Diálogos da Fé

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Você sabe quem é o Orixá Orí?

O babalorixá Sidnei Nogueira de Xangô responde

É hora de consultar os orixás (Foto: Tânia Rego/ABr)
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A palavra Orí faz parte do vocabulário da língua iorubá. A língua iorubá é uma das línguas mais faladas da Nigéria juntamente com o igbo, o hauçá, o inglês e outras línguas. A Nigéria, oficialmente República Federal da Nigéria, é uma república constitucional federal que compreende 36 estados e o Território da Capital Federal. O país está localizado na África Ocidental e compartilha fronteiras terrestres com a República do Benim a oeste; com Chade e Camarões a leste e com o Níger ao norte. Sua costa encontra-se ao sul, no Golfo da Guiné, no Oceano Atlântico.

A língua iorubá é falada principalmente na parte sudoeste da Nigéria e no Benim, onde cerca de 17% da população fala este idioma. Iorubá ou ioruba (èdè Yorùbá), por vezes referida como yorùbá, yoruba ou iorubá, na língua portuguesa, é um idioma da família linguística nigero-congolesa. Trata-se de um idioma falado secularmente pelos iorubás em diversos países ao sul do Saara, principalmente na Nigéria e por um grupo menor do Benim, Togo e Serra Leoa, dentro de um contínuo cultural-linguístico composto por 50 milhões de falantes.

No continente americano, o iorubá é usado em ritos religiosos afro-brasileiros (onde é chamado de nagô) e afro-cubanos (onde é conhecido também por lucumí). Em iorubá, existem três tons — alto, médio e baixo — que afetam o significado das palavras. O ioruba pegou emprestado muitos vocábulos do árabe e do hauçá. Nele, também é possível duplicar palavras para dar mais ênfase.

A palavra Orí é muito comum nas religiões de matriz africana no Brasil, principalmente nas diferentes nações de Candomblé, RTY – Religião Tradicional Yoruba, Ifá e tradições irmãs. Você já deve ter ouvido as expressões “preciso cuidar do meu Orí”, “Vou tomar b’ Orí”, “Reze ao seu Orí”, “Faça um banho para o seu Orí”, “Alimente seu Orí com bons pensamentos e boas palavras”, “Cuidado com o que você faz com seu Orí”, “Nenhum Orixá abençoa seu filho se Orí não permitir”.

A palavra iorubá Orí descreve o recipiente que é capaz de processar os pensamentos. Para a filosfia de Ifá, a consciência se constitui como uma integração de pensamentos e emoções. Quando um ancião de Ifa está provocando alguém para que pense coerentemente, eles normalmente apontam para o coração e não para a cabeça. A integração de pensamento e emoção cria Orí Irê ou a sabedoria. Ifa diz “Ologbon a d’omugo l’ai l’ogbon-inu”, o que significa que a pessoa que falha em fazer uso de sua sabedoria se torna um tolo. Há um outro provérbio iorubá que diz que “Só o tolo tenta fazer fogueira com lenha molhada” e isso se refere a capacidade de pensar e usar as coisas com sabedoria, encarando a realidade da vida e das coisas.

Por que Orí é uma divindade? Porque a mente, em linhas gerais, permite ao ser humano compilar informação, analisá-la e extrair conclusões. Pode-se dizer que a mente é responsável pela criação de pensamentos, pelo raciocínio, pelo entendimento de tudo que nos cerca, pela memória, pela emoção, pela imaginação e, sobretudo, pelo modo como percebemos e interpretamos tudo que acontece ao nosso redor. Para os iorubás, a mente pode trazer a cura ou o adoecimento. Por isso, a cabeça é também uma divindade e deve, de acordo com a cultura das religiões de matriz africana, receber cuidados espirituais, culto e adoração.

É preciso cuidar espiritualmente de Orí, para que ele aceite as mudanças, para que ele assimile com suavidade as lições da vida, os desafios, as dificuldades e aceite as necessárias e inevitáveis mudanças. A cultura das religiões de matriz africana acredita que a resistência as mudanças adoecem Orí e pode torná-lo violento, bem como voltar-se contra a pessoa.

Quando Orí está inteiro, cuidado, nutrido, o inimigo interno não tem nada a temer dos inimigos externos. A cultura de Ifá está centrada na ideia de conquistar o inimigo interior. A assimilação suave das lições da vida é chamada de “Irê”. A palavra para resistência às lições e aos desafios da vida é “Ibí”. Em iorubá, a palavra ibí significa pós-nascimento. Segurar a placenta após o parto pode ser fatal. O uso da palavra ibí no contexto da cultura de Ifá sugere que a pessoa está se apegando a formas de pensamento (dogmas e ideias fixas) que são resistentes à lição em questão (irê). Eu descreveria ibí como oposição a abraçar uma visão de mundo aberta. Ibi é a solidificação do dogma; realiza-se como uma prisão em nossa vida. O Candomblé soma-se a esta ideia dizendo que o Orixá Exu é a própria mutabilidade e a única certeza da vida. Portanto, a divindade Orí precisa ser alimentada com aceitação da mudança.

A solidificação de uma ideia ocorre porque o abandono de crenças fortemente arraigadas é experimentado como perda do próprio eu. Literalmente, a pessoa sente isso como uma ameaça a sua própria existência física e emocional. Mais precisamente, a deveria, para a saúde de Orí, ser sentida como uma morte espiritual que estabeleceria as bases para o renascimento e o crescimento contínuo.

Entretanto, a morte do velho eu é assustadora e raramente vem sem luta ou resistência. Ifá diz que isso é “Iberu” ou seja, “Fa iku ara tabi ti emi”, o que significa que o medo é o pai da morte prematura. A resistência à mudança requer esforço em tempo integral. Se você concentrar toda a sua atenção em ignorar suas lições, não haverá tempo para viver o momento. Deixar de viver o momento é extremamente perigoso para Orí, ou seja, Orí é, a um só tempo, forte e frágil e se acostuma aos nossos padrões de comportamento, sejam eles bons ou ruins para nós.

No Candomblé, a mãe de Orí é Iemanjá, ela acalma Orí, ela cuida e orienta Orí. Depois de Exu, Orí é sempre o primeiro Orixá a ser cuidado antes dos demais Orixás. Há os rituais de alimentar a cabeça espiritual, a cabeça interior que são chamados de “bóri” – dar de comer à cabeça. Trata-se de um ritual em que a cabeça recebe oferendas e orações específicas com vistas ao fortalecimento e manutenção da harmonia de Orí. Há casos em que algumas coisas se revelam e ganham compreensão somente após estes rituais. Diz-se que a verdade vem de Orí. Orí consegue ver a verdade dos fatos com mais nitidez quando está alimentado.

Mas, todos podem cuidar de Orí, independente dos rituais específicos do Candomblé e das religiões irmãs. Bons pensamentos, boas palavras, autoamor, a verdade, o afastamento de ilusões e boas relações familiares, boas amizades, boas conversas fazem bem para Orí; aprender algo novo, aprender a falar uma língua diferente da sua nativa, divertir-se e nutrir-se de coisas prazerosas também podem ser considerados rituais cotidianos para Orí. Há também orações específicas para a manutenção de Orí em irê.

Em tempos de caos, de muito medo, de grandes incertezas no mundo, todos nós precisamos cuidar dos nossos Orís. Há um provérbio iorubá que diz “O bom Orí é como terra doce”, ou seja, um bom Orí adoça o mundo e não faz mal a ninguém. Cuidemos dos nossos Orí para que eles possam seguir adoçando as nossas vidas e o mundo.

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