Diálogos da Fé

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Quem são os deputados evangélicos pró-direitos que ajudaram a formular a Constituição

Eram seis deputados e uma deputada que enfatizavam, entre outras pautas, direitos das crianças, das mulheres, das pessoas negras, dos trabalhadores e a reforma agrária

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Neste 5 de outubro, se completam 35 anos da promulgação da Constituição Federal do Brasil, a que leva o adjetivo “Cidadã”, conquistada no processo de reconstrução da democracia, depois de 21 anos de ditadura militar.

Embora muitas igrejas e suas lideranças tenham sido apoiadoras e sustentadoras do regime militar, no processo de redemocratização instaurado a partir de 1985, há marcas fortes da presença de pessoas cristãs, católicas e evangélicas, na resistência e na luta pelos direitos humanos e pela volta à democracia no país. Essas pessoas lutaram e resistiram por causa de sua fé e por seu compromisso cristão.

Diversas foram as iniciativas de grupos cristãos, com base ecumênica, que contribuíram para a denúncia e o fim do autoritarismo. Uma das mais destacadas foi o projeto Brasil Nunca Mais, que ajudou a documentar o que ocorria nos porões da ditadura militar, ao lado da atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e de projetos como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e o Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Estes e outros tantos movimentos e organizações de cunho cristão, contribuíram decisivamente para a criação de uma estratégia de oposição ao Estado de exceção, em defesa da democracia e dos direitos que eram negados a contestadores do regime ditatorial e a outros brasileiros e brasileiras. Entre estes eram enfatizados: trabalhadores das cidades e do campo, mulheres, pessoas negras, indígenas, empobrecidos, crianças, adolescentes e jovens, professores e estudantes, imigrantes, meio ambiente, entre tantos outros seres humanos, indivíduos e grupos, e outras espécies, tornados vulneráveis pelo projeto de poder militar.

Com a conquista, em 1985, do Estado Democrático de Direito e do processo de elaboração de uma nova Constituição, estas pessoas e grupos resistentes e as novas lideranças que emergiram se articularam pela defesa da pauta dos direitos, em especial daqueles vulnerabilizados.

É sempre importante lembrar que as disputas em torno do que conteria a nova Constituição, consolidou a presença evangélica na política no Brasil. Foram 32 parlamentares eleitos, em 1986, para o Congresso Constituinte, o que significou a formação da primeira Bancada Evangélica na Câmara Federal.  O predomínio pentecostal passou a ser agudo a partir daí, e foram as Assembleias de Deus que garantiram maioria na Bancada (o que se mantém até hoje). O momento coincide com o crescimento numérico e geográfico do pentecostalismo no Brasil e inaugura o ativismo político do segmento. 

Os vários estudos sobre o período afirmam que os evangélicos mergulharam na esfera política instigados (como seus pares nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1932) pelo temor de que a Igreja Católica ampliasse seus privilégios pelo Estado por meio do processo de redação da nova Carta Magna. 

Um texto encaminhado ao Presidente da República José Sarney por uma comissão de pastores e parlamentares evangélicos, em 3 de dezembro de 1985, defendendo pautas como liberdade religiosa e preservação da autonomia Igreja/Estado expressa bem o sentimento em vigor. Um seminário, promovido pela Ordem dos Ministros Batistas do Rio de Janeiro, foi realizado naquele mesmo ano, intitulado “Os evangélicos e a Constituinte”. O documento final da reunião, datado de 29 de novembro daquele ano, expressava: “[a defesa da] separação entre a Igreja e o Estado, o respeito às liberdades e aos direitos humanos. […] Um tratamento equânime, da parte do Estado, para todos os credos e confissões religiosas. Abominamos quaisquer tipos de privilégios. Não os queremos para nós, nem os aceitamos quando favorecemos a outros”. 

Aqui cabe, entre parênteses, o registro do desafio de se avaliar em outro artigo o quanto as lideranças evangélicas retrocederam, em relação ao que eram suas posições públicas frente ao Estado laico, em 1985.

