Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Uma ação extremista contra as feministas cristãs: quando o ódio é a religião

Não podemos admitir que deputados eleitos usem da estrutura parlamentar e de discursos mentirosos para gerar uma divisão religiosa no país

Deputada estadual de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL) - Reprodução Facebook
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As mídias sociais têm sido um ambiente hostil nos últimos anos. O sensacionalismo e a busca desenfreada por engajamento são um desserviço para a democracia e, sobretudo, para a garantia dos direitos constitucionais. Temos vivido em tempos difíceis, em que as mentiras ganharam proporção hercúlea de difusão, tendo em vista a popularização das redes sociais e dos aplicativos de mensagens instantâneas. 

Como tenho registrado neste espaço, eu sou uma feminista evangélica. Não abro mão de nenhuma das pautas do feminismo: direito ao corpo, igualdade entre os gêneros, o respeito às diversas identidades de gênero e ao protagonismo das mulheres na política e nas suas espiritualidades.

Por conta de minhas posturas, tenho enfrentado um sem-número de ataques de pastores conservadores, de defensores da família patriarcal, dentre outros atores da mesma tendência. 

É uma batalha que travamos há muitos anos. A máquina do ódio, contudo, tem mostrado novas armas. A narrativa reacionária de defesa da família e da religião cristã foi substituída pelo franco ataque e demonização das pessoas. Isto, na atual conjuntura, traz riscos de segurança para as militantes religiosas que enfrentam todo o aparelhamento político da fé e o uso da religião para impedir que mulheres tenham direitos. 

A exemplo disto, temos o caso da Pastora Odja de Barros que sofreu ameaça de morte no início de 2022, justamente porque realizou uma cerimônia de casamento entre duas mulheres.

Temos ainda a reverenda Alexya Salvador que está em um disputa judicial com o pastor midiático Silas Malafaia, pelas posturas transfóbicas que ele tem tomado.

Houve ainda uma onda de ódio contra a pastora luterana Lusmarina Garcia, quando ela atuou na reconstrução de um terreiro atacado por fundamentalistas religiosos, no Rio de Janeiro.

Há alguns anos, Camila Mantovanni teve que deixar o Brasil por perseguição e ameaça a ela e sua família, por conta de sua fé libertária e feminista. 

Agora, no último 6 de outubro, a deputada estadual Ana Campagnolo (PL-SC), autodeclarada evangélica presbiteriana, orquestrou uma onda de ataques nas mídias sociais contra mim, incitando seus mais de um milhão de seguidores a entrarem em meus perfis e comentarem: “Não existe feminista cristã. Toda feminista é abortista. Toda abortista é do demônio”. 

Percebam que o modus operandi sempre é o mesmo: uma ação orquestrada por uma liderança da extrema-direita, convocando seus seguidores a repetirem em escala gigantesca uma ideia que, na concepção deles, defenderia a família e os bons costumes – e, para isso, mentir é o menor dos problemas.       

Neste segundo turno, onde associar candidatos ao satanismo tem sido a principal ferramenta utilizada para descredibilizá-los, abriu-se a porta do ódio e da violência contra indivíduos. Esta onda de ódio desenfreada nas redes é perigosa, porque elas também mobilizam a vida offline, ou seja, a vida real. Ofensas virtuais podem se transformar em ameaças físicas. Demonizar pessoas é desumanizar ao ponto de defender que essas pessoas não mereçam viver.

Estas pessoas, de fato, são pró-vida? De quem? Direcionar ódio a mulheres que denunciam toda violência de gênero na qual estamos submersos é defender a vida? Ameaçar de morte é defender a vida? Calar as vozes proféticas que denunciam um sistema de utilização barata da fé para palanque político eleitoreiro, é defender a vida? 

A ação da deputada contra mim é antidemocrática e criminosa. Usar de sua visibilidade e a estrutura pública do seu gabinete para destilar ódio contra mulheres defensoras dos direitos humanos não é o que esperamos de uma parlamentar. Tal atitude deve ser responsabilizada judicialmente. Não podemos naturalizar que deputados eleitos usem da estrutura parlamentar e de discursos mentirosos para gerar uma divisão religiosa no país, divisão a qual faz do ódio a verdadeira religião proclamada por estes grupos. 

A guerra religiosa instaurada nestas eleições, uma falsa guerra do bem contra o mal, tem causado dor e separação. Famílias e comunidades de fé estão divididas pelo ódio, e temos um país que, infelizmente, aprendeu a se comunicar apenas por esta gramática. 

Essa guerra vai deixar um rastro de destruição que demoraremos muito a superar. Faz-se necessário que entendamos que o Estado é Laico, que não se pode usar a religião como pauta política e muito menos usar a religião para causar perseguição de grupos religiosos que não sejam cristãos, inclusive, a perseguição de pessoas que não são religiosas. 

Por fim, faço um chamado às comunidades evangélica e católica brasileiras: não podemos continuar endossando um sistema que usa nossa fé apenas para obter poder e estrutura política para benefícios de alguns grupos religiosos. Essa conta chegará muito em breve, quando não nos sentiremos bem em meio aos nossos. Quando as liberdades democráticas e possibilidade de divergir sobre diversos assuntos, nos forem retiradas. Está em curso um plano de silenciamento das pessoas com o uso do nome de Deus para criar ódio e perseguição. 

Aprendemos com Jesus de Nazaré que o amor é soberano sobre todas as coisas, que usar a religião para manter status e poder é farisaísmo, que a verdadeira devoção é humilde e generosa. Não podemos cair nesse poço sem fundo de ódio. Ainda há tempo de recuperar o verdadeiro sentido da fé: a dignidade de todas pessoas que são, em sua diversidade, imagem e semelhança de Deus. 

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