de televisão alegavam falta de mão de obra qualificada para cumprir o calendário de implantação, além de argumentarem que os custos de produção seriam altos. Isso gerou algumas disputas judiciais.

Uma nova portaria, a de número 188, foi feita para alterar a Norma Complementar, estabelecendo novos prazos de implantação. Em resumo, a Lei 10.098 obriga as emissoras de TV a fazerem audiodescrição; a Norma Complementar 01/2006 estabelece os prazos e horas de produção; a portaria 310 faz valer a Norma Complementar; e a portaria 188 altera os prazos da Norma Complementar. 

O papel da comunicação na inclusão 

A Lei 13.146 de 2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, ratifica a obrigação dos veículos de rádio e TV adotarem as medidas técnicas necessárias para facilitar às pessoas com deficiência o acesso à informação e ao lazer. Esta lei é um marco regulatório consistente, resultado de anos de luta, busca por respeito e incidência política pautada por diversas instituições e pessoas com deficiência no Brasil. 

Não é difícil compreender que toda a relação entre uma sociedade e os produtos midiáticos que ela produz partem de causas, trazendo efeitos e podem ou não promover reflexão. O ideal é que tudo isso aconteça, mas que se converta em ação, considerando a capacidade e responsabilidade de cada ator social envolvido. 

Um filme, uma série, uma novela, um post, uma foto, uma imagem, um comercial de TV, uma reportagem, apresentam fragmentos da sociedade da qual em grande quantidade vão se formando conceitos sobre ela mesma. Sem a acessibilidade adequada para as pessoas com deficiência, temos na raiz a exclusão de parte da mesma sociedade.  

Considerando que as pessoas com deficiência são uma “minoria” relevante em quantidade e capacidade crítica no Brasil, a invisibilidade forçada pelo sistema comunicacional promovido por plataformas e suas telas, exclui quem deveria ser incluído. Na mesma linha, a forma estereotipada de apresentá-los não condiz com a inclusão dessas pessoas no mundo, embora elas estejam em todos os lugares e sequer são consideradas capazes. Estes dois pontos, sem dúvida, são elementos concretos que reforçam o preconceito e as crenças postas ao longo da história sobre pessoas com deficiência. A indústria cultural fecha os olhos para essas pessoas e abre as páginas, horários e os “bolsos” para outros interesses.  

A “não-presença” das pessoas com deficiência na TV reforça e reproduz muito mais que a ausência. Estimula, de maneira sutil, a anormalidade, fertilizando o campo para o preconceito e as crenças enviesadas. Quem nunca teve contato com uma pessoa com deficiência cria sua ideia e crença sobre ela, a partir do cinema, da TV ou através da parte rasa dos conteúdos que os algoritmos da internet mostram. Não vamos nem falar das imagens e vídeos sem descrição na rede. Não por não ser relevante, mas por exigir diversos pontos para debate, desde o acesso passando pela forma. Isso daria um outro artigo. 

Pessoas como a assistente social Solange Marques sentem na pele e no coração o quanto o preconceito é real. “Eu gostaria que a sociedade me enxergasse pelo que eu sou, pela minha essência, e não pela minha deficiência. Mas pela minha capacidade, pelo meu know how, pelas habilidades, pelas minhas competências. Não como um coitadinho, não como uma pessoa invisível, mas sim pelo meu potencial”, declara.

A TV, em especial, sofre uma limitação na programação forçada pelo modelo de negócio que a orienta e a sustenta no mercado: a publicidade. Tal limitação tende a piorar com a lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que permite que as emissoras de rádio e TV vendam 100% de sua programação, transformando as concessões públicas em um balcão de negócios. As empresas que vendem por meio da TV querem alcançar o maior número de pessoas com sua mensagem. Na maioria das vezes, a própria peça de comunicação – ou seja, a mensagem – não é acessível. O que faz o cliente veicular na TV é a audiência em primeiro plano. E o que torna o negócio da TV limitante para a pluralidade é que seu conteúdo se baseia em interesses comerciais e negociatas, com pouco ou nenhum espaço para conteúdos que reflitam a diversidade da nossa sociedade e cultura.

Portanto, se o canal de TV se sustenta da quantidade de telespectadores que lhe assiste, há uma inclinação de que essa TV não corra riscos que alterem sua audiência. Sendo assim, programas policialescos e reality shows são formatos presentes em horários nobres da TV, silenciando, muitas vezes, as pautas dos grupos vulnerabilizados. No caso dos policialescos, não só silenciando como também reforçando uma série de estereótipos racistas, misóginos, LGBTfóbicos e capacitistas.

Nesse tipo de programação padronizada perde-se a diversidade de pautas representativas. E quando as pessoas com deficiência são pautadas, elas aparecem a partir do senso comum, que a própria mídia ajuda a promover de forma superficial. É comum as pessoas com deficiência serem personagens das matérias jornalísticas retratadas como vítimas de caridade, incapacidade, ou como heróis de sua própria tragédia. Essa forma de pautar o tema cria estereótipos que geram pena e afastamento, em vez de promover respeito e inclusão. 

Há um “deserto” de pautas relacionadas à acessibilidade e à inclusão na televisão brasileira. Isto é visível e justificado por outros interesses dos meios de comunicação. No final das contas, é quase improvável se discutir de forma honesta sobre inclusão, sem o protagonismo que vive todos os desafios de existir como cidadãos e cidadãs. As pessoas com deficiência são tangenciadas de todo processo de produção comunicacional televisiva, sem o direito de serem ouvidas e vistas. 

Então, quais caminhos podemos trilhar? Um fato importante é que as rádios e TVs abertas no Brasil são concessões públicas. Só isso já daria o aval necessário para que cumprissem a lei. A lei existe, mas existe também o seu descumprimento. Os meios de comunicação deveriam estar comprometidos para tornar a sociedade mais justa, igualitária e acolhedora para as pessoas com deficiência. Mas embora tenha uma natureza pública, a televisão no Brasil se mantém por interesses privados. 

O que separa as pessoas com deficiências dos espaços televisivos, seja consumindo ou produzindo informação, não são impossibilidades técnicas, mas as barreiras atitudinais da comunicação. Ao superar essas limitações, a disseminação de informações e narrativas que superam a noção da deficiência como um problema individual, facilmente, as pessoas com deficiência seriam apresentadas em suas dimensões sociais e políticas, construindo o conceito prático de inclusão. 

Iraildon Mota é jornalista e relações públicas, fundador da ONG Comradio e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.  

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