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A aceitação das regras de Bolsonaro pela imprensa brasileira

Na reta final das eleições, o candidato do PSL continua controlando a opinião pública com a conivência de grandes grupos de comunicação

Enquanto se recusa a participar de debates, Bolsonaro se aproveita do espaço privilegiado em desacordo com a legislação
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Por Olivia Bandeira*

Pela primeira vez desde a redemocratização os eleitores brasileiros não terão a chance de ver os candidatos à presidência da República confrontarem suas propostas antes da votação do segundo turno.

Nesta segunda, dia 22 de outubro, mesmo depois de liberado por sua equipe médica, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) cancelou sua participação no último debate previsto para estas eleições. O debate aconteceria na Rede Globo na sexta-feira 26, às vésperas da votação. Bolsonaro afirmou à emissora que não irá por “limitações de saúde”. Mas, como informa o jornal O Estado de S.Paulo, o candidato tem declarado que esta é uma estratégia de campanha.

Diante da negativa de Bolsonaro, a emissora cancelou a programação eleitoral prevista para acontecer entre 22h e 23h40, não atendendo ao pedido da candidatura de Fernando Haddad (PT) de realizar entrevista com o candidato no horário. A decisão da emissora fere os interesses do eleitor brasileiro, que se viu privado, ao longo de todo o processo eleitoral, de ver as ideias dos candidatos debatidas com seriedade.

O candidato do PSL também se recusou a participar da sabatina promovida pelos jornais O Globo, Extra e Valor Econômico e pela revista Época, agendada para esta terça-feira 23. Como o próprio jornal informa, Bolsonaro não havia confirmado a disponibilidade para ser entrevistado por seus jornalistas até a noite anterior. A atitude do candidato é apresentada pelos veículos do Grupo Globo sem qualquer questionamento.

Outras emissoras tiveram atitude diferente diante da recusa de candidatos de participar da programação. Na própria segunda-feira 22, a TV Cultura manteve a entrevista com Haddad no Roda Viva, mesmo diante da recusa de Bolsonaro em participar do programa. Na terça-feira, a afiliada do SBT em Minas Gerais entrevistou o candidato ao governo do estado Antonio Anastasia (PSDB) por uma hora, diante da recusa de seu adversário, Romeu Zema (Novo), de não participar do debate previsto para o horário.

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A substituição de debate por entrevista com um candidato está prevista em resolução do Tribunal Superior Eleitoral (resolução n° 23.551/2017), que no artigo 40, inciso III, diz que “o horário designado para a realização de debate poderá ser destinado à entrevista de candidato, caso apenas este tenha comparecido ao evento”.

Enquanto se recusa a participar dos debates programados para o segundo turno – além do debate da Globo, o candidato não concordou em participar dos debates que seriam realizados pela Band, pela Record e pelo SBT -, Bolsonaro se aproveita do espaço privilegiado dado por emissoras de radiodifusão, em desacordo com a legislação eleitoral.

Em representação enviada ao Ministério Público Eleitoral, o Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) denunciaram o favorecimento do candidato Jair Bolsonaro por concessionárias de serviço de radiodifusão. O favorecimento fere o artigo 45 da Lei n° 9504/1997, que estabelece as normas eleitorais: “Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e em seu noticiário: IV – Dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”.

O caso mais explícito aconteceu na noite da quinta-feira, 4 de outubro, ainda no primeiro turno das eleições, quando a TV Record concedeu 26 minutos de exposição exclusiva a Jair Bolsonaro, em entrevista exibida em telejornal noturno. No mesmo horário, a Rede Globo exibia o debate com outros seis presidenciáveis. A entrevista aconteceu dias depois do dono da Record, Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, declarar apoio público ao candidato do PSL.

Na semana anterior, Bolsonaro havia se beneficiado de espaço privilegiado em outras emissoras. No dia 28 de setembro, a Rede TV veiculou entrevista exclusiva, por 26 minutos, no programa RedeTV News. No mesmo dia, a TV Bandeirantes exibiu conteúdo semelhante por 45 minutos, no programa Brasil Urgente.

