Diálogos da Fé

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Quem são os evangélicos que apoiam Bolsonaro?

A grande, diversa e complexa fatia desta parcela de cristãos brasileiros pode ser dividida em três subgrupos

Quem são os evangélicos que apoiam Bolsonaro?
Quem são os evangélicos que apoiam Bolsonaro?
Jair Bolsonaro durante encontro com pastores evangelicos, em 7 de setembro de 2020. Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Pastor Silas Malafaia e outros pastores evangelicos
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Este artigo é uma continuação daquele de minha autoria, publicado em Diálogos da Fé na semana passada. O texto foi instigado pelo inabalável apoio de evangélicos ao governo do presidente Jair Bolsonaro, segundo as últimas pesquisas de opinião, que o classificam como “bom ou ótimo”.

Redigi uma tentativa de resposta à questão que não quer calar: o que leva fiéis de uma doutrina baseada no amor, na misericórdia, na paz, na humildade, a apoiar um líder cujas atitudes são radicalmente opostas a estes valores?

A partir desta questão, tentei construir uma tipologia, com base nas pesquisas sobre o cenário evangélico, nas quais me debruço desde 1999.

Dividi a grande, diversa e complexa fatia deste grupo do cristianismo no Brasil em três subgrupos:

O primeiro, já descrito no artigo anterior, é formado por líderes (pastores, bispos, apóstolos, missionários) que declaram apoio a Jair Bolsonaro desde 2018. Entre eles estão personagens de grandes igrejas pentecostais (e de outras nem tanto) que alcançaram status, patrimônio e influência na mídias e no parlamento.

Estão neste grupo também personagens de igrejas classificadas como históricas ou tradicionais, majoritariamente batistas e presbiterianas. É esta última parcela que credencia ideologicamente o governo, fornecendo, inclusive, quadros para os ministérios. 

O governo Bolsonaro construiu aliança com batistas, presbiterianos, metodistas e luteranos, que historicamente exercem influência na vida nacional. Ele é proprietário de escolas e universidades, e tradicionalmente promove projetos de ação social, tendo ocupado, no passado recente, posições, por exemplo, no Conselho Nacional de Educação e em instâncias jurídicas. Este grupo também tem representação no parlamento e busca influenciar por meio de segmentos como a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (ANAJURE) e programas missionários que têm indígenas e jovens como públicos prioritários.

O segundo grupo diz respeito ao extenso número de líderes (pastores, pastoras, bispos, presidentes de igrejas, pessoas leigas que ocupam cargos de poder em suas igrejas) que silenciam e não tornam explícito o seu apoio ao governo.

E o terceiro, a massa composta por membros das igrejas e fiéis simpatizantes do mundo evangélico, que pertencem, majoritariamente, às classes populares, mas integram também classes médias.

A compreensão deste fenômeno demanda pesquisas qualitativas mais densas. Entretanto, proponho-me a fazer algumas inferências. 

O presidente eleito Jair Bolsonaro durante reunião com a bancada evangélica no gabinete de transição, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília. Foto: Rafael Carvalho/Governo de Transição/Ag.Brasil

As igrejas históricas

A trajetória das chamadas igrejas históricas é marcada pelo moralismo puritano, mas também por um tipo de compromisso social. Isto pode gerar nesses líderes certo constrangimento ou vergonha do alinhamento a Bolsonaro. Pode, ainda, suscitar receio de julgamento negativo de pares mais críticos e da própria membresia.

Uma análise do discurso contido em perfis de mídias sociais de pessoas deste grupo, que acompanho desde 2016, é reveladora desta postura.

De várias dessas exposições em mídias, pode-se inferir também que o discurso sexista, racista e homofóbico de Jair Bolsonaro afague as posições explícitas ou mais íntimas de parcela dessas lideranças, embaladas por uma moralidade ressentida com os governos anteriores. Pode-se ainda pensar que alguns desses líderes atuem por oportunismo, dedicando apoio a quem se mostra mais forte e embarcando na onda da “hora e vez dos evangélicos”. 

Mais uma vez, vale registrar a importância de um aprofundamento com pesquisas que nos levem além destas proposições e que fujam de lugares comuns no trato deste tema.

Os fiéis

A massa de bolsonaristas composta por membros das igrejas e fiéis simpatizantes do mundo evangélico, seguem sendo contados nas pesquisas de opinião como fonte de “apoio inabalável”. 

Os mais de 30 anos de cultura gospel, que embasaram o crescimento numérico, geográfico e patrimonial do segmento, intensificaram o individualismo que está no DNA do jeito de ser evangélico.  As bases foram as teologias da prosperidade e da guerra espiritual, que abrasaram a arrogância do exclusivismo religioso que marca este grupo cristão, e oferecem, por hipótese, uma explicação. 

Esta cultura formou uma geração de evangélicos cuja expressão religiosa é ancorada em chavões como “Deus está no controle”, “estar na visão”, “tomar posse da bênção”, “pare de sofrer!”, “pisar na cabeça do inimigo”, “Deus é fiel em retribuição à fidelidade no dízimo e na frequência a uma comunidade de fé”, entre tantas outras.  

A orientação para “seguir os líderes”, os que “têm a visão” também favorece o alinhamento com o bolsonarismo. O fenômeno também potencializa o que alguns estudiosos chamam de “trânsito religioso”: a opção de fiéis pela não vinculação formal, a fim de transitar por igrejas que mais satisfazem suas necessidades prementes. 

As noções de “proteção à família” e empreendedorismo — como no mote repetido nas igrejas “somos cabeça e não cauda” responde ao imaginário de pessoas simples, religiosas ou não. Também ressoa nas classes médias, que se orientam por desejos, busca de harmonia, estabilidade e felicidade, ancoradas em um passado idealizado de privilégios de classe e de invocação da meritocracia. 

É preciso considerar ainda os imaginários utilizados pela campanha de Jair Bolsonaro. Um deles é o do mártir salvador, messias ungido, evocado no “episódio da facada”, que, se configura no combatente dos “inimigos da pátria” (movimentos sociais e partidos que atuam para “destruir a família”). 

Também não se pode desprezar ainda o efeito do apelo com o qual o presidente do Brasil recorre com a imagem do homem de gestos e costumes simples, que diz o que pensa sem medir consequências, que não tem medo de opositores, não deve nada a ninguém e daquele que manda com “autoridade”. 

Destas ideias fica outro desafio: mais do que pensar o perfil dos evangélicos do país que apoiam Bolsonaro, é preciso refletir sobre os que o rejeitam. Trata-se de uma parcela importantíssima, especialmente para aqueles que sonham com a reconstrução deste Brasil em frangalhos. Retomo o assunto num próximo artigo.

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