O novo bloco evangélico na Assembleia Constituinte acabou formado por maioria de parlamentares que atuou mais intensamente na defesa das chamadas “pautas morais e comportamentais”, com discursos “anticomunismo” e desprezo às questões sociais mais profundas. O grupo colaborou com a formação do chamado “Centrão”, para negociar votos a partir dos interesses do governo federal da época, e contribuiu com as pautas pró-liberalismo econômico. 

Porém, é de fundamental importância, nestes 35 anos de promulgação da Constituição Federal, recordar a presença dos evangélicos resistentes a este processo. O grupo era minoritário, mas teve participação muito relevante, seja por alguns atuarem como lideranças de partidos, seja por se destacarem nos debates parlamentares. Eram seis deputados e uma deputada que enfatizavam, entre outras pautas, direitos das crianças, das mulheres, das pessoas negras, dos trabalhadores e a reforma agrária. 

Com o desenvolvimento dos trabalhos da Assembleia Constituinte e a incompatibilidade de objetivos dos integrantes da nova bancada evangélica, não tardou que se formasse um grupo de dissidentes. Estes parlamentares passaram a atuar mais identificados com as orientações de seus partidos do que com os interesses das agremiações cristãs. Em muitos momentos, contrapuseram-se pública e expressivamente, aos seus “irmãos na fé”, em nome da justiça e dos direitos para a população, bem como contra práticas fisiológicas dos que compunham o tal “Centrão”. 

No processo, dois parlamentares do Rio de Janeiro se destacaram: Benedita da Silva (PT), à época, a única mulher pentecostal e negra, das Assembleias de Deus, e Lysâneas Maciel (PDT), presbiteriano, que defendiam, publicamente, que a bancada se engajasse na defesa dos direitos sociais. Os dois foram os mais proeminentes na avaliação de colegas deputados e da imprensa, tanto por seu trabalho na formulação do conteúdo da Constituição, quanto pelas manifestações de divergência com integrantes da bancada evangélica. Lysâneas Maciel, em discurso, afirmou que “a distorção das diretrizes bíblicas” conduzia os evangélicos a “se distanciar dos debates sobre os problemas do mundo”.

Vale destacar também os outros dissidentes que tiveram papel expressivo: Celso Dourado (PMDB-BA), presbiteriano; Edesio Frias (PDT-RJ), batista; José Fernandes (PDT-AM), Assembleias de Deus; Lezio Satlher (PMDB-ES), presbiteriano; e Nelson Aguiar (PMDB-ES), batista.

Esta memória é de extrema relevância para o momento que o Brasil vive, quando o país tenta se apartar de um período terrível sob um governo que atuou para que o país revivesse autoritarismos passados, e impôs graves ameaças para a democracia e para a garantia dos direitos constitucionais. A resistência, por meio da defesa dos valores cristãos ancorados na paz com justiça, tem sido praticada por evangélicos ao longo da história e isto deve ser ressaltado como inspiração às novas gerações.

Por isso, o Coletivo Memória e Utopia, em parceria com a Casa Galileia, Novas Narrativas Evangélicas e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), lança a série de ?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> style="font-weight: 400;">entrevistas  “Fé em busca de direitos: 35 anos da Constituição do Brasil”, que trata de “Evangélicos na Constituição de 1988” (deputada federal Benedita da Silva e filhos do deputado Lysâneas Maciel, falecido em 1999) e “A luta pela terra e as igrejas na Constituição de 1988” (Profa. Leonilde Medeiros, Universidade Federal do Rio de Janeiro). Junto com as entrevistas, é oferecida uma série de cards didáticos sobre a Constituição e o papel dos cristãos e cristãs por direitos nas mídias sociais destas organizações. 

Com isto, o projeto busca oferecer oportunidade de, por meio da memória, manter acesa a esperança neste tempo de reconstrução e pacificação do país. Vale apoiar e participar dele.

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