Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

Quem são os caboclos, pretos-velhos, boiadeiros, exus e pombagiras?

O babalorixá Sidnei Nogueira de Xangô responde 

Pai Sidnei Nogueira/Foto: Gui Christ
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A umbanda é uma religião afro-brasileira nascida no Brasil, resultado da síntese, do mimetismo, do diálogo entre diferentes outras religiões. Nela, encontramos marcas do catolicismo popular, do espiritismo kardecista, da pajelança indígena e de diferentes tradições africanas do candomblé.

Nesse sentido, a umbanda é muito brasileira e acolhedora desde suas origens. Mas a umbanda não, porém, uma massa uniforme e única. 

Desde sua origem, ocorreram criações e recriações. E, por conta do racismo religioso e do afastamento de suas origens negras, buscou-se, ao longo de sua história, o seu embranquecimento. 

Na última década, a umbanda se expandiu muito. Hoje, podemos afirmar que existem “umbandas” com diferentes percepções, filosofias e liturgias, que acolhem, em maior ou menor grau, suas origens afro-diaspóricas.

Independente disso, um dos componentes centrais nas umbandas é a mediunidade, ou seja, incorporação de espíritos de diversas origens.

Os médiuns são aqueles aptos a receber os espíritos e permitir que, por meio de uma manifestação espiritual, atuem como nossos orientadores.

Para alguns, a mediunidade pode ser desenvolvida, para outros, trata-se de uma herança ancestral. As duas explicações são válidas e, muito provavelmente, coexistem na formação dos médiuns de umbanda.

Durante certos rituais, o médium renuncia à sua memória e vontade, servindo de “cavalo” — que será metaforicamente montado pelo espírito. A palavra “cavalo” expressa a ideia de alguém que coloca seu corpo e mente à disposição do mundo espiritual, para que se comunique conosco. O cavalo torna-se o meio, o canal de comunicação e o território de contato entre nós e o mundo espiritual.

Algumas vertentes da umbanda, mais próximas do kardecismo, veem a mediunidade como uma oportunidade de crescimento pessoal e espiritual, como um resgate cármico. É uma maneira de o médium equilibrar erros e acertos de vidas passadas no constante caminho evolutivo da alma.

Nesta mesma linha de pensamento, acredita-se que as entidades espirituais também estão em busca de evolução espiritual e podem assumir diferentes naturezas conforme o processo evolutivo em que se encontram.

Há diversas explicações para a presença desses espíritos neste território como orientadores dos seres humanos. É é natural que essas explicações inclinem-se mais para uma ou outra perspectiva dentro do caleidoscópio religioso da umbanda.

Não se pode negar, contudo, que há uma leitura hierarquizante e etnocêntrica que influencia essa compreensão tanto do mundo espiritual quanto do mundo material.

Reiterando, vertentes mais kardecistas da Umbanda creem que estas entidades espirituais estão em dívida  cármica e que os espíritos são trabalhadores em busca de evolução. Há quem acredite que o espírito manifestado não é exatamente de um preto-velho ou de um pajé, por exemplo.

Umbandas mais negras, contudo, têm refutado esta leitura escravizante dos espíritos e dos corpos. 

Eu prefiro uma visão mais próxima do candomblé e de algumas culturas africanas – ou seja, que estes espíritos seriam ancestrais do Brasil.

  • os caboclos são espíritos encantados — memórias existenciais encantadas dos indígenas que já viviam aqui antes da invasão do Brasil ou dos que sofreram as violências do período colonial;
  • os pretos-velhos representam os negros antes, durante e depois da escravização;
  • os boiadeiros são espíritos encantados dos senhores de boiadas;
  • e os Exus e Pombagiras são espíritos da noite, da paixão, dos bares. Sábios em aspectos da vida, do amor e das ruas e encruzilhadas.

A denominação Exu para essas memórias existenciais encantadas é uma assimilação linguística do nome da divindade Orixá Èsù. Na cultura iorubá, Èsù é o senhor da comunicação, da palavra, das múltiplas possibilidades, das encruzilhadas, da ordem e da disciplina, da fertilidade e das relações.

A palavra Pombagira, usada para nomear os espíritos de mulheres transgressoras e livres, também é uma assimilação linguística, vinda da língua quicongo. “Pambu Nzila” significa “caminho bifurcado”, “caminho-encruzilhada”. Pambu Nzila, Pambu Njila, Pambujila, Pambojira, Pombagira… ou seja, a senhora dos caminhos bifurcados, das encruzilhadas, das possibilidades de encruzilhada, a memória existencial encantada dos caminhos.

Nossa sociedade, centrada no controle, na materialidade e na linearidade temporal, não suporta a ideia de comunicação entre mundos, a ruptura de barreiras temporais e a ausência de hierarquias rígidas.

Contrapondo-se ao rigor, ao controle e ao adoecimento que essas ideias fixas produzem, mais pessoas têm se juntado às religiões espiritualistas para ouvir orientações, vivências e experiências de tempos não vividos.

Que possamos, com elas, romper as barreiras segregacionistas e nos encontrarmos nos centros das encruzilhadas da vida. 

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