O incentivo da mídia brasileira

Não é só na radiodifusão que alguns grupos de mídia têm dado apoio ao candidato do PSL. A representação do Intervozes e do FNDC ao MPE mostra, por exemplo, o favorecimento jornalístico ao candidato Jair Bolsonaro nas páginas do portal R7, do Grupo Record. No dia 9 de outubro, o portal publicou matéria sob o título “Um dos principais jornais de negócios do mundo elogia Bolsonaro”, em referência a um editorial do The Wall Street Journal.

Ao mesmo tempo, o site de notícias do grupo de Edir Macedo omitiu que dezenas de jornais internacionais, entre eles o norte-americano The New York Times, os franceses Le Figaro e Le Monde, o espanhol El País e o alemão Der Spiegel fizeram diversas matérias mostrando Bolsonaro como uma ameaça à democracia.

Para favorecer o candidato do PSL, muitos jornalistas têm sido pressionados e assediados nas redações. No dia 10 de outubro, o jornalista Ricardo Noblat afirmou, em sua conta no Twitter, que jornalistas da Record e da Bandeirantes receberam ordens para produzir reportagens contra a candidatura de Fernando Haddad e seus aliados.

Segundo o jornalista, o clima nas emissoras é “de desolação, de revolta e, em alguns casos, até de choro”. No dia 13 de outubro, reportagem do The Intercept Brasil revelou o quadro de assédio moral contra os trabalhadores da empresa e os bastidores do favorecimento do grupo Record ao candidato Bolsonaro.

Na manhã de terça-feira 23, no programa Bom Dia com Rogério Mendelski, na Rádio Guaíba de Porto Alegre (RS), também do Grupo Record, o jornalista Juremir Machado da Silva, que trabalhou na rádio por 10 anos, pediu demissão ao vivo, denunciando censura ao trabalho jornalístico. A demissão ocorreu após o final da entrevista com Bolsonaro, na qual os entrevistadores do programa, com exceção do âncora, foram proibidos de fazer perguntas.

Enquanto escolhe onde, quando e a quem dar entrevistas, Bolsonaro e seus seguidores atacam qualquer veículo de comunicação que questione suas ações. No último domingo (21), em vídeo divulgado nas redes sociais e exibido em um telão na Avenida Paulista, o candidato ameaçou censurar a Folha de S.Paulo – único entre os grandes meios a produzir matérias em tom mais crítico neste segundo turno – caso seja eleito: “A Folha de S. Paulo é o maior fake news do Brasil (sic). Vocês não terão mais verba publicitária do governo”.

O ataque foi uma resposta à matéria publicada pela Folha em 18 de outubro, na qual o jornal denunciou que a campanha de Bolsonaro estaria ferindo a legislação eleitoral ao utilizar dinheiro não declarado de empresas para disseminar conteúdos anti-PT pelo WhatsApp.

Ao mesmo tempo, a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da matéria com a denúncia de caixa 2, recebeu uma série de ataques e ameaças de apoiadores do candidato nas redes sociais e em seu e-mail. Ela também teve seu WhatsApp hackeado. Nesta terça-feira, a Folha entrou com representação no TSE pedindo que a Polícia Federal garanta a proteção dos profissionais e instaure inquérito para investigar as ameaças sofridas pela jornalista e por outros profissionais do grupo.

Da recusa a participar de debates às intimidações à imprensa, aos jornalistas e aos seus opositores – no mesmo tom do discurso exibido na Avenida Paulista, o candidato ameaçou banir ou prender todos aqueles que lhe fizerem oposição –, Bolsonaro segue ameaçando a liberdade de imprensa no Brasil, diante do silêncio ou do incentivo quase geral da mídia brasileira.

* Olivia Bandeira é jornalista, doutora em Antropologia e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

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