Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

O sensacionalismo no caso do ‘serial killer’ de Brasília e a intolerância religiosa

A cobertura de grandes casos de violência cria uma relação falsa, inadequada e perigosa entre crime e religiões afro-ameríndias

(Polícia Civil de Goiás/Reprodução)
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O caso do assassino Lázaro chocou o país. Um homem que foi capaz de matar uma família inteira e fugir da polícia por sete dias, cometendo outros crimes pelo caminho. Entretanto, nas redes sociais, a partir de uma matéria do portal G1, o foco do assunto mudou. O título dizia “Fotos mostram que casa de Lázaro Barbosa, suspeito de chacina em Ceilândia, tem itens que indicam bruxaria e rituais, diz polícia”. 

Mesmo sem a confirmação da religião do criminoso, o público que acompanhava o caso passou a associar as imagens divulgadas às religiões de matrizes africanas, desencadeando uma onda de ataques intolerantes, racistas e inconstitucionais – a Constituição de 1988, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

Tudo isso acontece porque, no imaginário social, um ato de atrocidade cometido por um umbandista ou candomblecista é normal ou esperado, uma vez que “cultuam o diabo”. O mesmo, entretanto, não acontece com outras religiões. A conduta midiática em casos como o do Evandro, em 1992, e do Lázaro, atualmente, reforça esses estereótipos e perpetua o crime da intolerância.

Em momento algum o G1 agiu com responsabilidade ao noticiar essas informações ou sequer pensou nos efeitos e consequências de relacionar o criminoso a certa religião. Um erro que, diga-se, passa até pelos fundamentos jornalísticos se levarmos em consideração os critérios de noticiabilidade e a relevância dessa associação para as investigações do caso. Aqui, a religião do Lázaro importou, diferente da conduta quando o assassino ou suspeito é de religião cristã, por exemplo. Isso é o que reforça estereótipos no imaginário da população e alimenta a intolerância. Fazendo um comparativo com outra conduta midiática, é o mesmo que acontece com os jornais policialescos ao noticiar casos de racismo e violência. A falta de responsabilidade é a mesma.

O resultado, como falei, reforça a intolerância contra religiões afro-ameríndias, que perdura desde os idos da colonização, parte de de um projeto de Estado que visa embranquecer a pele, a cultura e tudo mais que for possível. A sociedade, de forma explícita ou velada, tenta apagar 400 anos de sua história, apagar elementos que ajudaram na construção do País, apagar a cultura das pessoas trazidas da África e do povo nativo – uma missão iniciada com os Jesuítas, mas que é feita em massa até hoje. 

Se, de um lado, vemos os deuses de culturas não-cristãs europeias como Nórdica e Grega retratados como heróis em filmes (Thor, Hércules, Perseu e Loki) – a cultura e deuses Nagô, Fon e Bantos são constantemente atacados. Um ataque que existe desde 1500 e continuou muito evidente mesmo após o fim da escravidão.

Em 2017, 39% das 537 denúncias feitas ao Disque 100 envolveram religiões de matriz africana. A intolerância faz com que muitos terreiros, barracões e casas de Santo sejam quebradas, queimadas e pessoas sejam agredidas e até mortas por serem da Umbanda, Candomblé, Jurema Sagrada, Catimbó e outros cultos. . Fez com que, em 2015, a jovem Kailane, então com 11 anos, fosse apedrejada por estar vestida de branco ao sair de uma gira no terreiro da sua avó. 

O pesquisador Renzo Carvalho pontua:

“Os europeus, alimentados pela lesiva crença etnocêntrica de que seus valores e princípios eram antagônicos para com os dos povos escravizados, uma vez que estes últimos eram vistos como seres ‘sub humanos’, passaram a demonizar suas respectivas culturas e filosofias. 

Batuques, espíritos manifestados, mandingas e cânticos ritmados na palma da mão; as práticas pretas que eram nefastas aos olhos cristãos serviam como um atestado de moralidade que justificava a escravização daqueles povos. Povos esses que, através das suas selvagerias, prestavam cultos a falsos deuses e espíritos malignos. Não poderiam ser humanos. 

A escravização a estes seres era moral, visto que suas existências em nada acrescentavam na organização social de uma comunidade criada a hóstia e cor polaca. As religiões de matriz africana foram, talvez, um dos grandes argumentos que encabeçaram a narrativa da coisificação dos corpos pretos.”

O que fazer, então? 

As religiões afro-ameríndias e as culturas Banto, Fon e Nagô são pilares fundamentais para a construção do Brasil. O surgimento do samba, a capoeira, a culinária, entre tantos outros elementos essenciais do País são oriundos delas. Temos uma obrigação histórica não só de respeitar esses cultos, mas de protegê-los. Precisamos falar sobre o quanto as religiões como Umbanda e Candomblé também são responsáveis por grandes trabalhos sociais em áreas periféricas e movimentam uma grande fatia da economia. As macumbas movem o País e são grandes agentes civilizatórios. No Rio, por exemplo, temos o Mercado Popular de Madureira, que tem diversas lojas que vendem artigos religiosos e geram centenas de empregos. A intolerância religiosa e racismo cultural são assuntos que devem ser debatidos e alarmados, levados para as salas de aula e outros ambientes educacionais. Queremos que a laicidade do Estado seja real e não apenas ilusória. ?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> style="font-weight: 400;">A nossa principal missão sempre foi espalhar e trazer muita paz e caridade. Axé para toda a humanidade!

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