Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Quem são os evangélicos que apoiam Bolsonaro?

A grande, diversa e complexa fatia desta parcela de cristãos brasileiros pode ser dividida em três subgrupos

Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Pastor Silas Malafaia e outros pastores evangelicos Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Pastor Silas Malafaia e outros pastores evangelicos
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Este artigo é uma continuação daquele de minha autoria, publicado em Diálogos da Fé na semana passada. O texto foi instigado pelo inabalável apoio de evangélicos ao governo do presidente Jair Bolsonaro, segundo as últimas pesquisas de opinião, que o classificam como “bom ou ótimo”.

Redigi uma tentativa de resposta à questão que não quer calar: o que leva fiéis de uma doutrina baseada no amor, na misericórdia, na paz, na humildade, a apoiar um líder cujas atitudes são radicalmente opostas a estes valores?

A partir desta questão, tentei construir uma tipologia, com base nas pesquisas sobre o cenário evangélico, nas quais me debruço desde 1999.

Dividi a grande, diversa e complexa fatia deste grupo do cristianismo no Brasil em três subgrupos:

O primeiro, já descrito no artigo anterior, é formado por líderes (pastores, bispos, apóstolos, missionários) que declaram apoio a Jair Bolsonaro desde 2018. Entre eles estão personagens de grandes igrejas pentecostais (e de outras nem tanto) que alcançaram status, patrimônio e influência na mídias e no parlamento.

Estão neste grupo também personagens de igrejas classificadas como históricas ou tradicionais, majoritariamente batistas e presbiterianas. É esta última parcela que credencia ideologicamente o governo, fornecendo, inclusive, quadros para os ministérios. 

O governo Bolsonaro construiu aliança com batistas, presbiterianos, metodistas e luteranos, que historicamente exercem influência na vida nacional. Ele é proprietário de escolas e universidades, e tradicionalmente promove projetos de ação social, tendo ocupado, no passado recente, posições, por exemplo, no Conselho Nacional de Educação e em instâncias jurídicas. Este grupo também tem representação no parlamento e busca influenciar por meio de segmentos como a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (ANAJURE) e programas missionários que têm indígenas e jovens como públicos prioritários.

O segundo grupo diz respeito ao extenso número de líderes (pastores, pastoras, bispos, presidentes de igrejas, pessoas leigas que ocupam cargos de poder em suas igrejas) que silenciam e não tornam explícito o seu apoio ao governo.

E o terceiro, a massa composta por membros das igrejas e fiéis simpatizantes do mundo evangélico, que pertencem, majoritariamente, às classes populares, mas integram também classes médias.

A compreensão deste fenômeno demanda pesquisas qualitativas mais densas. Entretanto, proponho-me a fazer algumas inferências. 

O presidente eleito Jair Bolsonaro durante reunião com a bancada evangélica no gabinete de transição, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília. Foto: Rafael Carvalho/Governo de Transição/Ag.Brasil

As igrejas históricas

A trajetória das chamadas igrejas históricas é marcada pelo moralismo puritano, mas também por um tipo de compromisso social. Isto pode gerar nesses líderes certo constrangimento ou vergonha do alinhamento a Bolsonaro. Pode, ainda, suscitar receio de julgamento negativo de pares mais críticos e da própria membresia.

Uma análise do discurso contido em perfis de mídias sociais de pessoas deste grupo, que acompanho desde 2016, é reveladora desta postura.

De várias dessas exposições em mídias, pode-se inferir também que o discurso sexista, racista e homofóbico de Jair Bolsonaro afague as posições explícitas ou mais íntimas de parcela dessas lideranças, embaladas por uma moralidade ressentida com os governos anteriores. Pode-se ainda pensar que alguns desses líderes atuem por oportunismo, dedicando apoio a quem se mostra mais forte e embarcando na onda da “hora e vez dos evangélicos”. 

Mais uma vez, vale registrar a importância de um aprofundamento com pesquisas que nos levem além destas proposições e que fujam de lugares comuns no trato deste tema.

Os fiéis

A massa de bolsonaristas composta por membros das igrejas e fiéis simpatizantes do mundo evangélico, seguem sendo contados nas pesquisas de opinião como fonte de “apoio inabalável”. 

Os mais de 30 anos de cultura gospel, que embasaram o crescimento numérico, geográfico e patrimonial do segmento, intensificaram o individualismo que está no DNA do jeito de ser evangélico.  As bases foram as teologias da prosperidade e da guerra espiritual, que abrasaram a arrogância do exclusivismo religioso que marca este grupo cristão, e oferecem, por hipótese, uma explicação. 

Esta cultura formou uma geração de evangélicos cuja expressão religiosa é ancorada em chavões como “Deus está no controle”, “estar na visão”, “tomar posse da bênção”, “pare de sofrer!”, “pisar na cabeça do inimigo”, “Deus é fiel em retribuição à fidelidade no dízimo e na frequência a uma comunidade de fé”, entre tantas outras.  

A orientação para “seguir os líderes”, os que “têm a visão” também favorece o alinhamento com o bolsonarismo. O fenômeno também potencializa o que alguns estudiosos chamam de “trânsito religioso”: a opção de fiéis pela não vinculação formal, a fim de transitar por igrejas que mais satisfazem suas necessidades prementes. 

As noções de “proteção à família” e empreendedorismo — como no mote repetido nas igrejas “somos cabeça e não cauda” responde ao imaginário de pessoas simples, religiosas ou não. Também ressoa nas classes médias, que se orientam por desejos, busca de harmonia, estabilidade e felicidade, ancoradas em um passado idealizado de privilégios de classe e de invocação da meritocracia. 

É preciso considerar ainda os imaginários utilizados pela campanha de Jair Bolsonaro. Um deles é o do mártir salvador, messias ungido, evocado no “episódio da facada”, que, se configura no combatente dos “inimigos da pátria” (movimentos sociais e partidos que atuam para “destruir a família”). 

Também não se pode desprezar ainda o efeito do apelo com o qual o presidente do Brasil recorre com a imagem do homem de gestos e costumes simples, que diz o que pensa sem medir consequências, que não tem medo de opositores, não deve nada a ninguém e daquele que manda com “autoridade”. 

Destas ideias fica outro desafio: mais do que pensar o perfil dos evangélicos do país que apoiam Bolsonaro, é preciso refletir sobre os que o rejeitam. Trata-se de uma parcela importantíssima, especialmente para aqueles que sonham com a reconstrução deste Brasil em frangalhos. Retomo o assunto num próximo artigo.

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