Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

O que, de fato, impacta a opinião de evangélicos sobre o governo

Talvez seja o momento de entendermos as insatisfações dos brasileiros e brasileiras em relação ao governo, ao invés de simplesmente atribuir aos evangélicos a causa do aumento da desaprovação

Lula (PT) fez encontro com evangélicos. Foto: Ricardo Stuckert
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Neste mês de março, institutos de pesquisa publicaram dados de que a aprovação do governo Lula teve uma queda significativa. Dentre as possíveis causas, estaria a declaração do presidente comparando a violência de Israel em Gaza com o Holocausto na Alemanha nazista. Há muitas camadas neste contexto nas quais precisamos nos aprofundar, sob o risco de criar explicações fáceis para cenários complexos.

Em primeiro lugar, Lula venceu as eleições por uma margem estreita cenário que torna muito mais volátil a popularidade do presidente eleito – até porque, muitos eleitores votaram em Lula por não quererem Bolsonaro como presidente, e não porque estarem ideologicamente alinhados com o candidato do PT. Essa polarização fez com que a extrema–direita, muito mais representada no Congresso do que os aliados do governo, tivesse terreno fértial para criar narrativas de oposição odiosas e mentirosas. E não podemos desconsiderar o poder midiático que essa oposição tem. 

Na maioria das análises que tenho visto sobre a aprovação dos evangélicos sobre o governo Lula, contudo, tenho percebido que a queda da aprovação neste segmento tem sido vinculada às pautas morais e religiosas e, mais recentemente, à declaração de Lula sobre o genocídio praticado por Israel. Mais uma vez, para mim, comete-se o erro de homogeneizar a opinião de quase 40 milhões de pessoas. 

Evidentemente, não podemos desconsiderar o poder midiático, de circulação de fake news e discurso de ódio de segmentos evangélicos, sobretudo os ligados à bancada evangélica. Porém, tratar a declaração de Lula ou o fator religioso como os grandes impactos sobre a opinião deste segmento, é colocar este grupo de forma homogênea nas mãos da extrema-direita. 

Não se pode desconsiderar outras variáveis. Quando pensamos em recorte socioeconômico, quase 70% dos evangélicos têm renda familiar de até dois salários mínimos. E isso é muito importante ser considerado, mas muitas vezes acaba sendo apenas uma nota de rodapé. Isso significa que o preço da cesta básica, da feira e do aluguel são essenciais na percepção de governo deste segmento.  

Não quero dizer que as narrativas das grandes lideranças evangélicas não tenham impacto entre os fiéis, de forma alguma. No entanto, chamo a atenção para o fato de que a igreja também é sociedade. Tudo o que afeta a sociedade, também afeta as pessoas que estão dentro das igrejas. 

Temo que, mais uma vez, cometamos o erro de 2018: jogar os evangélicos para a direita. Será que os segmentos evangélicos fundamentalistas têm todo esse poder  que a mídia diz que eles tem, quando se trata de arregimentar eleitores para a extrema-direita? A pesquisa do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, constatou que a maioria dos presentes no ato da Paulista eram católicos. O fato é: o Brasil está polarizado, e a dificuldade de se manter a aprovação do governo Lula tem relação direta com essa polarização.  Ainda mais em um contexto em que a extrema-direita não tem escrúpulos em espalhar mentiras e distorções via redes sociais.

Por fim, a questão dos evangélicos se tornou uma explicação fácil para a complexidade da política brasileira e dos interesses das elites econômicas. Mais uma vez, afirmo: não estou desconsiderando o poder que esse segmento religioso tem, mas não acredito que esta possa ser a maior explicação para a queda da aprovação, nem tão pouco a principal. É um fator importante do momento histórico em que estamos vivendo, mas o preço da carne, das frutas, do custo de vida, também impactam nas percepções dos evangélicos e evangélicas brasileiras. 

As pessoas não votam ou aprovam governos apenas porque são evangélicas. As pessoas estão em um contexto histórico em que as narrativas associadas às insatisfações cotidianas têm um impacto nas percepções do mundo. Talvez seja o momento de entendermos quais as insatisfações dos brasileiros e brasileiras em relação ao governo, ao invés de simplesmente atribuir aos evangélicos a causa deste aumento da desaprovação. 

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