Diálogos da Fé

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Por que evangélicos e progressistas disputam conselhos tutelares em todo o Brasil

A disputa está bastante acirrada e reflete um movimento que está acontecendo não só nos Conselhos Tutelares, mas em várias esferas da sociedade

Michelle Bolsonaro e Damares Alves exploram a fé dos incautos, na guerra inventada do “Bem contra o Mal” - Imagem: Alan Santos/PR
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Nas últimas semanas, além do debate acerca das sessões de votação para a descriminalização do aborto no Brasil, também está em pauta um outro tema que envolve os direitos humanos, e em específico o da criança: o processo de escolha para conselheiros tutelares no Brasil.

Até alguns anos , essa escolha – que atualmente tem sido chamada de “processo de escolha” e não de eleição – recebia pouca ou quase nenhuma atenção. Mínimos eram os números de pessoas que voluntariamente iam até os pontos de votação e se disponibilizavam para participar.

Recentemente, porém, este processo tem mobilizado grande parte da população, uma vez que se tornou palco de disputa entre diversos grupos, mas principalmente entre evangélicos conservadores e grupos progressistas.

Na última eleição, em São Paulo 53% dos conselheiros que tomaram posse em 2020 eram ligados a denominações neopentecostais, segundo levantamento feito pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Nas últimas semanas, foram publicados diversos “guias” e “manuais” contendo informações de como escolher um candidato de acordo com uma determinada vertente ideológica e posicionamento político.

De um lado, grupos de evangélicos se articulam de forma bastante organizada para mobilizar seus eleitores, afim de conscientizarem da importância de se votar em pessoas com valores conservadores, uma vez que o Conselho Tutelar irá tratar diretamente com as crianças, os adolescentes e as família, em uma forte divulgação de conteúdo informativos como é o caso do Guia sobre como influenciar a votação do Conselho Tutelar.

Foram diversas as postagens sobre o tema em redes sociais como na página pessoal da deputada Damares Alves e da deputada estadual do Rio de Janeiro Índia Armelau, além da recente publicação de um artigo na Folha Universal, jornal oficial da Igreja Universal do Reino de Deus, sobre a importância do trabalho do Conselheiro Tutelar e a necessidade de votar – embora esta seja uma eleição facultativa, ou seja, não há obrigatoriedade.

De outro lado há os grupos progressistas que se unem no que chamam de “frente ampla” para campanhas de conscientização. Diversas ONGs, movimentos e Institutos se articulam em um movimento de tentar eleger candidatos preocupados com os Direitos Humanos e conscientes da necessidade de articular os direitos da criança e do adolescente com outros temas sociais como a sexualidade, gênero e raça, entre outros que fazem parte de agendas progressistas.

Materiais como um Guia sobre como mobilizar pessoas progressistas para votarem nas eleições de Conselho Tutelar foram publicados e exaustivamente compartilhados, em um movimento evidentemente bastante preocupado com a massiva entrada de atores evangélicos nas últimas eleições de Conselho Tutelar em 2019.

Nessa mesma linha, o humorista Gregório Duvier publicou em seu canal um vídeo em que fala abertamente de uma “dominação evangélica” nos Conselho Tutelares, e o quanto esta movimentação está interligada aos avanços da extrema direita no país e à pautas conservadoras defendidas pela frente Parlamentar Evangélica.

A disputa está bastante acirrada e reflete um movimento que está acontecendo não só nos Conselhos Tutelares, mas em várias esferas da sociedade: se por um lado a população evangélica cresce no Brasil a olhos vistos e consequentemente passam a ocupar diversos espaços, inclusive políticos, e a reivindicar suas pautas e agendas em sua maioria ligadas à questões morais e em defesa de valores tradicionais, por outro lado há uma reação tão forte quanto esta de grupos que enxergam este avanço e esta articulação como sendo um retrocesso e uma ameaça aos valores democráticos e a laicidade do Estado.

Afinal, pode um representante público ter religião? A resposta é sim, faz parte dos direitos garantidos pela Constituição que todas as pessoas possam manifestar publicamente a sua fé, o que não é a mesma coisa de acionar seus valores de fé individual em cargos públicos, como é o caso dos Conselhos Tutelares, por exemplo, colocando os preceitos religiosos na frente da garantia de direitos humanos.

Há uma evidente disputa na qual ambos os lados estão dispostos a usarem todas as suas armas e a mobilizarem todas as pessoas possíveis para impedir que o outro lado avance. Estas disputas são próprias de um sistema democrático e querer que grupos diversos não existam e não briguem pelo poder é querer que a democracia não seja plural, o que seria uma contradição de termos. Porém, o que é bastante perigoso neste jogo, é que o que está em disputa não é uma bola como num jogo de futebol, mas os direitos das crianças e dos adolescentes. E isto não é pouca coisa.

O ECA é uma conquista que veio junto com a redemocratização do Brasil e representa um avanço enorme no debate dos Direitos Humanos. Por isso deve ser preservado e levado a sério. É necessário sim que a população se conscientize urgentemente da função importantíssima dos Conselho Tutelares, mas deve-se tomar um grande cuidado para não sermos cooptados por grupos que utilizam este processo de escolha como um instrumento de poder e ferramenta de se obter fortalecimento político.

A defesa do ECA deve ser a prioridade dos candidatos, e não seus interesses pessoais ou de grupo. Independente da religião de cada candidato, a defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente é o que deve reger seu mandato.

*Publicado originalmente no Observatório Evangélico

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